Álcool e maquinistas. Afinal o que disse o ministro António Leitão Amaro?
Ainda está viva a polémica em torno das declarações do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, acerca dos maquinistas, álcool e acidentes na ferrovia. Hoje, o ministro que tem a tutela dos Infraestruturas e Habitação, que inclui os transportes, veio em defesa de Leitão Amaro, afirmando que o Governo não fez qualquer associação entre os acidentes na ferrovia portuguesa e o abuso de álcool por parte dos maquinistas. Mas afinal o que disse Leitão Amaro no final do conselho de Ministros da semana passada?
O que disse Leitão Amaro?
Na conferência de imprensa que se seguiu à reunião semanal do executivo, na passada quinta-feira, o ministro da Presidência afirmou que “não é muito conhecido, mas Portugal tem o segundo pior desempenho ao nível do número por quilómetro de ferrovia de acidentes que ocorrem" e que tem "um desempenho cerca de sete vezes pior do que a primeira metade dos países europeus”. Esse foi o contexto em que anunciou que o Governo aprovou uma proposta de lei que reforça “as medidas de contraordenação para os maquinistas deste transporte ferroviário, criando uma proibição de condução sob o efeito de álcool”. “Estando Portugal numa das piores situações em termos de nível de acidentes, tem do quadro contraordenacional mais leve e mais baixo da Europa”, rematou Leitão Amaro.
Vários órgãos de comunicação social, entre os quais o DN, questionaram o Governo sobre eventuais estudos que indicassem o uso de álcool como origem de parte ou da maioria dos acidentes ferroviários. Não houve resposta. Por outro lado, o DN consultou o mais recente relatório sobre acidentes na ferrovia, relativo a 2023, e não consta qualquer referência ao uso de álcool por parte dos maquinistas.
O que disseram os maquinistas?
O sindicato dos maquinistas SMAQ exigiu que o ministro Leitão Amaro clarificasse e retificasse publicamente as suas declarações. Como isso não aconteceu, decidiu avançar para uma greve no dia 6 de dezembro, uma sexta-feira.
"O SMAQ - Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses decidiu avançar com um pré-aviso de greve geral para o dia 06 de dezembro de 2024, com impactos no dia 5 e dia 7, nas sete empresas onde tem representação: CP - EPE, Fertagus, MTS - Metro do Sul do Tejo, ViaPorto, Captrain, Medway e IP - Infraestruturas de Portugal", salientou o sindicato.
O SMAQ recordou ainda que o Relatório Anual de Segurança do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT) – o mesmo que foi consultado pelo DN – que concluiu que Portugal registou 29 acidentes ferroviários significativos no último ano. Metade (52%) diz respeito a atropelamentos. Por outro lado, 38% deram-se passagens de nível, “devido ao incumprimento das regras de trânsito”, enquanto outros 7% deveram-se a colisões com pedras ou árvores. Os restantes 3% dizem respeito a descarrilamentos alegadamente relacionados com a degradação da infraestrutura.
Por isso mesmo, o SMAQ considera que as declarações do ministro da Presidência, ao associar a taxa de alcoolemia e o mau desempenho de Portugal nos ‘rankings' europeus acidentes na ferrovia, “são falsas, inaceitáveis e profundamente desrespeitosas".
O que disseram as empresas ferroviárias?
Também, a associação que representa as empresas ferroviárias manifestou “surpresa e incompreensão” perante as afirmações de Leitão Amaro. E recordou, tal como os maquinistas, que a maioria dos acidentes ferroviários tem origem em situações associadas a infraestruturas, nomeadamente “atravessamentos indevidos de passagens de nível e suicídios”.
Sobretudo, vincou, “não se verifica qualquer acidente ferroviário causado pelo consumo de álcool, muito menos de maquinistas, pelo que a APEF considera as declarações do senhor ministro infelizes e injustas”, indica uma carta, citada pela Lusa, assinada pelo diretor executivo da associação, Miguel Rebelo de Sousa, e enviada ao ministro António Leitão Amaro. A APEF tem como associados a Medway (antiga CP Carga), a Takargo e a Captrain España.
Na mesma carta, os responsáveis da APEF referem que não se revêm nas declarações do governante, considerando-as “desfasadas da realidade” e “apenas explicáveis por desconhecimento”.
“A segurança é a pedra basilar da ferrovia e todos os que nela trabalham contribuem, diariamente, com profissionalismo, para garantir uma circulação de comboios segura e responsável, permitindo a mobilidade das pessoas e da carga da forma mais segura e fiáveis possível”, sublinhou a APEF, acrescentando que espera que o Governo reconheça e valorize o papel dos trabalhadores ferroviários, “de forma responsável e informada”.
O que disse o Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF)?
O gabinete que tem a incumbência de investigar todos os acidentes na ferrovia também tomou uma posição. Citado pelo Público, o gabinete adianta que desde 2014 "nunca foi detetada nos maquinistas taxa de alcoolemia superior a 0,5 g/l, nem aspetos correlacionados com essa matéria foram identificados como factor interveniente em quaisquer acidentes ou incidentes". Isto apesar de os maquinistas serem submetidos a testes aleatórios de alcoolemia, como disse ao DN o presidente do SMAQ. Nesses testes, salientou, não podem acusar mais de 0,2 gramas por litro de sangue, sob pena de serem punidos.
O que disse hoje o ministro Miguel PInto Luz?
O ministro com a tutela dos Transportes, Miguel Pinto Luz, comentou hoje a polémica, agora à luz da marcação de uma greve para dia 6 de dezembro, uma sexta-feira. Para Pinto Luz, houve um erro de interpretação das palavras de Leitão Amaro, pelo que o Governo não tem nada que pedir desculpa aos maquinistas.
“Não houve nenhuma relação de causa e efeito estabelecida” pelo Governo entre a sinistralidade na ferrovia e a alcoolemia dos maquinistas, disse hoje ministro, pelo que “não há pedidos de desculpa possíveis".
“O Governo, pela voz do ministro da Presidência, no dia seguinte [às declarações após o Conselho de Ministros], voltou a tornar claro aquilo que já era claro do nosso ponto de vista. Portanto, o Sindicato dos Maquinistas faz a análise que faz. O direito à greve é absolutamente inalienável e nós estamos de consciência tranquila. Todos sabem o esforço, a vontade e o comprometimento que este Governo tem em investir em ferrovia”, salientou o ministro das Infraestruturas, ainda que tenha acrescentado que é difícil de entender uma greve convocada nestes termos.
Para Miguel Pinto Luz, na origem dos acidentes ferroviários em Portugal está outra razão e nada tem a ver com as contra-ordenações para os maquinistas que consomem demasiado álcool.
O ministro, que disse ter “um respeito profundo pelos maquinistas e pelo sector ferroviário”, disse que a falta de investimento na infraestrutura é o principal motivo dos acidentes em Portugal. A elevada taxa de sinistralidade ferroviária, sublinhou, resulta de várias causas e “o álcool não é uma delas”.
“Tem a ver com falta de investimento na infra-estrutura, essa é a principal. Temos muitas passagens de nível, temos infra-estrutura já muito envelhecida, mas também taxas de suicídio elevadas. Portanto, há muitas causas e o álcool não é uma delas, seguramente, e o Governo foi claro nisso. Se queremos criar um caso, podemos criá-lo. O Governo está absolutamente de consciência tranquila sobre isso”, concluiu.