Alfredo da Costa já tem nova urgência. Até agora, nasceram 2253 bebés e 46% são filhos de mães estrangeiras
Em poucas horas, o novo serviço de urgência da Maternidade Alfredo da Costa (MAC - a mais antiga do país, construída de raiz em 1932), fez 22 partos. Ou seja, 15 nas 24 horas do dia 24 e os restantes a partir das zero horas de dia 25, mas ao início da manhã deste dia havia mais três para nascer. E quem ali trabalha sabia que a contagem até às 24 horas não ficaria por ali. As grávidas continuavam a dar entrada no serviço - ou já em trabalho de parto ou para indução. Algumas completamente surpreendidas com as condições, porque o acompanhamento tinha sido feito nos últimos seis meses noutro piso, precisamente por aquele espaço estar em obras.
Ao todo, foram seis meses de obras profundas em funcionamento e a ter de dar resposta a mais utentes do que àqueles que fazem parte da sua área de influência. Porquê? Porque “é uma unidade de fim de linha e tinha de dar resposta a todas as utentes das unidades que estavam encerradas na região de Lisboa e Vale do Tejo e que nos procuravam”, mas este “funcionamento só foi possível graças ao empenhamento de todos os profissionais”, reconhece a presidente do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde São José, Rosa Valente Matos, onde a MAC está incluída. “Não foi fácil, e só o conseguimos também com a participação dos nosso utentes, que aceitaram ser tratados com menos condições, mas em segurança.”
Ao fim deste tempo, e até à manhã de ontem, a MAC contava com 2253 nascimentos, sendo que até aos primeiros seis meses do ano 46% destes eram de mães estrangeiras - uma percentagem que tem vindo a aumentar, refletindo também o aumento da população imigrante na sua área em Lisboa. A manter-se esta tendência será a maior percentagem dos últimos cinco anos, sendo que até agora a média de partos de mães estrangeiras é da ordem dos 36%.
Mas o total de bebés faz prever que, no final do ano, a MAC tenha conseguido passar a barreira dos quatro mil bebés, o que será um verdadeiro recorde nos últimos anos. “Devemos ultrapassar os quatro mil”, refere Anabela Dias, enfermeira diretora-adjunta da MAC, onde trabalha há 35 anos, “desde o estágio” em que se apaixonou “pelo trabalho na sala de partos”.
O serviço de urgência fechou “a 26 de janeiro e era para abrir a 26 de julho. Mesmo assim, conseguimos abrir dois dias antes, já que a partir das 16h00 de quarta-feira os bebés começaram todos a nascer cá em baixo”. Até aí, nasceram no segundo piso, no serviço que antes era o bloco da ginecologia e que passou para o Curry Cabral para as obras poderem ser feitas. “Foram partos entre mudanças, muito esforço e empenho dos profissionais, mas ontem ficou tudo a funcionar, hoje estamos nos detalhes”, frisa a enfermeira diretora. É ela que mostra o resultado das obras, com satisfação visível no rosto: “A MAC é a minha casa.”
Para Ana Bernardo, a chefe da equipa médica do turno da manhã, estas obras “vieram dar-nos um espaço renovado que nos permitirá dar melhor assistência e conforto às grávidas e melhores condições de trabalho a nós, profissionais”. Mas a médica sublinha também que foram seis meses de obras “num ano extremamente difícil, não só pelo espaço físico em que tivemos de trabalhar, mas também pelo capital humano, temos as equipas no limite e estivemos sempre abertos, o que só foi possível à custa de muito trabalho extra de todos os profissionais”.
"A MAC é a MAC. É uma escola."
A MAC não é só a mais antiga maternidade pública do país criada de raiz. É também “uma escola”, sublinha a médica. “A MAC é a MAC”, reforçam os colegas de equipa de enfermagem, e quem ali trabalha há muito sente isso, sente-a como “casa” e, por isso, “há este espírito de missão e este empenhamento”.
Talvez por isso mesmo, ao longo da manhã, foram muitos os colegas de outros serviços que ali foram para ver o resultado. Anabela Dias confessa: “A primeira vez que vim ao serviço depois das obras foi uma emoção. Precisávamos destas obras e tentámos ir ao encontro das necessidades das nossas grávidas e das necessidades dos profissionais também.”
Depois desta intervenção, a presidente do Conselho de Administração da ULS considera que a MAC “é a maternidade com maior inovação no país. As obras foram feitas tendo em conta que vamos ter um novo hospital, mas muito deste material irá para a nova unidade”.
O novo serviço de urgência conta com 11 quartos de parto (antigas boxes) e mais um de relaxamento. Em cada quarto, as parturientes têm ao seu dispor as novas técnicas de relaxamento, das bolas de pilates até uma banheira. A sala de exames de diagnóstico passou de dois para cinco equipamentos de CTG (Cardiotocografia). Passou a haver uma sala de emergência (ou de diretos) para grávidas em estado crítico e três camas no Serviço de Observação, só existia uma. Os gabinetes médicos passaram de dois três e as salas de espera, quer para obstetrícia quer para a ginecologia, também foram aumentadas.
“Nasci na MAC, sou enfermeira e quis que a minha filha nascesse aqui”
No primeiro quarto, Vanessa Cavaleiro, mãe há menos de 12 horas, aguardava a chegada do marido enquanto vestia Francisca, um dos primeiros bebés do novo serviço de urgência da MAC, e a primeira filha deste casal de enfermeiros. Por isso, quando perguntamos o que a levou a escolher a MAC, Vanessa não hesita e justifica: “Nasci na MAC, sou enfermeira do grupo, no Hospital de Santa Marta, tenho referências dos profissionais e quis que a milha filha nascesse aqui”.
Correu tudo bem, a esta mãe de 37 anos, que deu à luz, às 19h00 do dia 24 de julho, uma bebé de 3,7 quilos, com 40 semanas. Foram algumas horas em trabalho de parto, não sabe bem quantas, “mas foram algumas”. “Tive de fazer indução, mas a partir do momento que entrei em trabalho de parto foi tudo muito rápido.”
Mas, “difícil”, acrescenta. “Acho que a primeira vez nunca é fácil”, diz a rir. Vanessa teve um parto natural e ficou surpreendida com as novas instalações, naquele momento aguardava vaga na enfermaria onde ficará até à alta. O pós-parto não a assusta, “só se vive de forma diferente”.
No quarto ao lado, Ana Soraia Valentim, de 32 anos, vive as últimas horas antes do parto. Cansada, mas ainda com forças para falar. “Acabei de receber o reforço da epidural e as dores agora acalmam”, diz. Soraia entrou dia 23 na MAC para fazer a indução do parto, ainda para o antigo serviço. “Só às duas da manhã do dia 25 é que passei cá para baixo, quando me romperam as águas.”
O bebé tem 39 semanas, mas Soraia é acompanhada na consulta de alto risco, por ter “diabetes estacionários e um problema renal”. Por isso, “acharam melhor induzir o parto”. A primeira filha, com 12 anos, já nasceu ali e a MAC era “a minha escolha”, diz. A enfermeira aconselha-a a deitar-se, porque a “bebé (Benedita, assim se vai chamar), não está a gostar de estar sentada”. Soraia e o marido Hélio só querem mesmo que nasça.
No corredor, um grupo de técnicos auxiliares repõe material. Mónica Filipe, no serviço há mais de 11 anos, Sarita Mascarenhas, há três, e Delfim Xavier, um veterano na casa “há 40 anos”, hoje coordenador do departamento de técnicos auxiliares, estiveram ali no dia anterior para que tudo funcionasse e ali estão hoje desde bem cedo. Fizeram-no por gosto. “Agora vai ser rápido, organizamos muito bem o nosso trabalho”, o qual “tem de ser sempre de equipa”. “Está cá o sr. Delfim a ajudar”, remata a enfermeira diretora.
Tive o primeiro filho em Santa Maria e agora quis vir para a MAC
O relógio marca 10h05 e há “três mães quase a parir”, comentam os enfermeiros. Os quartos estavam todos cheios, menos um, aquele que é considerado sala de relaxamento, e outros dois com mães à espera de vaga na enfermaria. Jek estava nessa situação. Foi mãe pelas 21h20 de dia 24, de uma menina de três quilos. “Chama-se Tayla. É um nome bíblico que significa proteção”, conta.
É a segunda filha desta mulher são-tomense há 14 anos em Portugal. A mais velha tem três anos, “nasceu em Santa Maria, mas desta vez pedi ao médico que me mandasse para a MAC. Tinha colegas que foram muito bem atendidas aqui e pedi para ele me ajudar. E ajudou”, desabafa. “Correu tudo muito bem”, ri-se. “Fui muito bem acolhida e tratada”, diz para satisfação de quem a ouve. No quarto ao lado do seu, as dores apertavam, estava para nascer mais uma menina, o que aconteceu às 10h55.
Na box 6, Mafalda Bacalhau, de 35 anos, tinha dado entrada há pouco tempo na urgência. “Ainda fui ao segundo piso, não fazia ideia que iria estrear o novo serviço. Acho que o Duarte quis esperar por isso”. Mafalda compareceu na urgência, como estava previsto, para a indução do parto. Mas, antes de sair de casa, “as águas rebentaram e não fiz indução”. Quando fala connosco faz relaxamento, ainda sem epidural e com algumas dores. “Se calhar vão aumentar, não?”, pergunta. A enfermeira não dá falsas esperanças: “Vão, sim.” Mafalda está acompanhada pelo marido no quarto onde vai ter o primeiro filho. Nem um nem outro estão ansiosos, “mas daqui a pouco é que vão ser elas”, dizem.
Ao DN, Mafalda conta que foi acompanhada pela sua médica no privado, mas em termos de parto sempre pensou numa unidade pública e especificamente na MAC. “Tinha amigas que tiveram aqui os bebés e que me recomendaram. Diziam-me que as condições não eram muitas, mas que as equipas eram muito boas. E decidi que seria aqui”.
As equipas estão no limite, por vezes a sentirem que o seu trabalho “não é reconhecido ou valorizado”, mas, no final, “cada um tenta sempre dar o seu melhor”.