"Não muda muito porque a Comissão não tem servido para nada, desde 2017 o serviço só ficou pior. Portugal precisa é de uma lei contra o racismo e que puna os casos”, defende José Falcão, fundador da SOS Racismo, associação com mais de 30 anos de atividade, ao comentar a recente concretização do processo de retirada da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) da tutela do Governo e a sua passagem para o Parlamento a partir da próxima legislatura, em março..José Rui Rosário, do coletivo Kilombo, frisa que é “irrelevante” onde o órgão funciona, uma vez que “existem tantas coisas para resolver no que diz respeito à luta contra o racismo”. O ativista concorda que o importante é a criminalização da injúria racial em Portugal, “ainda mais em um momento em que há uma naturalização do racismo no país”..Cyntia de Paula, presidente da Casa do Brasil, pensa da mesma forma. “A separação é importante para ter mais autonomia. No entanto, é fundamental que Portugal faça um debate sobre a mudança na legislação, o racismo tem que passar a ser crime”, argumenta..Desde 2017, existe uma lei que “proíbe as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica”. Recentemente, foi alargado o conceito de crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência. A mudança entra em vigor a 14 de fevereiro próximo..A atualização adicionou mais detalhes no conceito de discriminação, acrescentando “origem étnico-racial”, “nacionalidade” e “território de origem”. A mesma mudança também passará a permitir que o tribunal possa ordenar a eliminação de dados informáticos e conteúdos em casos cometidos online. A pena prevista é de seis meses a cinco anos de prisão..AIMA assegura o serviço de denúncias.A passagem do órgão para a Assembleia da República foi solicitada pelo próprio Governo, com objetivo de criar “uma entidade administrativa independente, dotada de poderes de autoridade”. A medida passará a valer a partir de março, quando houver eleições. Ao DN, o Governo assegura que os serviços da Comissão continuam normalmente até essa altura. A principal atividade é o recebimento de queixas de vítimas alvo de práticas discriminatórias, A Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA) fica como responsável neste período..O último relatório de atividades é de 2021, quando foram registadas 408 participações, com base em práticas discriminatórias de base racial e étnica. Destas, 85 resultaram em processos de contraordenações. A maior parte das queixas são de cidadãos brasileiros, a maior comunidade estrangeira em Portugal..Segundo a presidente da Casa do Brasil, além da autonomia e eficácia do órgão, a representatividade é importante. “Não queremos que se repita como em outros órgãos, compostos apenas por pessoas brancas portuguesas, sem a participação de imigrantes e negros, por exemplo”, argumenta. O ativista do coletivo Kilombo vai no mesmo sentido. “Temos que saber quem são as pessoas que lá estarão e que pautas defendem”, pontua. Pelas novas regras, o presidente da CICDR será eleito pelos deputados, que apresentam e votam os nomes propostos. Antes, a presidência era sempre ocupada pela presidência do Alto Comissariado para as Migrações, agora extinto. Os demais membros continuam a ser representantes indicados por associações antirracistas, de defesa dos direitos humanos, ciganas, de estruturas representativas de trabalhadores, entre outros..Fica em aberto até a formação do novo Parlamento como será o serviço da Comissão, nomeadamente no que diz respeito aos canais de atendimento disponíveis e ações de sensibilização. A votação do projeto de lei na Assembleia Legislativa teve abstenção da Iniciativa Liberal, voto contra do Chega e aprovação dos demais partidos. Até uma definição, as denúncias podem ser feitas de forma eletrónica, no site da entidade ou por email cicdr@acm.gov.pt. Esta semana foi adicionada uma nota no portal relativa à mudança. “Atenção: a informação disponível neste site está em atualização à luz das recentes alterações legislativas”..Decisões da CICDR são públicas.No site do órgão estão disponíveis decisões de queixas prestadas. Desde 2017 foram publicadas cerca de 40 respostas, com a norma violada, resumo do caso, data, sanção aplicada, entre outros detalhes. As coimas variam de 210 euros até 1715,60 euros. Em alguns casos a sanção é uma admoestação, isto é, uma repreensão ligeira..As últimas decisões datam de dezembro de 2022. Entre elas, está um caso de “cobrança de um artigo a um preço inflacionado a uma pessoa por ser de determinada origem étnica”. A coima aplicada foi de 1715,60 euros. Numa outra queixa da mesma data, a vítima denunciou a recusa de fornecimento de refeições a duas crianças por serem de determinada origem étnica. A sanção foi uma coima no valor de 1743,04 euros. O acusado apresentou recurso e ainda aguarda decisão..amanda.lima@globalmediagroup.pt