Os judeus têm uma dívida de gratidão para com os persas. Conta a Bíblia que o fundador do império persa, Ciro, o grande, libertou os judeus do cativeiro na Babilónia e permitiu o seu regresso a Jerusalém. Um salto no tempo de 2500 anos até 1947, ano em que as Nações Unidas votaram o plano de partilha da Palestina. Este resultou da deliberação do Comité Especial para a Palestina, formado por 11 países, Irão incluído. Os representantes iranianos votaram vencidos, ao lado de indianos e jugoslavos, pela recomendação de um sistema federal com um estado árabe e outro judeu e a capital em Jerusalém. Ou seja, de início o Irão mostrou-se contra a solução preconizada, a da criação de dois estados. Também esteve do lado dos países árabes, mas sem qualquer envolvimento, na guerra de 1948, na qual Israel derrotaria cinco países..O xá Mohammad Reza Pahlavi, apesar de ver Israel como um aliado natural, teve de acomodar a oposição religiosa contra a criação do Estado, liderada pelo aiatola Kashani. Enquanto os clérigos iranianos há muito que denunciavam os planos expansionistas do movimento sionista, os árabes consideravam o reconhecimento de Israel como uma aceitação internacional da Nakba, ou catástrofe, isto é, a expropriação e a deslocação à força de mais de 700 mil palestinianos. Daí que o Irão tenha votado contra a admissão de Israel na ONU, em 1949. Mas a visita do xá aos EUA, nesse mesmo ano, abriu as portas ao reconhecimento, no ano seguinte, de Israel, embora com a subtileza de ter sido tácito: a embaixada em Israel era chamada de segunda embaixada na Suíça..Visto como uma traição quer no mundo árabe, quer pela oposição, o reconhecimento de Israel sofreu ainda um breve retrocesso, entre 1951 e 1953. Nesse período, Mohammad Mosaddeq chefiou o governo e ordenou o encerramento do consulado em Jerusalém, alegando dificuldades financeiras, mas não revogou o reconhecimento de facto. O golpe de Estado de 1953, patrocinado pelos Estados Unidos e Reino Unido, viria a abrir caminho para o período de relações mais intensas. .A coberto de uma empresa comercial israelo-iraniana, o diplomata Zvi Duriel estabeleceu-se em Teerão, enquanto o Irão trocava produtos agrícolas e petróleo por bens industriais e assistência militar. No que respeita aos hidrocarbonetos, o Irão foi o principal fornecedor dos israelitas durante duas décadas, furando o boicote dos países árabes. A assistência militar e de segurança desenvolveu-se ao ponto de os serviços secretos partilharem informações e ambos os estados participaram num programa de desenvolvimento de armas, que foi mantido em segredo..No exílio, o aiatola Khomeini, há muito que via em Israel um “inimigo do islão e dos muçulmanos”. Quando, em 1979, chegou triunfante a Teerão como líder da revolução islâmica que depôs o xá, o clérigo cedeu a embaixada israelita à Organização de Libertação da Palestina e criou um novo feriado, o dia de Quds (Jerusalém em árabe)..Nas duas décadas seguintes, as sementes do ódio foram germinando, apesar da cooperação durante a guerra Irão-Iraque, no início dos anos 80. Então, Telavive terá vendido armamento no valor de meio milhão de dólares e há relatos de que Israel comprou petróleo a preço de amigo. A estratégia israelita era a de enfraquecer o Iraque de Saddam Hussein, que era visto como a maior ameaça. E se num primeiro momento os EUA apoiaram o Iraque, Telavive terá convencido Washington na necessidade de apoiar Teerão para o regime teocrático não se virar para a União Soviética (o famoso escândalo Irão-contras)..À retórica anti-israelita (o “pequeno Satã”) e pró-palestiniana o Irão foi construindo uma rede de forças paramilitares, a mais importante dos quais no Líbano, o Hezbollah. As ligações entre Teerão e o grupo islamista, ambos xiitas, não é segredo, tendo sido expandidas para a Síria, Além disso, patrocina milícias no Iraque, no Bahrein, e os rebeldes houthis no Iémen. Em 1993, depois da primeira revolta palestiniana (Intifada), o Irão e o Hezbollah treinaram combatentes do Hamas, cujas técnicas foram replicadas na segunda Intifada, no início da década de 2000..A organização xiita libanesa foi responsável por um ataque a tropas israelitas que levou à invasão do sul do Líbano, em 2006, seis anos depois de as forças israelitas terem acabado com a ocupação do território..Enquanto foi financiando e treinando “grupos de resistência”, Teerão foi advogando que o objetivo não é a destruição do Estado judaico pela via militar, mas a “derrota da ideologia sionista e a dissolução de Israel através de um referendo popular". A retórica iraniana, agravada com a presidência de Ahmadinejad e o seu negacionismo do Holocausto, num mundo pós 11 de Setembro, ganhou novo peso quando foram reveladas, em 2002, atividades nucleares até então secretas, o que levantou suspeitas de que o Irão estava a tentar fabricar uma bomba nuclear..Entrou-se numa nova e perigosa fase de hostilidade, com a execução de uma série de ataques a cientistas nucleares iranianos na década de 2010, enquanto, em paralelo, Israel conseguiu sabotar as centrifugadoras de uma das centrais de enriquecimento de urânio. Em resposta, o Irão atacou várias embaixadas israelitas no estrangeiro com carros armadilhados. O acordo nuclear celebrado em 2015 entre o Irão e vários países (controlo do programa nuclear iraniano em troca do levantamento de sanções) ficou sem efeito quando os EUA de Donald Trump se retiraram do mesmo, abrindo caminho para o enriquecimento de urânio sem restrições e para mais um capítulo de ataques direcionados a cientistas iranianos..cesar.avo@dn.pt