Indústria dos chips em ebulição com derrocada da Intel e guerra entre China e EUA
No início de novembro, a Nvidia tornou-se na empresa mais valiosa do mundo, ultrapassando a Apple e atingindo o valor astronómico de 3,43 biliões de dólares em bolsa. Dias depois, a fabricante de semicondutores entrou oficialmente para o índice Dow Jones e substituiu uma das pioneiras de Silicon Valley, algo que ninguém teria previsto há alguns anos: ocupou o lugar da Intel.
A troca sinaliza a mudança tectónica que está a ocorrer no mercado mundial de chips. A indústria registou alterações dramáticas nos últimos anos, sobretudo devido à ascensão da inteligência artificial, mas também por causa dos problemas na cadeia de fornecimento originados durante a covid-19 e agravados pela guerra de sanções entre os Estados Unidos e a China. Este ‘cocktail’ explosivo reflete-se na deterioração do poder de gigantes como a Intel, o domínio imparável de players em crescimento como a Nvidia e a expectativa de mais turbulência geopolítica nos próximos anos, com uma segunda administração Donald Trump a tomar posse a 20 de janeiro de 2025.
A queda da Intel
O colosso de Santa Clara, no coração de Silicon Valley, está a passar por um dos períodos mais conturbados da sua história. Esta semana, o CEO Pat Gelsinger foi obrigado a demitir-se pelo conselho de administração devido à má performance da empresa e as perspetivas de curto prazo não são animadoras.
Um dos maiores desafios que a Intel enfrenta é a dificuldade de competir na nova era de inteligência artificial. Atrasou-se no desenvolvimento de chips que respondessem à procura - que explodiu quase da noite para o dia nos últimos dois anos - e não tem apresentado inovação ao ritmo necessário. A histórica empresa, com 56 anos de mercado, perdeu a confiança dos investidores depois de uma quebra de 30% nas receitas entre 2021 e 2023. Em agosto, reportou resultados dececionantes e isso desencadeou o maior movimento de investidores a desfazerem-se das suas ações em 50 anos. Anunciou que iria despedir mais de 15% dos seus quadros e implementar um plano de corte de custos de 10 mil milhões. Meses mais tarde, no trimestre findo em outubro, apresentou o maior prejuízo da sua história: 16,6 mil milhões de dólares.
“Temos muito mais trabalho para fazer na empresa e estamos empenhados em restaurar a confiança dos investidores”, afirmou Frank Yeary, que assumiu a posição de chefe interino do conselho de administração após a saída forçada de Pat Gelsinger.
O veterano estava a implementar um plano ambicioso para introduzir cinco novos processos de produção em quatro anos e foi um dos grandes apoiantes da legislação Chips Act, que a administração de Joe Biden aprovou. Este pacote legislativo dá incentivos para que a produção de chips regresse aos Estados Unidos e a Intel de Gelsinger comprometeu-se a construir várias novas fábricas no país, mas não conseguiu assegurar os apoios que pretendia.
Os esforços do ex-CEO não deram resultados visíveis no prazo esperado e a gigante continuou a perder vendas e competitividade face à Nvidia e à TSMC. Ex-membros do conselho propuseram mesmo a separação da Intel em duas empresas, uma encarregada de desenhar chips e outra encarregada de os fabricar.
Agora com a liderança provisória do diretor financeiro David Zinsner e da CEO de produtos Michelle Johnston Holthaus, a gigante está à procura de novo presidente executivo numa altura crítica, em que não parece haver uma direção clara. A analista Stacy Rasgon, da Sanford C. Bernstein, escreveu numa nota aos investidores que o vazio de liderança deixa dúvidas sobre o futuro.
“Não parece haver respostas fáceis, por isso quem quer que seja que preencha o cargo vai ter uma jornada difícil”, notou. Pode até acontecer algo que antes seria impensável, a aquisição por outra empresa. Foi esse o rumor que circulou em setembro, quando a Qualcomm investigou a possibilidade de um takeover. A dinâmica atual do mercado não favorece a empresa, e só uma mudança drástica poderá mudar o cenário no longo prazo.
Guerra comercial EUA-China
A agravar a turbulência, há sinais preocupantes que ameaçam desestabilizar a indústria mundial dos chips. As tensões entre os Estados Unidos e a China no que toca à importação/exportação de materiais necessários para o fabrico atingiram o ponto de ebulição esta semana, quando faltam menos de dois meses para o regresso de Donald Trump à Casa Branca.
A escalada começou quando o ainda presidente Joe Biden anunciou o alargamento da lista de empresas chinesas de tecnologias que passam a estar sujeitas a restrições, muitas das quais produzem equipamentos usados no fabrico de chips e software avançado. A intenção é que não consigam aceder a tecnologia americana. São 140 novas empresas adicionadas à lista e qualquer empresa norte-americana que queira fazer negócio com elas verá negada a sua licença de exportação.
Segundo a secretária do Comércio Gina Raimondo, esta medida tem como objetivo dificultar a capacidade da China de usar tecnologias avançadas que “colocam um risco” à segurança nacional dos Estados Unidos. Os oficiais acusaram o país asiático de roubar software norte-americanos de inteligência artificial - algo que Pequim nega - e defenderam a importância de barrar o acesso do partido comunista chinês aos chips mais avançados do mercado, que podem ser usados na sua modernização militar.
O ministro chinês dos negócios estrangeiros, Lin Jian, protestou contra as medidas e acusou os EUA de “supressão maliciosa do progresso tecnológico da China.” Em resposta, Pequim anunciou que vai banir a exportação para os Estados Unidos de metais e semimetais, incluindo gálio, germânio e antimónio, que são componentes essenciais para o fabrico de microprocessadores e para as baterias de carros elétricos.
Adicionalmente, quatro das maiores associações da indústria na China emitiram avisos em simultâneo, alertando as empresas chinesas que comprar chips fabricados nos Estados Unidos “já não é seguro” e que devem virar-se para fornecedores locais.
Esta orientação pode ter impacto negativo na Nvidia, AMD e Intel, que podem ver a sua capacidade de vender no enorme mercado asiático muito diminuída. Será mais um passo na regionalização de uma indústria crítica numa altura delicada: o próximo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaça implementar as mais pesadas tarifas de sempre a todas as importações vindas da China, o que poderá ser seguido de tarifas retaliatórias de Pequim. Tal desencadearia uma guerra comercial entre as duas maiores potências económicas e tecnológicas do mundo, com impacto alargado noutras geografias. Numa altura em que o mercado de semicondutores cresce 20%, segundo as estimativas da IDC para 2024, esta pode ser uma pedra na engrenagem com resultados imprevisíveis.