Mário Mourão: “No dia em que os partidos entrarem na UGT, esse projeto impulsionado por Mário Soares e Sá Carneiro morre”
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Mário Mourão: “No dia em que os partidos entrarem na UGT, esse projeto impulsionado por Mário Soares e Sá Carneiro morre”

Secretário-geral da UGT não esconde a proximidade com Pedro Nuno Santos, até porque também é militante socialista, mas garante que “os partidos não têm influência na UGT”. Mário Mourão garante que “só em última instância” é que os fazem ir para a rua lutar.
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"Para nós é uma linha vermelha liberalizar os despedimentos, porque em Portugal não é esse o problema que impediu o crescimento durante anos”, aponta o secretário-geral da UGT como princípio para as negociações com o Governo da AD. Sobre os níveis remuneratórios em Portugal, “não queremos um país onde estaremos todos no salário mínimo”, diz Mário Mourão, para quem “é preciso fazer alguma coisa pelos trabalhadores que têm o salário médio. É preciso valorizar.” A UGT está também atenta aos jovens, assegura. “Hoje as novas gerações têm outros problemas que nós não tínhamos no passado.”

Não é grande adepto de mudar as leis laborais, mas o Governo tem mudanças previstas no programa e nos últimos dias o presidente da Confederação do Turismo já falou no assunto. Já falou com a ministra do Trabalho sobre este tema?
Não. Temos agendada uma reunião da CPCS [Comissão Permanente de Concertação Social] para o dia 7, às 15.00 horas, e aquilo que tenho ouvido são as várias manifestações e declarações feitas pela sra. ministra, que naturalmente não coincidem com aquilo que é a posição da UGT, mas lá estaremos disponíveis para ouvir.

O que é que vai levar a essa reunião com a ministra?
O que vou levar à reunião com a sra. ministra não pode deixar de ser aquilo que foram os compromissos assumidos no âmbito da CPCS. Celebrámos um acordo, quer de formação profissional, quer um acordo de médio prazo de salários, de competitividade e rendimentos. Acordo esse que foi reforçado no ano passado e, portanto, há um compromisso que foi assumido no âmbito da CPCS com todos os parceiros sociais, quer com o Governo, quer com as entidades patronais. Só não subscreveu esse compromisso um parceiro da parte dos trabalhadores, de resto foi subscrito por todos os trabalhadores. E, portanto, a primeira coisa que tenho de dizer é que há uma base de trabalho para discutir na CPCS. Não se pode, sempre que muda um Governo, esquecer o que está para trás. Há compromissos que se assumem. Esse acordo de rendimentos tem vindo a promover o maior aumento de salários mínimos dos últimos anos. Estabeleceu metas para aquilo que é a negociação coletiva nos referenciais mínimos da negociação coletiva. Todos reconhecemos que o nosso país é de salários baixos, mas o país de salários baixos que é Portugal não é só em tempo eleitoral, é uma realidade que temos. Julgo que é consensual, porque esse debate foi feito várias vezes na Concertação Social e, portanto, há que tomar decisões no sentido de reverter esta política de baixos salários que afetou Portugal e afetou os trabalhadores portugueses.

E quais é que são as linhas vermelhas da UGT?
Em relação a linhas vermelhas, ainda temos na legislação laboral matérias que foram introduzidas durante a troika. Já não temos troika há muito tempo e elas ainda lá continuam. Houve uma alteração da legislação laboral recentemente, há coisa de um ano, faz no 1.º de maio um ano, que ela está em vigor. É uma lei que não teve ainda o tempo suficiente para ver os impactos que tem. Aliás, há muitas das matérias da Agenda do Trabalho Digno que não estão regulamentadas e é preciso regulamentar. Portanto, o tempo de um ano é muito curto para ver aquilo que é o impacto que ela tem na legislação laboral. E dizer-se, desde já, que a UGT defende a estabilidade da legislação laboral, mesmo quando é desfavorável, porque quer os empresários, quer os trabalhadores não podem, sempre que há um Governo [novo], virem criar uma instabilidade naquilo que é a legislação laboral, que é importante para a economia. E está provado que não é a legislação laboral o impedimento para o crescimento económico. Houve essa alteração. O Governo não pode desvalorizar quem assumiu esses compromissos e quem os assume mesmo nos momentos mais difíceis. E, portanto, esperemos que nesta reunião de Concertação Social se abra este debate às discussões que tiverem de existir.

E, nesse sentido, no limite, a UGT irá ou não abandonar o acordo que assinou com o último Governo sobre a Agenda do Trabalho Digno se o Governo avançar com propostas...
Já ouvi declarações da sra. ministra a dizer que a precariedade resolve-se com a liberalização dos despedimentos. Se calhar, porque quem está precário, se for mais depressa despedido deixará de ser precário e passará a ser desempregado. Não concordo com isto de forma alguma. E, portanto, para nós é uma linha vermelha liberalizar aquilo que são os despedimentos, porque em Portugal não é esse o problema que impediu o crescimento durante anos. Fala-se muito na questão da produtividade. Deixe-me dizer que, por exemplo, dos setores mais produtivos que há - e fala-se na questão da EDP, na questão da banca que têm tido resultados astronómicos -, aquilo que tem sido a proposta de aumentos salariais é nos 2% ou 2,5%, recusando sequer fazer negociação. Portanto, se há um problema que é preciso resolver, e nós admitimos que há ainda empresas que têm baixa produtividade, mas também é preciso pôr na mesa claramente e estarmos disponíveis a discutir quais são as razões da baixa produtividade. Por que é que os portugueses são, quando estão fora noutras geografias, aqueles trabalhadores mais produtivos? Por que é que em Portugal não são? Provavelmente teremos um problema na organização dessas empresas. Portanto, ponha-se tudo na mesa. Porque a UGT também pretende que, de facto, haja produtividade, mas que depois dessa produtividade também haja o retorno para aqueles que contribuem para essa produtividade. E isto não tem acontecido. Aliás, num estudo que foi feito recentemente, a produtividade cresceu 18,7% e os salários cresceram 10,8%. Portanto, há aqui uma grande décalage  entre aquilo que é a produtividade e aquilo que é o retorno a quem produz. 

Uma das coisas que mudou mais nos últimos oito anos foi a questão do salário mínimo. Passou de 505 euros, em 2015, para 820 euros este ano. O salário médio, no entanto, não acompanhou esta subida. O que lhe pergunto é se é possível fazer mais e melhor no imediato, atendendo que na apresentação do programa económico da Aliança Democrática, Luís Montenegro tinha remetido para 2028 o objetivo de o Salário Mínimo Nacional chegar, pelo menos, aos 1000 euros e o Salário Médio em torno dos 1750 euros. Qual é a posição da UGT em relação a estes cenários?
Acho que há condições. Aliás, aquilo que são as perspetivas de crescimento económico até são superiores. Há aqueles indicadores que o anterior Governo tinha e, portanto, são boas notícias para melhorar, como fizemos com o reforço de médio prazo assinado no ano passado, em que o salário, no acordo inicial, era de 760 e foi possível passar para os 820 face àquilo que eram os indicadores positivos que existiam, e o Governo esteve disponível a sentar-se à mesa. Aliás, faz parte do acordo uma cláusula de salvaguarda que diz que sempre que necessário, por parte de cada um dos parceiros, pelos indicadores que vamos obtendo, por informação e por estudos, é possível ir mais longe. Agora é preciso também fazer esse trabalho no que diz respeito ao salário médio. Não queremos um país onde estaremos todos no salário mínimo. O salário médio tem muito a ver com a negociação coletiva e se não valorizarmos a negociação coletiva, vamos ter um problema no salário médio, que é a classe média, que só paga impostos, que não tem benefícios e, portanto, que não tem aqueles benefícios até nos hospitais porque estão acima daquilo que é o salário mínimo e dos valores que indicam a isenção dos trabalhadores. É preciso fazer alguma coisa pelos trabalhadores que têm o salário médio. É preciso valorizar. E não é o facto de alterarmos a legislação laboral que vai agora trazer de volta todos aqueles que estão no estrangeiro, nomeadamente os jovens, porque continuam a ser os mais afetados pela precariedade em Portugal. De facto, não é pela alteração da legislação que eles vão voltar para Portugal, porque eles querem também segurança, querem previsibilidade, querem um rendimento de acordo com aquilo que é as suas condições de vida, as necessidades de vida e de constituir família. Porque se não tiverem estas condições, não é pela alteração apenas da legislação laboral que eles vão regressar a Portugal. E, portanto, é preciso fazer alguma coisa e não me parece, com esta pressa de querermos rever a legislação laboral, que os jovens que queremos que voltem para Portugal, o talento, o conhecimento, sendo uma geração que é a mais qualificada que o país já teve alguma vez, é preciso que eles venham para Portugal, mas é preciso dar-lhes condições. Quer condições de trabalho, quer condições de salário, quer condições de trabalho digno. Portanto, se tudo isto não estiver conjugado, vamos perder mais uma oportunidade de poder fazer alguma coisa para que estes jovens talentos voltem para Portugal.

Há uma estratégia já definida sobre se a UGT vai ou não partir para a luta em função da nova realidade política e até de algumas condicionantes que são geradas pela conjuntura económica que está em perspetiva?
A UGT é constituída por socialistas e sociais-democratas. Tem democratas, tem democratas-cristãos e também tem independentes, e foi uma central que foi constituída para terminar com o pensamento único. E, portanto, criou-se a central, é uma central de diálogo, de proposição. Defendemos e vamos continuar a defender, independentemente do Governo que lá esteja. A UGT tem a sua resolução programática e foi aprovada em congresso por todos, por unanimidade e, portanto, é esta a nossa constituição e são estas as nossas reivindicações. Evitaremos ir para a rua, porque só em última instância é que nos fazem ir para a rua, mas a UGT privilegiará a negociação coletiva e o diálogo. Mas quando isto falha, só nos resta a rua e lá estaremos.

As novas precariedades, as novas escravaturas, as novas e velhas desigualdades, têm alguma resposta eficaz num sindicalismo do século XXI?
Acho que há um problema e nas reuniões tenho falado muito que temos um problema de comunicação com esta geração mais nova. O tipo de linguagem que se utilizava nos Anos 70, 80, não pode ser o mesmo tipo de linguagem, nem de comunicação, para as novas gerações. Hoje as novas gerações têm outros problemas que nós não tínhamos no passado ou que hoje já não existem e, portanto, temos de fazer todos um esforço para com os jovens. Por exemplo, a UGT tem tido stands  em todas as iniciativas de jovens, nas feiras também. Por exemplo, a UGT tem uma equipa que anda em algumas escolas a explicar o 25 de Abril e o 1º de Maio, que tem tido um bom acolhimento e isso tem feito com que mais pedidos tenham chegado à UGT para irmos falar sobre isso. E é pela escola também que temos de fazer esse trabalho. É que os estudantes muitas vezes não sabem o que é um sindicato e não conhecem o que foi o 25 de Abril.

Acha que a UGT se sente, nesta altura, com capacidade de influenciar as decisões do Governo da AD?
A UGT vai fazer o seu papel, como os outros parceiros naturalmente. A UGT vai tentar, e é através da negociação e do diálogo que tentamos também influenciar na questão daquilo que é as leis, mas não só com o Governo. A UGT vai mantendo ligações também com os grupos parlamentares com assento na Assembleia da República, porque é na Assembleia da República que se aprovam as leis, que se fazem as leis sobre o trabalho e, naturalmente, que a UGT vai continuar a fazer o que sempre fez, que é tentar influenciar também os partidos políticos naquilo que é a legislação do trabalho, para que a legislação tenha efeitos menos nefastos que aqueles que muitas vezes são as propostas iniciais que vêm à discussão.

E em relação ao PS, tem em Pedro Nuno Santos um aliado nas lutas da UGT?
Claro, o doutor Pedro Nuno Santos foi um dos dirigentes que visitou a UGT durante a campanha para se inteirar dos problemas relativamente às questões de trabalho. Claro que tenho uma relação com ele e tenho uma responsabilidade, até porque sou militante socialista - dentro do meu partido também procuro influenciar quando estão em causa as leis de trabalho. Influenciar no sentido daquilo que represento enquanto trabalhador e enquanto representante dos trabalhadores. E, portanto, não é a primeira vez que até temos desavenças e grandes discussões, porque antes de sermos militantes socialistas somos trabalhadores e, portanto, representamos sindicatos, representamos a Central Sindical e é para isso que lá estamos.

Significa isso que os partidos políticos têm influência naquilo que são os sindicatos associados à UGT e na própria direção da UGT?
Não, os partidos não têm influência porque nem os estatutos da UGT o permitem. Os partidos têm militantes e há militantes que pertencem à UGT, que é o meu caso. Agora, não têm influência na UGT, o que tem influência são as tendências. Como sabe a UGT teve de fazer um Congresso Extraordinário porque não tinha nos seus estatutos o direito de tendência, que é a lei que impõe. E foi feita as tendências, não havia nos estatutos isso, tivemos um tempo para fazer esse congresso no tempo de João Proença. São as tendências que cumprem. São as tendências que constituem os órgãos da UGT e há tendência socialista, há tendência social-democrata, há tendência democrata-cristã e, portanto, as tendências é que têm esse poder de influenciar dentro da UGT as políticas. Agora os partidos não, porque no dia em que os partidos entrarem na UGT esse projeto que foi impulsionado por Mário Soares e Sá Carneiro morre e, portanto, acho que isso não o devemos fazer. Nem ninguém tem o direito de pôr em causa esse projeto.

É útil, nos dias de hoje, discutir unidade de ações da UGT com a CGTP?
Claro, tem havido não unicidade, mas sim unidade na ação, e isso tem acontecido com sindicatos da UGT e da CGTP em alguns setores de atividade e isso vai continuar a existir, porque uma coisa é a UGT, outra coisa são os nossos sindicatos que, em cada um dos setores, têm de criar energias e sinergias para as lutas que são precisas fazer, às vezes, para desbloquear a negociação coletiva, e a UGT vai estar ao lado desses sindicatos. Mesmo na luta na rua, quando tivermos de estar com a CGTP, lá estaremos porque a CGTP não é um dos nossos inimigos.

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