Jonathan Kirsch começou por ter reuniões privadas no seu apartamento. Mas agora os encontros estão abertos a toda a gente.
Jonathan Kirsch começou por ter reuniões privadas no seu apartamento. Mas agora os encontros estão abertos a toda a gente.Roshni Khatri / The New York Times

Podem os cafés climáticos ajudar a aliviar a ansiedade da crise planetária?

Estão a surgir cada vez mais nos Estados Unidos estabelecimentos que permitem às pessoas com preocupações relativas às alterações do clima falarem sobre as suas emoções.
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Numa pequena sala na Baixa de Manhattan, um grupo de oito nova-iorquinos sentava-se em círculo, partilhando kombucha e os seus receios em relação ao clima, tendo como pano de fundo a chuva e as sirenes.
Em Champaign, no Illinois, um psicoterapeuta que organizava uma reunião com outros terapeutas ergueu um ramo de virgáurea ou vara-de-ouro pedindo à meia dúzia de participantes online  que considerassem a sua ligação à natureza.

E em Kansas City, no Missouri, uma organização sem fins lucrativos que organiza um debate semanal no Zoom, começava a sessão com uma leitura espiritual e uma meditação guiada, antes de se dividir em grupos para discutir tópicos como a ética da maternidade no meio de uma população global em rápido crescimento e preocupações com a escassez de recursos.

Todos são exemplos de um novo movimento de base chamado “cafés climáticos”. Estes grupos, presenciais e online, são locais onde as pessoas discutem a sua dor, os seus medos, a sua ansiedade e outras emoções relacionadas com a crise climática.

Estão a surgir em cidades dos Estados Unidos - incluindo Los Angeles, Seattle e Boston -, mas também em todo o mundo. Não se sabe ao certo quantos existem, mas Rebecca Nestor, da Aliança para a Psicologia do Clima, uma organização sem fins lucrativos, disse que o número destes cafés aumentou muito nos últimos três anos. A Aliança para a Psicologia do Clima norte-americana formou cerca de 350 pessoas para dirigir cafés climáticos nos EUA e no Canadá e inclui 300 médicos no seu diretório de terapeutas sensibilizados para o clima.

A aliança analisa a forma como a saúde mental é afetada pelos ecossistemas - condições meteorológicas extremas e catástrofes, ar e água contaminados - e como isso se cruza com outras forças, como o racismo e a desigualdade de rendimentos. Os psicólogos afirmam que estes grupos ajudam as pessoas a enfrentar as realidades inquietantes da crise climática.

Rebecca Nestor organizou pela primeira vez um café climático em Oxford, na Grã-Bretanha, em 2018. Segundo ela, a ideia foi “trabalhada” a partir do café da morte, um conceito criado por um sociólogo suíço, através do qual as pessoas se reúnem para falar abertamente sobre a morte, a fim de melhor apreciarem as suas vidas.

Muitos dos cafés climáticos são gratuitos e abertos ao público, mas alguns foram criados especialmente para bibliotecários, terapeutas e outros profissionais.

“Não posso continuar a acreditar na narrativa de que não há escolha na forma como isto acaba”

Desde junho de 2023, Olivia Ferraro, 24 anos, que trabalha no setor financeiro, organizou mais de 20 cafés climáticos íntimos em Nova Iorque, com cinco a 20 participantes. Também treinou online pessoas de toda a parte dos Estados Unidos e do mundo - Porto Rico, Vancouver, Inglaterra e Austrália - que desejam criar essas reuniões nas suas próprias comunidades.

Numa noite de janeiro, chuvosa e inusitadamente quente - a temperatura era de 51 graus e a máxima de 56 graus - Ferraro preparou-se para a sua reunião. Acendeu a sua vela de aroma Fern+Moss (Feto+Musgo) da Brooklyn Candle Co., que escolhe para todas as reuniões, e ligou as melodias calmas de Khruangbin.

Dispôs 10 cadeiras num círculo junto a uma parede de tijolo, colocou uvas, água com gás, lascas de banana frita e outros snacks  numa mesa e trouxe copos reutilizáveis do casamento da mãe, em 2016.

Lentamente, foram chegando pessoas de todas as partes da cidade. O público era maioritariamente jovem, com alguns adultos mais velhos à mistura. Todos vinham um café climático pela primeira vez.

Depois de alguma conversa de circunstância, Ferraro partilhou as regras da noite e explicou que o objetivo não era substituir os cuidados clínicos.
Os participantes, ao longo de uma hora, descreveram a sua preocupação com os seus filhos vindouros e com as gerações futuras em geral.

Descreveram sentir-se sobrecarregados, não só pelas alterações climáticas, mas também pelo clima político. Descreveram oscilar entre o sentimento de desespero e o de empoderamento em relação ao futuro do planeta.

Por vezes, os comentários eram interrompidos por longas pausas, enquanto os participantes absorviam o que tinha sido dito, olhando simplesmente uns para os outros ou para os seus colos.

“Não posso continuar a acreditar na narrativa de que não há escolha na forma como isto acaba e que as grandes empresas têm controlo total sobre o meu futuro”, explicou Sheila McMenamin, 32 anos, que vive em Brooklyn.
“Eles não têm o controlo total e eu recuso-me a ceder esse controlo”, disse ela, enquanto outros participantes concordavam.

Uma mulher negra chorou, dizendo que era difícil saber que as pessoas de cor seriam desproporcionalmente afetadas pelas alterações climáticas, mas que muitas não tinham tempo para participar em grupos como este.

“Estou furiosa com o facto de não haver mais pessoas de cor nestas salas”, disse a mulher, Syrah Scott, uma mãe na casa dos 40 anos que vive em Queens. Segundo ela, muitas pessoas de cor estavam concentradas apenas na sobrevivência. “Não têm dinheiro para se preocuparem com estas coisas”, disse.

“Tenho dificuldade em desfrutar do ar livre”

O café online  sobre o clima para terapeutas no Illinois começou com Kate Maurer a esfregar na mão um talo seco de vara-de-ouro, ou virgáurea, que tinha colhido do seu quintal. A planta ligava-a à crise climática, disse ela, porque era uma das muitas flores nativas do Illinois que tinha plantado num esforço para restaurar o ambiente natural.

Mas estar no seu jardim começou a espoletar emoções complexas, disse ela. Embora a natureza sempre lhe tivesse dado consolo, agora também a deixava triste. “Tenho dificuldade em desfrutar da vida ao ar livre por causa das constantes recordações” da degradação ambiental, disse.

Esse paradoxo fez Lauren Bondy, uma participante do café, lembrar-se da neve fresca daquela manhã e de um rinoceronte negro. Bondy e o seu filho, na altura com 19 anos, tinham visto um dos últimos exemplares desta espécie em perigo de extinção durante umas férias na Tanzânia, há alguns anos.

“Apreciar a sua beleza, mas também a raridade e a perda”, disse Bondy, terapeuta na Costa Norte de Chicago. “Estamos a guardar tudo.”

Não se tratava de psicoterapia, disseram os facilitadores do café climático, mas sim de catarse de grupo.

Colleen Aziz, uma terapeuta que dirige um consultório virtual em Illinois, disse que sentia a responsabilidade de trazer a sua formação profissional, mas que poucos pacientes traziam preocupações climáticas para as suas sessões. “É realmente maravilhoso encontrar clientes que são suficientemente estáveis para estarem prontos e capazes de olhar diretamente para o clima”, disse Aziz depois do café, “mas isso geralmente equivale a privilégio”.

“É uma luta intergeracional”

Outros grupos centram-se mais na ação. Na mesma altura em que surgiu o grupo de Ferraro, Jonathan Kirsch, 32 anos, que exerce Direito e vive em Nova Iorque, fundou o seu café climático em novembro de 2022. O seu grupo começou por ser uma reunião privada e informal no seu apartamento, mas agora está aberto ao público e mais concentrado em traduzir os sentimentos em ação.

Num outro dia chuvoso de janeiro, mais de 30 pessoas entraram no apartamento de Kirsch, em Brooklyn, para um café climático. A campainha tocava quase ininterruptamente enquanto as pessoas subiam as escadas do apartamento, despiam os casacos molhados e empilhavam os guarda-chuvas.

Muitos dos participantes na reunião trabalhavam em áreas relacionadas com o clima, incluindo um homem que fazia parte do Extinction Rebellion, o grupo que perturbou o Open dos EUA e a Met Opera numa tentativa de lançar mais luz sobre a crise climática.

Os participantes dividiram-se em pequenos grupos. Embora estivessem frustrados com as políticas locais, estaduais e nacionais, sentiam-se esperançosos. Estavam cheios de ideias sobre como canalizar a sua energia: compostagem, jardinagem e propagação; trocas de roupa e círculos de reparações; pressão sobre determinada legislação; adesão a clubes de livros e grupos de escrita; e até mesmo voltar à escola para melhorar a sua educação.

“A verdade é que, como esta é uma luta tão longa, é uma luta intergeracional”, disse um participante ao grande grupo, depois de os grupos de discussão mais pequenos terem voltado a reunir-se, “temos de vir com uma mentalidade resiliente em que estamos prontos para perder muitas batalhas e saber que a nossa presente luta maior valerá a pena.”

Os cafés climáticos funcionam?

Reunir-se para partilhar as preocupações sobre o clima não é novidade. Os ativistas ambientais organizam reuniões desde a década de 1970 para discutir a forma de responder às ameaças climáticas. As comunidades nativas americanas há muito que se reúnem para lamentar a perda de terras, segundo Sherrie Bedonie, assistente social e cofundadora do Coletivo de Aconselhamento e Cura Nativo-Americano.

Mas parece que a prática está a tornar-se mais comum. O ano passado foi o mais quente alguma vez registado e prevê-se que 2024 seja mais quente ainda. O Canadá foi devastado por incêndios destrutivos em 2023 devido ao calor, secas e vento extremo alimentadas pelas alterações climáticas, e o fumo desses incêndios trouxe condições nebulosas para Nova Iorque e outras regiões. As alterações climáticas parecem já ter contribuído para a diminuição da neve neste inverno.

Os participantes afirmaram que o facto de se reunirem para falar abertamente sobre os seus receios proporciona uma espécie de leveza.
Sami Aaron, 71 anos, programadora de software  reformada, fundou o Resilient Activist em Kansas City depois de o seu filho, um ativista do clima e aluno de uma pós-graduação em Estudos Urbanos na Universidade da Califórnia, em Berkeley, ter morrido por suicídio, invocando sentimentos de desespero face às alterações climáticas.

Os cafés do seu grupo tentam incutir esperança, disse ela.

“O pavor e a falta de esperança estão a ser exilados em todos nós e é por isso que não falamos sobre isso, porque é demasiado doloroso”, disse Bondy. “Se não conseguirmos curar o que estamos a sentir”, acrescentou, “também não conseguiremos curar o nosso planeta”.


Este artigo foi publicado originariamente no jornal  The New York Times

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