A PSP tem de ter uma autoridade que vá para lá do bastão
As imagens, transmitidas ontem pela SIC Notícias, dão que pensar. Um cidadão que circulava no seu carro foi parado pela polícia. Tendo saído do veículo, entrou numa discussão com os três agentes, que se apresentavam devidamente equipados com capacetes e pelo menos uma shotgun apontada ao peito do cidadão. Este, provavelmente com medo de acabar como o falecido Odair Moniz, tirou o casaco e levantou a camisa para demonstrar que estava desarmado. No vídeo não se consegue perceber o que está a ser dito, mas a atmosfera de tensão é percetível através da linguagem corporal dos envolvidos. O homem, manifestamente revoltado, levantava a camisa, deixando ver a barriga despida, para mostrar aos polícias - armados até aos dentes - que não precisavam de o encarar como uma ameaça. Até que, após uma breve troca de palavras, dois dos agentes o manietaram, forçaram a deitar-se no chão - com o joelho de um deles sobre as costas - e o algemaram. Minutos depois, outra patrulha da PSP chegou ao local, identificou o cidadão em causa e libertou-o. No dia seguinte, numa discussão sobre este vídeo entre Paulo Baldaia e Maria João Marques, no mesmo canal, o antigo diretor do DN afirmou algo que deveria ser evidente para todos: o uso da força por parte da polícia deve ser proporcional e justificado. Sim, a lei permite que um agente da PSP obrigue alguém a deitar-se no chão, mas apenas nos casos em que exista um risco significativo ou uma ameaça à segurança. É certo que o contexto também conta e que os polícias estavam nervosos porque se encontravam em terreno hostil. Provavelmente serão jovens (tal como o autor dos disparos que mataram Odair), que eventualmente não tiveram a formação que deveriam ter recebido e que não têm o acompanhamento de agentes mais experientes. E não sabemos o que foi dito na troca de palavras, pelo que devemos ser cautelosos. Mas questiono: um homem desarmado, de mãos no ar e barriga à mostra, é uma ameaça séria à segurança de três polícias armados?
Este foi, de resto, mais um capítulo de uma série de acontecimentos que minaram a credibilidade da PSP nos últimos dias. Para além do facto de um agente ter morto a tiro um homem aparentemente desarmado, em circunstâncias que estão a ser investigadas, houve um comunicado inicial da PSP que afinal não correspondia à verdade, porque Odair Moniz não terá atacado os agentes com uma arma branca. E depois houve situações como a incompreensível “visita” de um grupo de agentes, a meio da noite, de rosto tapado e sem identificação visível, à família da vítima, interrompendo o seu luto, tal como comprovam as imagens gravadas por uma equipa de reportagem do canal Record TV. O que foram fazer os agentes da PSP à casa da família enlutada naquela noite? Até porque não eram aquelas pessoas, na sua maioria mulheres e crianças, que estavam a incendiar autocarros nas ruas ou a atirar pedras à polícia. Sem falar da alegada invasão com o arrombamento da porta que, segundo a família de Odair, terá ocorrido antes dessa visita e que a PSP desmente.
Os atos de violência a que temos assistido esta semana em vários locais da Grande Lisboa não são aceitáveis nem legítimos. Em democracia, quem recorre à violência perde de imediato qualquer razão que pudesse eventualmente ter. Mas precisamos de uma PSP credível e com uma autoridade que vá além da que decorre do uso da força. A PSP não pode entrar nos bairros “sensíveis” como se fosse uma força de ocupação que trata todos os moradores como potenciais inimigos. Como dizia o sociólogo Nelson Lourenço, na entrevista que pode ler na edição de ontem do DN, é “fundamental que os cidadãos considerem legítima a ação da polícia”. Quando a situação acalmar, é necessário olhar para o que falhou e corrigir os problemas que existem na PSP.
Diretor do Diário de Notícias