EUA, China, dissociação e o mexilhão

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À medida que os anos passam, apercebemo-nos de que a dissociação não ocorre(rá) em todas as áreas ao mesmo tempo; tende a ocorrer de forma fragmentada e setorial. Começou com a guerra tarifária iniciada em 2018 pelos EUA. Progrediu para a dissociação [no acesso a alta] tecnologia, passando pela dificultação de fluxos de capitais; e com uma perninha nos metais críticos.

Todavia, a ascensão da China é inevitável. Mesmo com as atuais dificuldades de ajustamento (sobretudo no setor imobiliário) por que passa, a economia chinesa cresce a 5% / ano. A sua capacidade industrial tem sido diminuída com a deslocalização de inúmeras empresas para o exterior (devido ao aumento dos custos domésticos e como reação preventiva ao inverno demográfico que se aproxima), mas continua formidável, com um setor exportador que se tornou a locomotiva do desenvolvimento chinês.

Apesar da progressiva intromissão do PCC no setor empresarial privado (80% do total), as empresas continuam a ser competitivas e inovadoras, num enquadramento regulatório de capitalismo [ainda] bastante liberal articulado com a sujeição às políticas públicas definidas pelo Estado-Partido. Não obstante, da criação recorde de direitos de propriedade intelectual à produção de bens de capital relevantes (automóveis, aviões, equipamento industrial avançado), incluindo a produção de equipamento militar, a China nunca esteve tão forte.

Por outro lado, a influência chinesa à escala global continua a aumentar, sobretudo nos países em desenvolvimento. E o comércio externo entre os EUA e a China não para de crescer, apesar de reiterados atos políticos das autoridades americanas visando implementar o decoupling.

Além disso, à escala global, os fluxos mundiais de bens e capitais estabilizaram desde a crise financeira mundial, confirmando que a globalização e o multilateralismo criaram uma enorme interdependência entre as economias dos principais blocos económicos.

Porém, quais seriam os efeitos económicos de uma forte dissociação entre os EUA e a China? O FMI já alertou para os perigos de destruição de riqueza que tal geraria, estimando que enormes restrições ao comércio internacional poderiam reduzir c. 7% do PIB global no longo prazo, uma perda equivalente a US$ 7,4 biliões.

E quem serão os principais lesados se uma forte dissociação ocorrer? O FMI prevê que as economias em desenvolvimento sejam as mais atingidas, se Washington e Pequim cortarem os laços económicos. Não todas (algumas até estão a beneficiar dos efeitos da dissociação), mas a generalidade dos países em desenvolvimento - a componente mais frágil do sistema económico internacional - está destinada a ser o proverbial mexilhão de quando a água bate na rocha.

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