Cavaco abala estratégia do Governo ao desvalorizar chumbo do Orçamento
Depois de o primeiro-ministro Luís Montenegro ter dito que preferia ir-se embora em vez de “fazer o contrário daquilo que nos comprometemos perante os portugueses e daquilo em que acreditamos”, referindo-se às negociações necessárias para a aprovação do Orçamento do Estado para 2025, levando o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, a abrir a porta à sua viabilização, desde que os socialistas “não sejam ignorados”, Cavaco Silva baralhou a estratégia do Governo, ao desvalorizar um eventual chumbo, dizendo que “não há nenhum drama se não for aprovado”.
Numa entrevista ao Observador, na qual procurou esclarecer o artigo que escrevera há duas semanas para o Expresso, o antigo primeiro-ministro e Presidente da República disse, acerca do Orçamento do Estado, que “não há nenhum drama se não for aprovado”. Mesmo admitindo ser “muito provável” que o documento que vier a ser apresentado pelo Governo encontre votos favoráveis e abstenções suficientes, Cavaco Silva defendeu que “não aprovar orçamentos é banal nalguns países da Europa”, acrescentando que “ninguém morreu” em Espanha quando o país foi governado por duodécimos ao longo de dois anos.
Entre as interpretações dos sociais-democratas a essa tese de Cavaco Silva, que também disse ao Observador ser contrário a novas eleições antecipadas - consequência mais provável da eventual demissão de Luís Montenegro -, não falta quem veja o líder histórico do PSD “a descolar” do primeiro-ministro, de quem no último congresso do partido, a 25 de novembro, semanas depois da demissão de António Costa levar às eleições legislativas antecipadas que deram uma vitória, distante da maioria absoluta, à Aliança Democrática. “Não me parece estar nada articulado com Montenegro”, comentou ao DN um conselheiro nacional, crente de que Marcelo Rebelo de Sousa, que dissolveu a Assembleia da República por duas vezes - a primeira das quais na sequência do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade - não permitiria um cenário prolongado de governação por duodécimos.
Para outro social-democrata ouvido pelo DN, a entrevista de Cavaco Silva demonstra, além da constatação de que, “afinal, não é nada bom ir para eleições antecipadas” - algo que também é encarado como uma vontade de condicionar Marcelo -, que o antigo Presidente da República está conformado com a falta de reformas, devido à ausência de maioria absoluta na Assembleia da República, porque “não chega para muita coisa, mas pelo menos não é a política do PS”. No entanto, entre outros membros do partido persiste um mal-estar, resumido pelo antigo ministro Ângelo Correia, face ao “imbróglio político” que tem marcado o arranque de legislatura: “Tudo permanece estável, com a condição de que o dolce far niente se mantenha.”
IRC e IRS Jovem “desviados”
Também nesta quarta-feira, numa audição na Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Administração Pública, o ministro das Finanças, Miranda Sarmento, disse que algumas das medidas de política fiscal do Governo mais criticadas pelo PS serão “desviadas” do Orçamento do Estado para 2025. Em causa está a descida do IRC, que tal como o IRS Jovem será aprovada mediante um pedido de autorização legislativa.
“O IRS Jovem já deu entrada no Parlamento e o IRC terá a mesma formulação. Nenhuma das outras medidas fiscais estarão no articulado da lei do Orçamento do Estado”, disse Miranda Sarmento, garantindo aos deputados que tais medidas, tal como a isenção de IMT e o programa de emergência para a saúde “são compagináveis com o cenário macroeconómico”.
Numa reação ao pacote económico apresentado pelo Governo na semana passada, a líder parlamentar socialista Alexandra Leitão rotulara a descida do IRC de “profundamente injusta” e sem “nenhuma eficácia”. E acrescentara que, tal como o IRS Jovem, vem “beneficiar aqueles que menos precisam”.
Por seu lado, Miranda Sarmento advertiu que o chumbo da proposta orçamental do Governo “só pode ser muito prejudicial para o país, pela instabilidade que traz e pelos impactos na execução do Plano de Recuperação e Resiliência”, prevendo excedentes orçamentais em torno de 0,2% ou 0,3% do PIB ao longo dos próximos quatro anos, com a economia a crescer acima de 2% em 2024 e 2025.