Se a estupidez matasse... Só que mata (a democracia)
Foi o humorista e comentador político Stephen Colbert, no seu The Late Show que um dia afirmou: “Os democratas não sabem ganhar eleições.” Era então Donald Trump presidente - e o material humorístico vindo da Casa Branca era tanto que o talk show noturno da CBS estava num dos seus momentos mais altos - e o apresentador, ele próprio um assumido democrata, fazia o comentário referindo-se à capacidade, aparentemente ilimitada, de o Partido Democrata dar tiros nos pés na tentativa de conquista de eleitorado. O debate entre Trump e Joe Biden na semana passada é mais um episódio deste fenómeno.
A performance do atual inquilino da mais famosa moradia da Pennsylvania Avenue, em Washington, DC, foi um desastre a todos os níveis, como tiveram de admitir até aqueles que o apoiam. Fossem as pessoas que rodeiam Biden minimamente pragmáticas, estariam desde então a fazer tudo para que ele desistisse, dando aos democratas um qualquer semblante de hipótese de vitória - avançando um(a) candidato(a)-surpresa capaz de arrastar eleitores indecisos dos dois lados do espetro político. Isto perante um adversário que, lembre-se, já vinha como favorito. Mas a teimosia, que na maioria das vezes é sinónimo de estupidez, é algo que se encontra normalmente de mãos dadas com a ideologia e concretiza quase sempre uma receita perdedora - com vítimas colaterais muitas vezes imprevisíveis.
Na noite do debate, além de mal se ter percebido o que Biden disse, tão em baixo estavam as suas capacidades de articulação (e cognitivas?), o pouco que se entendeu não conquistou, seguramente, um único eleitor fora do seu “núcleo duro”. Aliás, da forma como discursou, só assustou os convertidos, incluindo muitos dos doadores de campanha que, ainda a emissão estava no ar, segundo a reportagem da revista Time, já inundavam a sede com telefonemas a perguntar o que se passava...
Os democratas americanos (como a maioria da esquerda moderada hoje em dia na Europa) teimam em não querer compreender que, para conquistar eleitorado, precisam apresentar soluções inovadoras e, acima de tudo, competentes. A conversa de “os multimilionários que paguem a sua justa parte em impostos” (das poucas coisas que se percebeu que Biden disse) já chateia, e muito, particularmente nos EUA em que, por um lado, a enorme classe média e média alta sonha - legitimamente - chegar ao estatuto milionário.
Isto num país em que, de acordo com uma sondagem Gallup deste fim de semana, em média, os trabalhadores se reformam aos 61 anos...
Aos 61 anos. E por decisão própria, sem contribuições obrigatórias para a Segurança Social e TSU e outras “medidas sociais”. O número é uma média (era 59 em 2002), visto que a decisão é individual: há pessoas que não se reformam, simplesmente; outras decidem retirar-se do mercado de trabalho muito mais cedo, porque fizeram por isso. Claro que, como país de enormes disparidades que é, há outras pessoas que nunca saem de uma pobreza extrema, cujo dia a dia são os cupões de alimentação da Segurança Social.
Simultaneamente, apesar de não terem um Sistema de Saúde universal, o número de pessoas centenárias está a subir como nunca no país.
Outro dado relevante: no primeiro trimestre do ano, o PIB dos EUA cresceu 1,4%, o que foi acima do esperado, apesar de a inflação homóloga estar acima dos 3%, no que é interpretado como um sinal de uma louvável capacidade de resiliência da economia americana.
E é este o maior ponto, como sempre, das eleições de novembro: os eleitores que verdadeiramente resolvem as eleições, os dos chamados swing states, que tanto podem votar mais à esquerda como mais à direita, fá-lo-ão naquele candidato que se apresentar mais amigo dos seus interesses.
Trump é o costume: mentiroso, contraditório, exagerado, hiperbólico, mas diz uma coisa (que seguramente fará...) que só mesmo a esquerda mais radical não quer ouvir - vai baixar impostos, danem-se as consequências. Faça ele o que fizer, seja condenado pelo que for, Trump será sempre o candidato interpretado pelo americano “médio” como o mais business friendly - e isso já é quase meia-eleição ganha.
Biden venceu as eleições anteriores, essencialmente, por duas razões: era o “tipo decente”; e não era Trump. Mas estes últimos quatro anos revelaram um mandato fraco, com momentos enxovalhantes - como a incompetente (e mortífera) retirada do Afeganistão -, tudo trunfos para o adversário.
Além disso, houve uma péssima gestão da questão da imigração ilegal ou indocumentada, um dossiê que foi entregue à vice Kamala Harris e foi tratado de forma tão inábil que apenas serviu para queimar qualquer futuro político da antiga procuradora da Califórnia.
Mesmo as coisas boas que a atual Administração tem para mostrar (como a iniciativa governamental que permitiu terminar com a dependência americana no mercado dos microchips, por exemplo, ou a referida capacidade de resistência da economia perante adversidades, com o desemprego nos 3,9%), Biden é nitidamente incapaz de as explicar ou salientar.
Daí ser uma estupidez os democratas insistirem nesta figura e não arranjarem alguém com ideias novas, que prometa fazer a ponte entre os dois lados da barricada no Congresso.
Citando um outro humorista, o britânico Ricky Gervais: “Ser estúpido é como estar morto, só provoca dor nos outros.” Para piorar, no caso de Biden e na sua teimosia de concorrer a estas Presidenciais, a dor será sentida em todo o mundo democrático.
Editor do Diário de Notícias