Ameaça de Trump às renováveis pode ser oportunidade para a Europa
A vitória de Donald Trump ladeou o setor das energias renováveis de incerteza. O anúncio da eleição do republicano como novo presidente dos Estados Unidos, que pretende cortar no investimento verde, fez tremer esta fileira energética durante o dia de ontem com várias empresas a serem penalizadas nos mercados.
Os próximos tempos serão de instabilidade para as organizações que operam em território norte-americano, mas o cenário poderá soprar a favor dos países do outro lado do Atlântico. “É possível que exista uma migração de empresas que estavam a pensar em investir neste setor dos Estados Unidos para a Europa e, naturalmente, para Portugal também”, antecipa ao DN Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN).
Para o responsável a eventual instabilidade das futuras políticas republicanas poderá traduzir-se numa “oportunidade” para a Europa. “Não podemos continuar à espera de não ter soberania energética e de não controlar os preços da nossa própria energia. Esta é uma mensagem que os líderes dos Estados-Membros da União Europeia têm de incorporar. Aquilo que estavam a pensar em fazer a uma determinada velocidade, terá de ser feito mais rápido”, refere.
Pedro Amaral Jorge acredita que as intenções já anunciadas pelo novo presidente dos Estados Unidos podem ter impactos negativos.
Em causa está a promessa do magnata de colocar travão aos subsídios climáticos lançados em 2022 pelo democrata Joe Biden, no âmbito do Inflation Reduction Act (IRA). A lei, considerada a mais significativa em matéria de energia limpa e alterações climáticas na história do país, destina 400 mil milhões de dólares de financiamento para programas de investimento relacionados com energia limpa, mitigação e resiliência climática e agricultura e conservação.
Por outro lado, Trump quer apostar num aumento produtivo das energias fósseis, como o petróleo e o gás natural. “A visão deTrump baseia-se em estimular a economia, sendo que, a forma mais fácil de o fazer é recorrendo às energias fósseis. Neste momento, as energias renováveis têm níveis de produção inferiores. Por outro lado, os Estados Unidos são, nesta altura, o país com a maior produção de petróleo do mundo e, consequentemente, o aumento do consumo mundial será benéfico para o país”, enquadra Vítor Madeira. O analista da XTB assume que será difícil para as empresas do setor avançar com novos projetos uma vez que este não será o foco de do presidente eleito.
EDP Renováveis em mínimos de 2020
As nuvens cinzentas no horizonte que pairam sobre a governação de Trump nesta matéria atiraram ontem as empresas ligadas às energias renováveis para um dia penoso de quedas nas bolsas. As ações da First Solar, a maior produtora de painéis solares dos Estados Unidos, chegaram a derrapar mais de 20%. O dia nos mercados não foi melhor para a EDP Renováveis que atingiu mínimos de 2020 e viu as ações cair 12% - já a EDP recuou 7%.
A empresa, que também opera nos Estados Unidos, anunciou ainda ao início da manhã um recuo homólogo de 53% nos lucros dos primeiros nove meses do ano, que atingiram os 210 milhões de euros. O CEO, Miguel Stilwell de Andrade, referiu, no mesmo dia, estar confiante no crescimento da operação no mercado norte-americano, assumindo que a postura a curto prazo será de “cautela”, partilhou numa chamada com analistas, avançaram o Eco e o Jornal de Negócios.
O CEO da Optimize, sociedade gestora de investimento coletivo, acredita que o maior desafio da EDP Renováveis , e de outras empresas do setor, será a rentabilidade. “Ao retirar incentivos às energias renováveis há projetos que não serão tão rentáveis. A expansão que estava prevista e a rotação de ativos será feita de uma forma diferente. Se a rentabilidade for reduzida também haverá menos interessados em comprar os portefólios da EDP Renováveis”, explica Pedro Lino.
Já Pedro Amaral Jorge perspetiva que a empresa poderá ser impactada, mas não acredita num cenário pessimista. “Se efetivamente as medidas que o novo presidente tomar forem de total bloqueio às renováveis, a velocidade dos planos pode vir a sofrer num futuro. Mas no que se refere aos projetos já existentes não há motivo para pensar que esta eleição vá retirar valor à empresa, não faz qualquer sentido”, defende. Sobre o IRA, o presidente da APREN sustenta que embora Trump possa vir a cessar os apoios terá de honrar os contratos já assinados, sob pena de incorrer em processos legais.
Já o economista e presidente da Informação de Mercados Financeiros (IMF), Filipe Garcia, acredita ser ainda prematuro avançar com uma análise sobre o futuro e considera que está ainda tudo em aberto sobre as futuras políticas para o setor nos Estados Unidos. “Não nos esqueçamos que as decisões nos Estados Unidos também são tomadas pelos governos estaduais. Não é por acaso que uma parte muito substancial dos projetos de energia solar estão na Califórnia, que tem uma predominância de governação democrática. É prematuro tirar grandes ilações para já”, diz.