Urgências. Tempo médio de espera dos doentes encaminhados pela Linha SNS 24 é superior ao dos restantes
Artur Machado / Global Imagens

Urgências. Tempo médio de espera dos doentes encaminhados pela Linha SNS 24 é superior ao dos restantes

Entidade Reguladora emite alertas de supervisão após estudo concluir que maioria dos Serviços de Urgência hospitalar não cumpre prioridade devida aos doentes referenciados pela Linha SNS 24. Isenção de taxa moderadora também não foi respeitada em 4% dos casos
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A obtenção de prioridade face a outros utentes com o mesmo grau de prioridade clínica, em contexto de atendimento nas Urgências hospitalares do SNS, é uma das vantagens associadas -  e estipuladas por lei - à utilização da linha de apoio SNS24. No entanto, um estudo divulgado esta quinta-feira pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), e a que o DN teve acesso, denuncia que, na realidade, a maioria dos hospitais não cumpre com essa obrigação e os doentes encaminhados pela Linha SNS24 acabaram por ter, no período analisado (1 de janeiro a 31 de dezembro de 2022), um tempo médio de espera para atendimento superior ao dos restantes utentes no mesmo contexto.

Além disso, a ERS detetou ainda que, entre 2021 e 2022, em 4% dos casos, também não foi respeitada a isenção de pagamento de taxas moderadoras, que é outro dos direitos legais atribuídos aos utentes encaminhados para as Urgências através da linha de apoio do SNS.

A conclusão do estudo motivou mesmo a ERS a emitir um Alerta de Supervisão “a todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde do setor público”, reforçando o dever destes em “cumprir o Despacho n.º 4835-A/2016, de 8 de abril, dando prioridade ao atendimento dos utentes que sejam referenciados através dos Cuidados de Saúde Primários ou do Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (Linha SNS24)”.

O alerta de supervisão emitido pelo Regulador da Saúde reforça também, num segundo ponto, que “nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 113/2011, de 29 de novembro, na sua atual redação, as instituições hospitalares integradas no SNS deverão garantir que a cobrança de taxas moderadoras é dispensada no atendimento em Serviço de Urgência nas situações em que há referenciação prévia pelo SNS, encontrando-se aí incluída a referenciação prévia efetuada pela Linha SNS24.”

As conclusões relativas ao tempo de espera para atendimento resultaram da análise aos episódios de Urgência entre 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2022 e consideraram três prioridades clínicas - urgente, pouco urgente e não-urgente -, esclarece a ERS. “Considerando as prioridades clínicas em estudo, constatou-se que o tempo médio de espera dos utentes previamente referenciados pela Linha SNS24, dentro da mesma prioridade clínica, foi superior ao tempo médio de espera dos utentes sem referenciação por essa Linha”, lê-se no relatório final. 

Isto apesar de, segundo a ERS, 35 dos 40 pontos da rede de urgência/emergência hospitalar do SNS possuírem “automaticamente implementada, no sistema informático, a identificação dos utentes referenciados pela Linha SNS24 (a par dos utentes referenciados pelos Cuidados de Saúde Primários) e três outras entidades terem implementado procedimentos internos a este respeito”.

A análise não incluiu os episódios classificados como emergentes (pulseira vermelha) e muito urgentes (pulseira laranja), uma vez que o objetivo primordial do funcionamento da Linha SNS24 será o de “evitar o recurso às Urgências hospitalares em situações que devem ser objeto de avaliação pela equipa de saúde nos cuidados de saúde primários, desincentivando os utentes a dirigirem-se aos SU em situações de menor gravidade”. E as conclusões do estudo notam que, “apesar do tempo médio de espera ter sido superior para os utentes encaminhados pela Linha SNS 24, a diferença no tempo médio de espera é menor à medida que a prioridade clínica aumenta”.

Assim, o estudo da ERS mostra que, durante o ano de 2022, o tempo médio de espera de atendimento nas Urgências hospitalares por parte de doentes “não-urgentes” encaminhados pela Linha SNS24 foi de cerca de 1.30 horas, enquanto os casos “não-urgentes” sem referenciação prévia esperaram em média cerca de 1 hora e 12 minutos. Já o tempo médio de espera dos doentes “pouco urgentes” referenciados pela linha telefónica de apoio foi de 56 minutos, enquanto os outros utentes “pouco urgentes” aguardaram em média cerca de 47 minutos. Por fim, entre os casos de utentes com prioridade clínica de “urgente”, aqueles encaminhados pela Linha SNS24 tiveram um tempo médio de espera de cerca de 40 minutos, enquanto os restantes apenas cerca de 36 minutos.

De acordo com os dados pormenorizados da ERS em relação a cada um dos 28 hospitais analisados, só três deles cumpriram, em 2022, a obrigação de dar prioridade aos utentes encaminhados pela linha de apoio em todas as três categorias de prioridade clínica em estudo (urgente, pouco urgente e não-urgente): o Centro Hospitalar Universitário do Algarve, o Centro Hospitalar do Tâmega e Alto Douro e o Hospital de Santarém. 

Já no que diz respeito à cobrança indevida de taxas moderadoras a utentes encaminhados pela Linha SNS24, foram identificados 23 845 episódios, correspondentes a 4% dos casos referenciados pela Linha SNS24, em 2021 e 2022.

Falta de atendimento nos Centros de Saúde domina lista de reclamações

A análise dos tempos de espera nos Serviços de Urgência hospitalar é apenas um dos pontos do estudo da ERS, que procurou retratar o impacto da Linha SNS24 no acesso à prestação de cuidados de Saúde. O estudo teve por base 674 reclamações recebidas pelo Regulador relativamente ao funcionamento da linha entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de maio de 2023, mas também informações recolhidas junto da Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) relativos à atividade da Linha SNS24 entre 2019 e 2022, assim como as respostas recebidas no âmbito do pedido de elementos endereçado pela ERS aos pontos de rede de urgência/emergência hospitalar do SNS.

No que respeita às reclamações recebidas, a maior fatia (58%) dizia respeito ao encaminhamento de utentes para unidades de Cuidados de Saúde Primários (CSP) que revelavam não ter capacidade de atendimento. E, aqui, o maior volume de reclamações centrava-se nas falhas de articulação entre a Linha SNS24 e prestadores localizados na ARS Lisboa e Vale do Tejo, seguida da ARS Norte (as regiões com mais habitantes), “quer em termos absolutos, quer em termos relativos, considerando o rácio de reclamações por 100 000 habitantes”, esclarece o relatório.

Em 15% das reclamações analisadas pela ERS, os utentes reportaram situações de encaminhamentos que não foram os mais adequados. Ou seja, nesses casos, o estabelecimento responsável pela receção do utente referenciado pela Linha SNS24 acabou por reencaminhá-lo para outra unidade de saúde: em 12% dos casos, encaminhados dos Cuidados de Saúde Primários para as Urgências dos Cuidados de Saúde Hospitalares, enquanto o inverso (reencaminhamento dos CSH para os CSP) ocorreu em 3% das reclamações recebidas pelo Regulador. O tempo de espera nas Urgências após referenciação pela linha de apoio deu origem a 6% das queixas dos utentes.

Entre os anos de 2018 e 2019, o número de reclamações associadas à Linha SNS24 cresceu mais de 200% (aproximadamente 219%), diminuindo 49% em 2020, ano em que se iniciou a pandemia de covid-19. A tendência de aumento nas queixas sobre o funcionamento da linha foi retomada, no entanto em 2021 e 2022, (39% e 64%, respetivamente, face ao ano anterior), com uma maior expressividade de reclamações relativas aos Cuidados de Saúde Primários.

Pandemia. 76% das chamadas evitaram afluência às unidades de saúde

A preponderância assumida pela Linha SNS24 no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Covid-19, designadamente no que diz respeito à triagem clínica de utentes, foi expressa no exponencial aumento da atividade do Serviço de Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento de utentes (STAE), entre 2019 e 2022, que reflete, “com grande similaridade, o padrão de novos casos confirmados de covid-19 em Portugal”, identifica o relatório do Regulador. Em concreto, o volume da atividade do STAE passou de 1 331 675 chamadas telefónicas em 2019 para 8 164 523 em 2022.

O incremento da atividade operacional registada em 2021 e 2022 não se traduziu, no entanto, no aumento do número de encaminhamentos de utentes para estabelecimentos de saúde (CSH/CSP). Em 76% das chamadas para a Linha SNS24 nesse período foram aconselhados autocuidados e só em 23% dos casos houve lugar a referenciação para um estabelecimento prestador de cuidados de saúde - 13% encaminhados para as Urgências hospitalares, 10% para os Centros de Saúde. Um por cento levaram à ativação do INEM. Ou seja, infere o relatório da ERS, o aumento da atividade da Linha SNS24 na pandemia não resultou num incremento do encaminhamento de utentes para estabelecimentos de saúde através desta linha, tendo mesmo evitado uma significativa afluência a essas unidades.

Outra conclusão do estudo  aponta para o facto de 42% dos doentes encaminhados para os Centros de Saúde (CSP), no período analisado, não terem obtido uma consulta até 72 horas após o contacto da Linha SNS24, “não tendo sido possível distinguir se tal ocorreu por falta de iniciativa dos utentes e/ou por falta da capacidade dos estabelecimentos de saúde visados”, refere o estudo. No que concerne aos encaminhamentos para os Cuidados de Saúde Hospitalar, 39% acabaram por não fazer admissão nos Serviços de Urgência.

Segundo a ERS, “o incremento da gravidade clínica, associado a um maior nível da prioridade atribuída, resultou num aumento da proporção de utentes com internamento hospitalar”. Assim, dos 47% de doentes a quem foi atribuída prioridade pouco urgente (pulseira verde), “7% acabaram por abandonar o estabelecimento de saúde e em 2% dos casos a admissão resultou em internamento hospitalar”, detalha o estudo.

Já quanto aos 45% de utentes a quem foi atribuída prioridade urgente (pulseira amarela), 4% acabaram por abandonar o estabelecimento de saúde e 6% foram sujeitos a internamento hospitalar, enquanto que entre aqueles (6%) a quem foi atribuída prioridade muito urgente (pulseira laranja), 18% tiveram de ser internados.

rui.frias@dn.pt

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