Gleisi Hoffmann: “O Chega fora do governo é um alívio, com essa gente não se brinca”
DANIEL RAMALHO / AFP

Gleisi Hoffmann: “O Chega fora do governo é um alívio, com essa gente não se brinca”

Presidente do Partido dos Trabalhadores, de Lula, vê na política portuguesa reflexos da brasileira, “onde há uma disputa entre o campo popular e democrático, de um lado, e a extrema-direita do outro”.
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Com quase ano e meio de governo de Lula da Silva percorrido, Gleisi Hoffmann, a presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), força política de centro-esquerda que o atual chefe de Estado fundou, sublinha que a clivagem política que se vive hoje no Brasil - e não só - “é entre o campo popular e democrático, de um lado, e a extrema-direita, do outro”.

Em entrevista ao DN, sublinha a capacidade de reação do Governo Lula à catástrofe das enchentes no Rio Grande do Sul por contraste com a resposta do governo anterior, liderado por Jair Bolsonaro, “um negacionista climático, um predador ambiental e uma pessoa insensível, que passeava e fazia festas enquanto a população sofria”.

Hoffmann, deputada reeleita em 2022, ex-senadora e ex-ministra, acredita que Lula se recandidatará em 2026 e sublinha a relevância das eleições municipais de outubro, sobretudo, em São Paulo, a maior cidade do Brasil, onde o PT apoia a candidatura do ex-candidato presidencial Guilherme Boulos, do PSOL, contra o atual prefeito, apoiado pelo bolsonarismo. “O objetivo central do PT nas eleições municipais é enfrentar e derrotar a extrema-direita em São Paulo e em todo o país”.

Sobre Portugal, acompanhou a ascensão do Chega nas eleições de março com preocupação mas diz-se aliviada por não o ver no governo. “Com essa gente não se brinca, não se faz acordo. Veja que eles tentaram dar um golpe de força no Brasil”.

Como avalia a reação do presidente Lula e do governo nas enchentes do Rio Grande do Sul?
O presidente Lula mobilizou prontamente todo o governo federal no socorro de emergência, no resgate das vítimas e na solidariedade ao povo gaúcho. Já esteve quatro vezes no estado, levando autoridades de outros poderes da República, com a intenção de sensibilizar todos para a gravidade da situação e a urgência necessária ao atendimento e à reconstrução que terá de ser feita. Isso resultou no deslocamento de milhares de agentes civis e militares, da defesa civil, da saúde, dos transportes, entre outros, além de aeronaves, um grande navio da Marinha, equipamentos, medicamentos e cestas de alimentos. Resultou na libertação de recursos extraordinários de mais de 50 mil milhões de reais [cerca de nove mil milhões de euros] para a recuperação da infraestrutura e da economia regional e, especialmente, recursos para as famílias enfrentarem as suas perdas, reconstruírem os seus lares e as suas vidas.

E como compara a reação de Lula com a de Bolsonaro na pandemia e noutras tragédias?
A reação de Lula é o exato oposto do comportamento, em situações de calamidade, de Jair Bolsonaro, um negacionista climático, predador ambiental e pessoa insensível, que passeava e fazia festas enquanto a população sofria. Não há como comparar Lula e seu antecessor. São como água e vinagre.

A aprovação ao governo Lula, segundo as últimas sondagens, está aquém do esperado? O que falta fazer?
Creio que é necessário um posicionamento político mais firme dos ministros e do conjunto do governo em relação à catástrofe que recebemos de Bolsonaro. Não se trata apenas de enfrentar e denunciar o golpismo e as posições antidemocráticas do governo anterior mas denunciar de maneira pedagógica a desmontagem que fizeram do Estado brasileiro e das políticas públicas que interessam diretamente à maioria da população. Denunciar o que fizeram com a Saúde, a Educação e a Infraestrutura, a Cultura, o Ambiente, os direitos dos indígenas, mulheres e negros, toda a desmontagem que está tendo de ser reconstruída a muito custo. Isso deve ser lembrado quotidianamente, para que não seja naturalizado e para que as pessoas possam fazer a comparação. E temos de lembrar também que muitos programas e ações do governo Lula, como a retomada do programa de habitação Minha Casa Minha Vida, das obras de infraestrutura, de modernização da indústria e até mesmo a recomposição dos salários ainda se encontram amadurecendo e só mais tarde seus efeitos serão claramente percebidos pela população no dia a dia. E consequentemente devem refletir na aprovação medida pelas sondagens.

No plano eleitoral, o PT disputa eleições municipais este ano: a eleição de Guilherme Boulos, do PSOL, em São Paulo, maior município do país, é o principal objetivo do partido?
O PT participa da eleição de São Paulo apoiando Guilherme Boulos, do PSOL, e indicando a sua vice, a companheira Marta Suplicy. É certamente da maior importância esta eleição, para o Brasil e para a democracia, por se tratar da maior cidade do país, onde haverá um enfrentamento direto com a extrema-direita, representada pelo atual prefeito aliado de Bolsonaro e sua cria, o governador Tarcísio de Freitas. O objetivo central do PT nas eleições municipais é enfrentar e derrotar a extrema-direita em São Paulo e em todo o país. Temos candidatos competitivos em muitas cidades. Onde não temos as melhores condições de disputa, apoiamos nomes do campo popular e fazemos alianças com candidatos do campo democrático, desde que estejam comprometidos com a reeleição de Lula. Porque esta é a clivagem política atualmente no Brasil, uma disputa entre o campo popular e democrático, de um lado, e a extrema-direita, do outro. Barrar o retorno do bolsonarismo, nestas eleições e nas de 2026, é fundamental para garantir o processo democrático no Brasil.

A eleição presidencial de 2026 ainda vem longe mas o PT acredita que Lula se recandidatará?
Esperamos sinceramente que sim. Por toda a sua trajetória política, o legado de seus governos, a identificação com o povo, Lula é o nome capaz de unir o campo popular, progressista e democrático. Demonstrou isso mais uma vez nas eleições de 2022. E é também aquele que pode conduzir a reconstrução de um país devastado por mais de seis anos de governos neoliberais e da extrema-direita. Lula tem credibilidade dentro e fora do Brasil para seguir nessa tarefa gigantesca e consolidar o processo democrático brasileiro. Não temos outra liderança com tamanha envergadura.

Bolsonaro não concorre em 2026 por estar inelegível. Com processos a correr contra ele na justiça, acredita que acabará preso?
Acreditamos que ele será julgado, dentro do devido processo legal, e responsabilizado pelos crimes que cometeu e todo o mal que fez ao país e ao povo. As ações em andamento, uma delas já com a denúncia apresentada pelo Ministério Público, lastreiam-se em investigações criteriosas da Polícia Federal que resultaram em provas robustas para a condenação. Na verdade, ninguém tem mais certeza de que ele vai parar na cadeia do que o próprio Jair Bolsonaro. Este é o motivo que o faz levantar a inacreditável bandeira de uma amnistia prévia, valendo-se como sempre de mentiras para desqualificar o poder judicial. Infelizmente, nenhuma condenação trará de volta as centenas de milhares de vidas sacrificadas pelo negacionismo e a criminosa irresponsabilidade de seu governo diante da pandemia de covid-19.

A extrema-direita cresceu muito em Portugal nas últimas eleições, através do Chega, partido com aliança transnacional a outros grupos de extrema-direita, como o bolsonarismo no Brasil. O PT está preocupado com esse crescimento num país em que quase 5% da população é brasileira?
Claro que sim. Não apenas o PT, mas os democratas de maneira geral. Vemos com muita preocupação o avanço da organização e da propaganda da extrema-direita ao redor do mundo. Gente como Bolsonaro, Orban e outros não ameaça apenas a democracia, mas a civilização e a própria humanidade. Vimos com alívio o entendimento dos partidos no parlamento português que barrou a entrada do Chega no governo. Com essa gente não se brinca, não se faz acordo. Veja que eles tentaram dar um golpe de força no Brasil. E vejo também que é urgente, no Brasil, em Portugal, na Espanha, em toda a parte, trabalharmos para que a democracia seja capaz de responder às necessidades reais, expectativas e ansiedades da população, especialmente das camadas que mais precisam. Só assim poderemos conter movimentos como o Chega, o Vox e outros, que manipulam as insatisfações e frustrações das pessoas com um discurso manipulador e fanatizante. 

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