Google mata a Web para ser um “paizinho sabe tudo”. Só que não
A empresa que até há alguns anos estava obcecada em ser sinónimo de “internet” parece agora tão apavorada com a possibilidade de perder a guerra da Inteligência Artificial (IA) generativa que até põe em risco o seu maior produto e a forma como o mundo consulta informação. Falo da Google e da sua aposta, anunciada na semana passada, em gerar os resultados das buscas dos utilizadores em IA no que a empresa chama Search Generative Experience (SGE).
A partir de agora, nos EUA, e brevemente em todo o mundo, quem pesquisa no Google recebe respostas criadas pelos modelos de IA Gemini, que incluem desde sugestões de compras a locais de interesse, bem como composições completas em texto “original”. Acaba-se, pelo menos em primeiro plano, com a habitual listagem de links para páginas Web terceiras.
A mudança é de tal forma profunda que a Google passou a incluir, na sua página inicial, uma secção autónoma Web (encontra-a clicando no menu “kebab” - os três pontinhos) que permite regressar ao tradicional motor de busca. Já pode experimentar, se quiser.
Já na nova utilização “por defeito”, cria-se uma “camada” de IA generativa entre o utilizador e as respostas fornecidas. Passa assim, pela primeira vez, a ser correta a afirmação comum “Perguntar ao Google”. Até hoje, podíamos mais ou menos dizer que o Google não sabia nada, apenas nos dava as pistas para encontrar respostas; a partir de agora o paradigma inverte-se: a página do serviço pretende responder às nossas perguntas.
E isso é, obviamente, um enorme problema.
Desde logo porque, como sabe qualquer pessoa que utiliza estes Large Language Models (LLM), os que estão por trás do Gemini ou do ChatGPT, as IA generativas estão longe de ser perfeitas. Mesmo quando não entram em “alucinação” - o termo comummente utilizado quando os sistemas falham e respondem disparates por razões que, literalmente, ninguém sabe porquê - há erros de análise que entram nas repostas. Também há o caso de respostas a perguntas que não são simples, ou têm demasiadas nuances para poderem ser respondidas por textos curtos gerados por IA. É preciso mais, é preciso um cérebro humano que leia, pense... pesquise.
Aliás, sabendo isso mesmo, a Microsoft, no motor de busca Bing e no serviço Copilot, ambos apoiados no ChatGPT (agora na versão 4o) passou a deixar claras as hiperligações das fontes utilizadas para as respostas geradas, de forma a que o utilizador possa fazer a sua própria verificação.
O problema é que vivemos definitivamente numa era “pós-World Wide Web” - ainda que muitos negócios, incluindo a grande maioria da comunicação social portuguesa, diga-se, ainda não o tenha percebido. Aliás, já em 2010 - para quem não está para fazer as contas, há 14 anos! - um dos editores da revista Wired, Chris Anderson, já anunciava que a Web estava “morta”. E esta mudança do motor de busca da Google põe-lhe o último prego no caixão.
“Ninguém” (entre aspas porque é uma generalização apócrifa - nos tempos que correm é preciso explicar...) com menos de 40 anos consulta websites - ou sequer utiliza um navegador da internet para mais do que... “perguntar qualquer coisa ao Google”. Pelo menos 70 a 80% da navegação online é feita via telemóvel, através das apps... das redes sociais.
Esta realidade é de tal forma que os pequenos negócios, hoje, não sentem sequer necessidade de criar um website próprio, uma vez que um perfil no Instagram, uma página no Facebook e umas atividades junto dos diversos serviços Google lhes chega. Adeus www, os miúdos nem se vão lembrar de ti!
Só que entretanto há milhões de negócios que se desenvolveram baseados em rankings do Google (o velho e ultrapassado SEO, a forma como o motor de busca tradicionalmente classificava os websites e os posicionava nos resultados da pesquisa), aperfeiçoaram os seus códigos tentando servir estas exigências e faziam dinheiro com o público trazido pelos resultados das pesquisas. Como ficam estas pessoas? Na realidade, ninguém sabe...
Objetivamente, a Google altera os seus critérios de busca, pelo menos, de seis em seis meses (quando não é menos) e utiliza algoritmos de IA há vários anos para “aperfeiçoar” os resultados das pesquisas como lhe convém. Pelo que todas as tentativas de a “manipular” em favor do pequeno negócio sempre foram uma miragem. Mas há quem vivesse disso...
Só que a aplicação do Gemini na geração dos resultados da pesquisa para, por exemplo, as compras online gera uma nova camada de opacidade nas escolhas que só o tempo dirá como ficarão os pequenos negócios.
O Gemini ainda será progressivamente aplicado nos telemóveis Android, substituindo o Google Assistant - um passo que parece fazer todo o sentido, tendo em conta a muito maior capacidade de “entendimento” deste modelo de IA. Aliás, esperemos que a Google aplique o Gemini também nos seus terminais Assistant da “Casa Inteligente”, cujos serviços estão a ficar parados no tempo - e ainda que a Alexa (da Amazon) não tenha dado passos de gigante, continua mais “esperta”.
Ainda nos telemóveis, espera-se que a excelente função Circundar para Pesquisar - lançada para os Pixel 8 e 8 Pro e Samsung Galaxy S24 - que permite “congelar” o ecrã do telefone e selecionar qualquer elemento para pesquisar no Google seja aberto a maisx\ aparelhos, mas agora mais potenciado pelo Gemini.
Ou seja, a Google quer mesmo passar a ser o nosso novo “paizinho que sabe tudo” com IA. Só que, como acontece com todos os progenitores, por mais boa vontade que tenha, vai inevitavelmente dar-nos (muitas) respostas erradas. O que, num mundo de gente com cada vez menos tempo de retenção e saber de pesquisa, é um problema monumental.
Editor do Diário de Notícias