O embaixador Juan Fernández Trigo.
O embaixador Juan Fernández Trigo.Gerardo Santos / Global Imagens

“O importante é que o eixo Lisboa-Madrid não exclua o Lisboa-Porto-Vigo”

O embaixador de Espanha em Lisboa, Juan Fernández Trigo, explicou ao DN como o Governo espanhol viu os anúncios sobre a ligação ferroviária.
Publicado a
Atualizado a

O Governo português anunciou, na semana passada, o plano para a ligação ferroviária de alta velocidade entre Lisboa e Madrid. Acredita que em 10 anos será possível fazer a viagem em três horas?
Espero que sim, porque acho que vai ser uma coisa extraordinariamente benéfica. Madrid e Lisboa são as duas únicas capitais europeias que não estão ligadas pela alta velocidade. Mas também há que dizer que não é necessário ficarmos agarrados às datas de forma inamovível. Porque as vicissitudes são muitas e não podemos prever qual será a situação económica e orçamental. Mas penso que é bom ter-se fixado uma data, porque isso obriga a fazer um esforço para cumprir esse compromisso. O que acho que é o melhor foi ter-se tomado uma decisão, uma decisão que a mim me parece perfeitamente compatível com a ideia de uma alta velocidade entre Lisboa e Porto e, claro, a ligação de Porto com Vigo. Porque eu entendo perfeitamente que um país precisa de uma coesão nacional e, em Portugal, essa coesão nacional é claramente vertical. Não se entenderia e não queria que Portugal sacrificasse isso por uma coesão digamos horizontal, entre Lisboa e Madrid.

Havia o receio de que a aposta em ligar as duas capitais pudesse fazer cair essa outra ligação a norte?
Penso que houve, durante alguns meses, uma série de opiniões que levaram a pensar que um projeto excluía o outro. Até tive a sensação de que algumas comunidades autónomas em Espanha optavam por um sistema ou outro. Por isso parece-me uma decisão muito inteligente do Governo português, dizer que as suas prioridades são as duas iniciativas. Porque as duas são enriquecedoras para Portugal e para Espanha. E também acho que foi uma decisão muito importante decidir a localização do novo aeroporto, que acho que é um imperativo, já que estas iniciativas têm, de alguma foram, de ser concertadas. Quer dizer, onde é o aeroporto tem a ver com onde passa a alta velocidade e, é claro, a construção da nova ponte sobre o Tejo. Eu estou muito otimista, mas como já disse, não podemos jurar e garantir as datas. Acredito que o importante é que se tenha tomado uma decisão e que um eixo não exclua o outro. Que o eixo Lisboa-Madrid não exclua o Lisboa-Porto-Vigo.

Outra ligação que é importante é a de Sines, que se prevê possa estar pronta para o ano...
É importante que a aposta no Porto de Sines, onde há investimentos tão grandes, possa ter, digamos assim, uma saída natural. Visitei há pouco tempo as instalações da Repsol, onde o último investimento é de 600 milhões, o Projeto ALBA, que é para criar uma produção de nova geração de polímeros. A indústria do plástico é essencial hoje em dia, em especial, fazê-la menos poluente, menos dependente das energias não-renováveis. E a aposta que o Governo português fez por Sines exige também uma saída para todas essas novas mercadorias, que hoje em dia estão a sair a um ritmo de 60 camiões por dia. À medida que se aumenta a produção, seria impossível manter esse meio de transporte para dar vazão às mercadorias. Então acho que é muito importante.

E em relação às ligações por estrada. Também há planos aí?
Existem compromissos, nas várias cimeiras ibéricas, nas quais ambas as partes manifestaram a ideia de que talvez seja conveniente reforçar as ligações com Castela e Leão, ou seja, na zona média superior de Portugal, e depois talvez adicionar uma ligação ao nível da Extremadura, adicional à que já existe com Badajoz. Estamos a trabalhar numa estratégia de cooperação transfronteiriça e acho que também devemos insistir na ideia de que algumas ligações podiam ser incrementadas, porque neste momento temos cinco pontos de conexão ao longo de uma fronteira de 1200 quilómetros, que talvez sejam insuficientes. A vantagem em Portugal é que é preciso pôr de acordo muito menos gente. A diversidade institucional que tem Espanha, com autoridades provinciais, municípios, comunidades autónomas... requer talvez um trabalho um pouco mais complicado.

Voltando à alta velocidade, como estão as ligações em Espanha? 
Temos construído boa parte do troço da Extremadura, que vai de Plasensia a Cáceres, Mérida e Badajoz, mas o que nos faz falta é, sobretudo, o troço que vai pela zona de Toledo até Madrid. Aí faz falta um esforço adicional para unir a parte que vai desde o norte da Extremadura até ao que seria já a comunidade de Castela-Mancha, Toledo e Madrid. Também nós temos de fazer o nosso trabalho, da mesma forma que aqui está muito avançada a parte Évora-Elvas, mas é preciso trabalhar a parte até Lisboa.

O Governo português falou com o espanhol antes do anúncio?
Acho que não, porque ficámos muito agradavelmente surpreendidos quando o ministro [Paulo] Rangel nos disse que haveria notícias no mesmo dia da sua visita a Madrid. Estávamos expectantes. Essa foi a interpretação que tive, acho que não se anunciou com caráter prévio porque o Conselho de Ministros tomou a decisão nesse mesmo dia. Foi uma surpresa muito agradável, porque como disse já começava a haver certas diferenças entre as várias comunidades autónomas sobre qual deveria ser a prioridade a defender por parte de Espanha. Eu sempre disse que não devíamos interferir nas decisões do Governo português e que, se ele ou as forças políticas portuguesas viam que o eixo Porto-Lisboa era importantíssimo para a sua coesão nacional, nós devíamos respeitar isso, sem deixar de argumentar que isso não excluía o eixo Lisboa-Madrid, que também acho que será muito prometedor para todos os nossos investimentos, para o nosso comércio e para os nossos viajantes.

Com a mudança de Governo em Portugal, como estão as relações com Espanha?
Sem deixar de reconhecer que a relação entre o presidente do Governo Pedro Sánchez e o ex-primeiro-ministro António Costa era muito íntima e próxima, entre Portugal e Espanha são tantos os interesses que, evidentemente, os Governos acabam por chegar ao mesmo nível de relacionamento. Há muitos interesses ligados à institucionalidade. Claro que é preciso esperar para que essa institucionalidade se transforme em amizade pessoal, para haver um maior contacto e os líderes se conhecerem melhor, mas tenho a certeza de que será assim. Porque, neste momento, a nossa relação é mais próxima do que nunca. E estou convencido de que não será, em momento algum, afetada pela mudança de Governo.

Já se sabe quando será a próxima cimeira ibérica?
Está pensado, mas ainda não acordado com o Governo português, que será no mês do outubro, talvez na última semana, no Algarve, ainda não sabemos onde. Temos que esperar pelo anúncio oficial.

susana.f.salvador@dn.pt 

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt