Comandante Pedro Neto Gouveia
Comandante Pedro Neto GouveiaCARLOS CARNEIRO / GLOBAL IMAGENS

Pedro Gouveia: “Os meios são finitos. As prioridades são as zonas turísticas e o tráfico de droga”

Comandante do Comando Metropolitano do Porto da PSP recebeu o DN para uma conversa onde falou da convivência com Rui Moreira, da detenção de Fernando Madureira, da importância da segurança para o turismo e do combate ao tráfico de droga, entre outros temas mais nacionais, como os Subsídios de Risco e a nova ministra.
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Transmontano, natural de Mirandela, licenciado em Ciências Policiais e superintendente da Polícia de Segurança Pública desde 2014, Pedro Neto Gouveia lidera, desde outubro passado, o Comando Metropolitano do Porto, depois de vários anos como diretor do Departamento de Segurança Privada da PSP, e recebeu o DN para esta primeira entrevista a um jornal nacional desde que assumiu o cargo.

A criminalidade no Distrito do Porto aumentou 9% em  2023 face a 2022, mas ainda abaixo dos valores pré-pandemia. Tem explicação para este aumento da criminalidade? Que cidade é que encontrou quando chegou? 
Houve um aumento a nível nacional, portanto, não é um problema só do Porto, é uma tendência nacional. Tivemos durante muito tempo descidas da criminalidade, quer geral, quer violenta e, após a pandemia, estamos neste momento numa situação ascendente. Ainda não atingiu os níveis da pré-pandemia, mas é um processo natural. Há mais pessoas a sair às ruas e, consequentemente, também haverá um conjunto de circunstâncias que acabam por potenciar as práticas criminais.

Mas há alguma coisa que distingue o Porto do resto do país?
Não, não creio. Uma das coisas em que reparei quando cheguei, e fiz logo um apanhado da criminalidade existente, foi o aumento do furto por oportunidade - um aproveitamento em várias áreas (hotelaria, ginásios, etc.), em que as pessoas claramente se descuidam e há um aproveitamento. Fruto também do aumento do turismo na cidade do Porto este tipo de furto está a ter a sua repercussão. A cidade do Porto e a Zona Norte têm tido um acréscimo extremamente elevado de turismo, são muito procuradas e isso também torna mais passível o aumento da existência de alvos. O facto de as pessoas estarem num momento de descontração e de turismo acaba por fazer descurar um bocadinho a sua atenção sobre os seus bens e reflete-se no aumento do furto por oportunidade.

Esse tipo de crime foi o principal a contribuir para este aumento? 
Também contribuíram muito as burlas por telemóvel e outro tipo de burlas, os furtos no interior de veículos. Este último bastante associado ao fenómeno da toxicodependência, tal  como o furto no interior de garagens. 

A  sensação de insegurança no Porto tem tido eco, sobretudo, na noite e relacionada também com o tráfico e consumo de droga em determinadas zonas da cidade. O presidente da Câmara, Rui Moreira, tem reclamado a presença de mais policiamento. Como é que tem sido esse diálogo com a autarquia? 
Mal seria se um presidente da câmara não exigisse mais segurança para a sua cidade. É normal. As pessoas também o fazem, naturalmente. Gostaríamos de corresponder a esse anseio, mas os meios são finitos  e temos de os gerir de modo a poder responder aos problemas mais graves. Sempre que temos algum conjunto de necessidades mais acrescidas, podemos fazer uma gestão de meios de modo a demonstrar que  a polícia não está ausente do território. Não aceitamos que o terreno possa estar sem qualquer tipo de autoridade pública.

Mas sente que há zonas onde gostaria de ter mais gente?
Gostaria de ter mais gente, claro. O Porto é uma cidade turística e o turismo é um importante motor para a economia, sendo que o sentimento de segurança tem muito impacto. Essas são áreas onde temos obrigatoriamente de dar atenção, através, essencialmente, de ter mais gente na rua e visível. Noutras áreas, se calhar, não temos tanto a necessidade de ter gente visível, mas temos a necessidade de ter gente à civil, de modo a acompanhar fenómenos criminológicos, como é o caso do furto em automóveis. Vamos gerindo de acordo com as necessidades. A nossa gestão de meios permite-nos ter polícias onde quisermos, mas onde quero efetivamente ter um reforço acrescido é nas zonas turísticas do Porto e, claramente, em zonas onde há e subsiste o tráfico de estupefacientes.

FOTO CARLOS CARNEIRO/GLOBAL IMAGENS

Há menos polícias no Porto que no resto do país?
Estamos um bocadinho abaixo da média nacional. Temos um polícia para 290. A média nacional é 1 para 250. Mas isso contando só os residentes.  De acordo com o presidente do Turismo do Porto e Norte, o engenheiro Luís Pedro Martins, houve um aumento de 30% de dormidas em 2023 para cerca de 5,5 milhões no total.

E o aumento do vosso efetivo?
Recebemos 112 novos polícias. Não posso dizer que foi o desejável, mas foi simpático, porque também tivemos obrigatoriamente de cobrir as novas competências do aeroporto. Além disso, também tivemos uma área para a qual tivemos de nos adaptar, que foi a Unidade Habitacional Santo António, que é o centro de instalação para estrangeiros. Isso consumiu-nos efetivo.

Sente afetada a capacidade operacional do Comando?
Muito pelo contrário. Encontrei um Comando vibrante, com muita vontade de trabalhar. Uma organização que já está mais que oleada. Encontrei foi uma “máquina assassina”, se me permite a expressão, de capacidade operacional, de vontade de fazer o melhor possível. O pessoal faz além da sua capacidade, e está sempre empenhado. Posso dizer-vos que, em relação a uma questão que muito nos preocupa a todos, como é o combate ao tráfico de drogas, contando com 2023 e início de 2024, apenas da intervenção da Divisão de Investigação Criminal nos principais bairros do Porto, foram feitas 99 operações. O que dá uma média de uma ou duas operações por semana nos bairros. Isto é um esforço brutal. É um trabalho imenso que implica investigação, e os resultados depois também são óbvios. Não são operações que são montadas de um dia para o outro, têm alguns meses de investigação por trás. E, portanto, fazer uma média nos bairros de uma ou duas operações por semana é um esforço brutal. E com resultados fabulosos.

O crime violento relacionado com o tráfico de droga também tem sido aqui uma realidade, não é? Toda a gente falou no assassinato em Ramalde. O Porto neste momento é palco de luta de clãs da droga?
Não temos essa perceção, nem outras autoridades com as quais reunimos mensalmente, como  a Polícia Judiciária, a Procuradoria Distrital do Porto, e os Serviços de Infor- mações, no âmbito de uma  equipa especial de prevenção criminal que foi criada aqui no Porto. São situações muito ocasionais.

Há resultados no controlo do consumo de droga na via pública?
O combate ao tráfico de droga é uma missão permanente. É uma realidade que está a assolar a Europa e, obviamente, Portugal também é vítima desta quantidade de droga, que está a chegar à nossa realidade social . Apesar de permanentemente fazermos este combate - como referi uma ou duas operações por semana e com resultados extremamente eficazes, porque normalmente apanham sempre produto em quantidade significativa - o que é certo é que isto não para.

Notam no terreno que há um aumento considerável de consumidores? Tem números?
Sim, um aumento considerável, mas não tenho números.  Uma coisa notei e tenho conversado com o pessoal da investigação criminal, é que a toxicodependência atinge, essencialmente, pessoas com médias de idade acima dos 35/40 anos. Contrariando aquilo que foi o boom dos Anos 70, 80, em que eram os miúdos que eram os dependentes das drogas. Neste momento, temos uma faixa etária muito mais velha. Temos de apostar também numa atitude de rede, com as autarquias, com as instituições públicas, com as instituições de saúde. Temos de recuperar os velhos manuais e voltar a implementar soluções de apoio, porque temos neste momento já um problema de Saúde Pública e um problema social grave. A procura depois para a dose diária acaba por se traduzir também num aumento da criminalidade, embora não muito violenta, mas por vezes pode tornar-se violenta.

O sistema de videovigilância que Rui Moreira implementou na cidade tem sido uma ajuda? 
Temos 79 câmaras no centro da cidade e vão ser instaladas mais 117 para a zona oriental e ocidental da cidade. É uma ferramenta importante e necessária.

Durante muito tempo, a nível local, passou a ideia de haver olhos fechados em relação àquilo que parecia ser uma organização com leis próprias, que era a claque do Futebol Clube do Porto, e a detenção de Fernando Madureira veio abalar essa ideia. Estas eleições no clube vieram aumentar essa necessidade da vigilância sobre as atividades da claque?
Não tenho essa perceção. As claques sempre foram um fenómeno de organização entranhada nas realidades clubísticas. Aqui no Porto não é diferente do Benfica, ou do Sporting. Foi feito um trabalho muito sério por parte da PSP e por parte do Ministério Público (MP) em que conseguiu prova para levar a bom termo a indiciação.

Acha que foi importante passar essa mensagem nesta altura?
Não foi uma coisa que tivesse de ser necessária por causa de um processo eleitoral, foi uma coincidência. E a coincidência residiu no facto de, numa assembleia-geral, terem filmado um conjunto de coisas que, obviamente, de outra maneira não sairiam cá para fora. E essas imagens que saíram permitiram organizar um inquérito e, consequentemente, depois toda a ação e toda a investigação que culminou nas medidas que foram tomadas depois para julgamento.

Preocupa a PSP do Porto esta luta pelo poder pós-Fernando Madureira no interior da claque? E está identificada alguma necessidade especial de segurança para o próprio ato eleitoral do Futebol Clube do Porto, daqui a uns dias?
Obviamente que sim [haverá segurança nas eleições]. Queremos que o processo  eleitoral se faça sem qualquer permeabilidade. Estamos em contacto permanente com o presidente da Assembleia, que é a autoridade máxima para esta circunstância,  no sentido de garantir-lhe que o processo se faça sem qualquer sobressalto e que o Comando do Porto dará todo o apoio. Já está acordada uma operação destacada. Não queremos que se torne um processo policiado, mas estaremos em contacto próximo e com elementos suficientes para que não haja qualquer tipo de problema.

E em relação a essa sucessão de Fernando Madureira na claque tem alguma fonte de preocupação identificada?
Não creio. Será um processo natural. Portanto, à saída de um, haverá sempre um outro que lhe sucede. E o que queremos é que o fenómeno de futebol e o fenómeno desportivo seja um fenómeno saudável para que as pessoas possam ir tranquilamente aos espetáculos desportivos sem termos este tipo de manifestações que são menos próprias por parte das claques.

FOTO CARLOS CARNEIRO / GLOBAL IMAGENS
Carlos Carneiro / Global Imagens
Carlos Carneiro / Global Imagens | Carlos Carneiro / Global Imagens

Há pouco tempo houve aqui uma manifestação anti-imigração e uma contramanifestação de antifascistas. Porque é que a PSP deu parecer positivo? 
O nosso parecer foi positivo porque as duas manifestações que estavam previstas não iam, em princípio, colidir. O problema aqui foi só um: houve a tentativa de confrontação de uma manifestação e quando temos alguém a querer pôr em causa o exercício do direito de manifestação, temos de impedir que isso aconteça. Naquele caso, foi claramente uma tentativa feita com o arremesso de pirotecnia por elementos que estavam com balaclavas e tiveram de ser identificados.

Mas o facto de autorizar essas duas manifestações num espaço relativamente curto na cidade não era já admitir um risco?
O risco há sempre. Desde que haja duas fações que claramente se pretendem opostas, sabemos que há sempre um risco de que as coisas aconteçam. Mas nós, em última instância, como autoridade policial, o que pretendemos é que o decreto-lei seja alterado. Esta é a nossa posição de sempre, a posição institucional, porque o decreto-lei é de 76 e, portanto, não se adequa nunca e em circunstância alguma aos atuais paradigmas daquilo que são as manifestações, daquilo que são os grupos, daquilo que são as contestações. Vemos, por exemplo, estas atuações do Climáximo, que têm o seu enquadramento, mas depois descambam desse enquadramento. Claramente temos de equacionar a alteração do decreto-lei. Esta é uma necessidade para haver uma lógica de procedimentos que possa trazer um controlo mais eficaz e não, depois, andar a apagar fogos.

E onde a polícia tenha uma palavra  mais efetiva?
Uma palavra a mais, mas com todo o complemento de que os direitos, liberdades e garantias estão salvaguardados e que o direito de manifestação é salvaguardado. Estamos a meia dúzia de dias dos 50 anos do 25 de Abril, portanto, não seria a polícia que iria pedir que houvesse aqui uma palavra policial final. Nunca, muito pelo contrário. Portanto, a nossa ideia é garantir que as pessoas tenham liberdade de se manifestar, mas sempre, obviamente, respeitando a liberdade dos outros.

Tal como em Lisboa, tem  aumentado também muito a  imigração na cidade do Porto. Identifica alguma relação entre isso e o aumento da criminalidade?
Não, absolutamente.

O sr. comandante acha que a PSP deve ter um Subsídio de Risco igual ao da Polícia Judiciária?
De acordo com aquilo que referi, por saber que estes homens e mulheres se dedicam tão acerrimamente à defesa da nossa sociedade e à segurança da nossa sociedade, acho que eles têm direito a tudo.  Aqui há tempos, num seminário, perguntaram-me como nos afeta o facto de os polícias conviverem com a desgraça alheia, como é que se motiva essa gente? E a minha resposta foi: essa gente está motivada. Não precisa de ninguém que as venha motivar, vestem uma camisola. Os polícias trabalham porque fizeram o juramento. Os polícias trabalham para a segurança de todos. Portanto, esse esforço e esse empenho deve ter associado um reconhecimento político, social, económico. E às vezes não somos reconhecidos. Aqui, em conversa com os autarcas, explico muitas vezes que a polícia é como a Muralha Fernandina. A polícia é uma muralha. E o que precisamos na muralha, para defendermos a nossa comunidade, é dos jornalistas, dos magistrados, dos autarcas, dos professores, toda aquela gente que tem alguma responsabilidade, nem que seja para nos chegarem a água. Aguentamo-nos, mas precisamos que alguém nos chegue um bocadinho de água. O que não precisamos é que  venha alguém por baixo da muralha e a faça cair. Tem de  haver o reconhecimento da sociedade.

E não há nesta altura?
Há pouco. Pese embora todos os inquéritos que vamos fazendo indiquem que a polícia está nos mais altos padrões de aceitação da população. Mas depois, efetivamente, não há aqui um reconhecimento monetário ou de recompensa efetiva para o trabalho desenvolvido.

E esse pagamento seria esse reconhecimento e também uma forma de motivar, por exemplo, o recrutamento?
Claro, sem sombra de dúvida. O recrutamento reflete-se naquilo que são as perspetivas quer de carreira, quer de remuneração, quer de consequências. Quando entrei para a polícia, uma das coisas que a mim me entusiasmou é que tinha de acréscimo, na altura, 25% sobre o tempo de serviço, que acabou. Quando entrei, a minha perspetiva de carreira era que fazia 10 anos de carreira e recebia dois anos e meio. Portanto, ficava com dois anos e meio de carreira em cada 10 anos, o que permitiria que numa situação de reforma fosse mais cedo para a reforma, que eventualmente fosse mais novo e pudesse usar um bocadinho os serviços de assistência na doença. Isto era algo apetecível a qualquer tipo de serviço de assistência que havia no nosso país. Qualquer funcionário público dava tudo para estar nessas condições da PSP, porque os convénios, os acordos tinham sempre umas vantagens muito maiores e, portanto, todo esse conjunto de circunstâncias foi desaparecendo. E não foram compensadas. Neste  último caso, não é só o facto de não termos sido reconhecidos, é o facto de outros terem sido reconhecidos e nós não. Foi o elemento determinante que causou aqui a destabilização que se tem visto. 

E a nova Ministra [Margarida Blasco]? É alguém que conhecem bem, esteve muitos anos na IGAI... 
Está toda a gente expectante, portanto, esperamos sempre, em todas as circunstâncias, que os titulares da pasta façam o melhor possível pelas suas organizações, pelas organizações que têm a responsabilidade política de dirigir.

E espera algum sinal em concreto da ministra nesse aspeto?
Pelo menos, está-se a exigir nesta altura, pelos sindicatos, que se dê algum sinal. Não creio que as coisas fiquem serenas se não houver, desde logo, um compromisso com uma solução.

Aumentou há alguns meses o quadro sancionatório para agressões aos polícias. A sociedade está mais consciente da necessidade de proteger as autoridades ou acha que há mais desrespeito pelas autoridades?
Acho que essa foi mais uma pedra para a muralha. A muralha precisa dessas pedras, portanto, acho que, nesta imagem da muralha, essa é uma pedra para a muralha, para fortalecer a muralha e efetivamente podermos aguentar o embate. Portanto, as populações dentro da muralha têm de estar protegidas e é a polícia que o faz.

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