Guerra política e recriminações marcam sucessão na Santa Casa
Ainda sem data definida para o anúncio da nova equipa dirigente da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), embora fonte do Ministério do Trabalho e Solidariedade confirme ao DN que “o processo está em curso”, e será concretizado “o mais rápido possível”, Ana Jorge mantém-se em funções enquanto provedora até ser encontrado substituto. No entanto, ainda sem confirmação oficial de que o centrista Pedro Mota Soares lhe irá suceder, a exoneração da ex-ministra socialista, decidida pela ministra Maria do Rosário Palma Ramalho, com base no que descreveu como “atuações gravemente negligentes”, gerou uma troca de acusações políticas.
Numa carta enviada a todos os trabalhadores da SCML, divulgada pela Lusa, Ana Jorge escreveu que o comunicado do Ministério do Trabalho, que anunciou o seu afastamento, a dois dias de completar o primeiro ano de mandato, “é, pela forma rude, sobranceira e caluniosa com que justifica a [sua] exoneração, motivo para [se] sentir desiludida”. Referindo-se a “onze meses muito duros”, nos quais garante que a sua equipa trabalhou “rumo à sustentabilidade financeiras” - embora um dos argumentos apresentados pelo Governo para a afastar tenha sido a incapacidade de apre- sentar um plano de reestruturação financeira, “tendo em conta o desequilíbrio de contas entre as estruturas corrente e de capital” -, a provedora defendeu que “em política, tal como na vida, não vale tudo”.
Sem revelar ter conhecimento dessa carta, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, recusou esta terça-feira, numa visita à Ovibeja, que a exoneração de Ana Jorge tenha tido motivações políticas. “É preciso dar ao país sinais de normalidade no funcionamento da nossa democracia. Não há saneamento político nenhum”, reiterou, na feira agropecuária realizada em Beja.
Pouco antes, a 450 quilómetros de distância, no Porto, o vice-presidente do grupo parlamentar do PS, Tiago Barbosa Ribeiro, disse que a decisão sobre Ana Jorge vem na sequência do processo que levou o diretor executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo, a apresentar a demissão. “O Governo está a criar um conjunto de casos que tem como único fundamento substituir pessoas que sejam mais politicamente alinhadas e mais domesticáveis.” Considerando a exoneração da antiga ministra da Saúde “profundamente radical, inusitada e preocupante”, o deputado socialista acusou os novos governantes de “encontrar subitamente problemas” em pessoas que são “inquestionavelmente bons dirigentes e gestores públicos”.
O primeiro-ministro respondeu que “quem fala em saneamento político” pretenderia “garantir a manutenção de alguma afinidade partidária com as pessoas que vão cessar funções”, dizendo que, no caso da SCML, não é por tais razões que os atuais dirigentes serão exonerados. Repetiu que a instituição está “numa situação dificílima do ponto de vista financeiro e da salvaguarda das suas funções sociais”, decorrente do processo de internacionalização dos Jogos Sociais, conduzido por Edmundo Martinho, antecessor de Ana Jorge enquanto provedor, e que poderá ter causado prejuízos na ordem dos 50 milhões de euros.
Garantido está que Maria do Rosário Palma Ramalho e Ana Jorge serão ouvidas na Assembleia da República. O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, disse que, num espírito de “total transparência”, os partidos da Aliança Democrática aprovarão os pedidos do PS e da Iniciativa Liberal. Também esta terça-feira, o Chega exigiu uma auditoria às contas da SCML, com foco na exploração de jogos e nos investimentos internacionais. E, através do deputado Jorge Galveias, admitiu estender, “se necessário”, as audições parlamentares ao antigo provedor Pedro Santana Lopes.
Hipóteses
Pedro Mota Soares
A experiência no Governo de Passos Coelho,como ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, faz com que o dirigente do CDS-PP, que é o presidente da Assembleia Municipal de Cascais, seja a hipótese mais provável para o lugar até agora ocupado por Ana Jorge.
Carlos Carreiras
O presidente da Câmara de Cascais cumpreo terceiro mandato e não se poderá recandidatar em 2025. Tal circunstância e a proximidade a vários elementos do Governo, incluindo o seu ex-vice-presidente (agora ministro das Infraestruturas), Miguel Pinto Luz, levou a que fosse visto como hipótese. Mas o próprio Carlos Carreiras disse ao DN que tal não tem “nenhum fundamento”.
Rosário Águas
Próxima do antigo provedor Pedro Santana Lopes, de quem foi vereadora na Câmara da Figueira da Foz, antes de o acompanhar na saída do PSD para fundar o Aliança, a administradora da Águas de Portugal, que já foi secretária de Estado da Habitação e da Segurança Social, manteria uma liderança feminina na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.