Queixas aumentam. DECO recebeu quase mil por dia em 2023
O balanço é “muito positivo”, com muitas “conquistas e vitórias”, mas ainda com “muito trabalho pela frente face aos desafios que estão por vir”. Quem o diz é Ana Sofia Ferreira, coordenadora do Gabinete de Apoio ao Consumidor da DECO. A associação para a defesa do consumidor assinala esta segunda-feira o 50.º aniversário e, neste tempo, já apoiou quase oito milhões de pessoas.
Segundo a própria DECO, isto traduz-se em quase 30 milhões de euros recuperados neste período de atividade. E a intenção é continuar a fazer mais pelos direitos de quem compra. Só em 2023 a associação de defesa do consumidor recebeu “à volta de 360 mil queixas. É um aumento em relação aos dois anos anteriores”, de acordo com a porta-voz. Isto significa que, contas feitas, no ano passado houve quase mil reclamações diárias. Este número fica, ainda assim, bastante afastado dos valores de 2015, “o ano em que se receberam mais queixas, quase 700 mil”.
Há 17 anos na associação, Ana Sofia Ferreira reflete: “Houve muitas conquistas e vitórias. Mas vivemos num momento muito dinâmico. Esse dinamismo reflete-se também no mercado, e os desafios que o consumidor enfrenta hoje em dia são mais que muitos.”
Telecomunicações são o setor com mais queixas
Os dados divulgados pela DECO são claros: o setor das telecomunicações é o ‘campeão’ no que toca a reclamações. “As telecomunicações estão há 15 anos ou mais no topo. É sempre um dos setores com mais reclamações - se não mesmo o que as tem em maior número. Apesar de ser uma área essencial para os consumidores, aquilo que se verifica é que, não obstante as melhorias na legislação, há ainda um longo caminho a percorrer”, diz Ana Sofia Ferreira.
Neste setor, continua a porta-voz, chegaram recentemente “preocupações” relacionadas com a atualização dos preços dos serviços, que aumentou os custos para o consumidor. “Já mostrámos preocupação junto do regulador, a ANACOM [Autoridade Nacional de Comunicações], e vamos continuar atentos”, garante.
Esta prática pode - e deve, no entender da DECO - ser mais regulada. “É necessário criar regras de atualização de preços que não permitam alterações contratuais promovidas pelo operador, que são comunicadas de forma muito pouco adequada e pouco eficaz, com especial relevância para os consumidores que se encontram dentro de um período de fidelização”, explica Ana Sofia Ferreira. Estas são “situações em que não deveria ser permitida esta alteração”. No entender da coordenadora, a solução pode passar por algo parecido ao que já acontece, “de certa forma”, no setor energético: uma ideia de compensação ao consumidor. “É necessário que exista uma fiscalização das práticas das empresas e que sejam aplicadas sanções que sejam verdadeiramente dissuasoras de práticas lesivas dos direitos dos consumidores, que são alvo de uma prática comercial desleal. Quem não recebe resposta às suas reclamações e pedidos de apoio, ou, até, algum apoio técnico, deve ser compensado. Mas é necessário criar mecanismos de compensação ao consumidor”, explica.
No entanto, as telecomunicações podem, em breve, sofrer uma redução de preços, segundo a própria ANACOM. Isto porque a operadora Digi irá entrar no mercado (ainda que sem data anunciada), aumentando a oferta de serviços. A garantia foi deixada por Sandra Maximiano, presidente da entidade reguladora, na passada sexta-feira, em entrevista à Rádio Renascença.
Práticas “comercialmente desleais” prejudicam
Ainda assim, apesar do aumento da oferta, Ana Sofia Ferreira refere que há um fator comum entre “vários setores”: a necessidade de uma maior fiscalização, que “previna os conflitos de consumo”.
No caso das telecomunicações, “a implementação de um regulamento de qualidade de serviço e de relações comerciais vinha ajudar a que essa regulação conseguisse ser mais eficaz”. Além disso, defende a porta-voz da DECO, devem também ser criados “procedimentos mais céleres para a portabilidade de pacotes de serviços [que consistem na mudança entre operadores]”. “Esse switch é verdadeiramente necessário para terminar com os obstáculos que os consumidores enfrentam no cancelamento de contratos e mudança de operadores”, segundo a coordenadora.
“É muito importante que, neste contexto de compra, venda e prestação de serviços, sejam fiscalizadas práticas comerciais desleais, enganosas e agressivas. Se um consumidor for alvo de um destes casos, pode apresentar reclamação e ver o seu caso resolvido. Se estas práticas não forem sancionadas, estas empresas vão resolvendo reclamações ad hoc à medida que vão aparecendo, mas irão manter e perpetuar estas práticas, e há consumidores que acabam por ser lesados.”
A vulnerabilidade de cada consumidor depende também de qual o setor em causa e da sua própria idade, por exemplo. “Nas telecomunicações é transversal, tal como na energia. Pese embora, obviamente, o facto de haver alguns consumidores com mais facilidade no acesso a informação. Mas perante a dificuldade de verificar qual o comercializador que apresenta uma tarifa mais adequada ao seu perfil, a vulnerabilidade tanto pode surgir num consumidor com mais idade como num consumidor com menos idade”, explica. Há, no entanto, casos particulares. “Por exemplo, na abordagem porta a porta, regra geral, os consumidores mais idosos são os maiores alvos destas práticas mais agressivas. Por outro lado, tem-se assistido a uma maior adesão ao comércio eletrónico e digital. Aqui, existe efetivamente uma grande participação dos mais jovens. Neste âmbito, as reclamações refletem-se essencialmente nesse público. Mas todos estes dados são apenas meramente identificativos e variáveis, claro. Importa referir também que os consumidores mais vulneráveis são aqueles que podem vir a ter mais dificuldades em exercer os seus direitos, o que significa que ficarão também mais prejudicados.”
Como funciona a DECO?
Fundada a 12 de fevereiro de 1974, a Associação de Defesa dos Direitos do Consumidor surgiu a partir da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (SEDES). Passados quatro anos, em 1978, surgia o número zero da revista distribuída pelos sócios da associação. Em 1986 iniciou-se a profissionalização dos quadros da empresa.
Sendo uma associação, a principal fonte de receita vem das quotas pagas pelos seus associados. Há, no entanto, outras formas de financiamento. De acordo com o site da própria associação: assinatura de publicações (como a Proteste ou a Dinheiro e Direitos), cashback (compras online feitas através de programa de benefícios geram uma parte do dinheiro pago, que pode ser partilhado com a associação).
Lado a lado com os direitos dos consumidores, a DECO procura também dar aconselhamento a investidores. Criou para isso a Proteste Investe, um ramo virado para o aconselhamento financeiro e de investimento.
Para resolver litígios, a associação oferece apoio jurídico aos seus membros. Há ainda um centro de documentação, com legislação nacional e europeia, livros, estudos e revistas.
No passado, a DECO já conseguiu influenciar alguns processos legislativos, como, por exemplo, no caso da Lei das Comunicações Eletrónicas. Neste caso, a DECO conseguiu fazer com que, em casos de alteração de residência ou de situações de desemprego, os operadores de telecomunicações não possam exigir o pagamento de encargos em caso de possível incumprimento do período de fidelização.
Para comunicar, os associados têm ao dispor linhas de telefone exclusivas, bem como dois sites, onde podem encontrar informação específica, bem como protocolos da associação com outras empresas e organizações.
Os setores com mais reclamações
Telecomunicações: Esta é a área da qual os consumidores mais reclamam. De acordo com os dados disponibilizados pela associação, as queixas mais comuns são: “qualidade de serviço, período de fidelização, faturação, prescrição, práticas comerciais desleais, dificuldade no cancelamento do contrato, falta de comunicação adequada no aumento dos preços, oferta de serviços não solicitados”.
Bens de consumo: Desde as garantias ao incumprimento dos prazos de entrega, os associados têm-se queixado deste setor. Segundo a DECO, há também reclamações ligadas ao comércio online, como dificuldades no reembolso ou falta de conformidade daquilo que foi comprado. Esta “é uma nova realidade”, diz a associação, presente sobretudo em espaços marketplace, onde há “burlas e fraudes”.
Energia e água: Aqui, a DECO faz a distinção das queixas. Em relação à energia, a associação refere que os consumidores reclamam, entre outros, de faturações excessivas ou ainda dificuldades no regresso ao mercado regulado. Já quanto à água, é frequente haver queixas de “falta de informação sobre as faturas” ou problemas relacionados com o tarifário contratado pelos queixosos.