Dizem que para educar uma criança é preciso uma aldeia, mesmo no Natal

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Vêm aí a época das festividades. Diz-se que é uma época de afetos e de amor, sentimentos assumidos em análoga correspondência à intensidade do consumismo desta altura. Apesar do predomínio dos sentimentos de afeto, um título de primeira página de um jornal português anunciava que as queixas de violência doméstica tinham tendência a aumentar no período do Natal. Vêm isto a propósito da forma como lidamos com as emoções, aprendemos a exprimi-las e a regulá-las e, nessa medida, como nos apresentamos como modelo para as crianças.

As queixas de indisciplina em contexto escolar são mais do que muitas. Uma das estratégias das escolas para minimizar e prevenir problemas de comportamento, como a agressividade, bullying e outras diatribes infantis e juvenis em contexto escolar são programas de promoção do desenvolvimento socio-emocional. Estes programas, geralmente desenvolvidos por psicólogos, abordam várias dimensões implicados na autorregulação e resolução de conflitos, nomeadamente a identificação e expressão de emoções, treino de estratégias de comunicação adequadas, pensamento alternativo e consequencial face a problemas interpessoais, estratégias de autorregulação, entre outros aspetos. A eficácia das atividades propostas nestes programas tem sido fundamentada do ponto de vista científico, mas a sua transferência para contextos rotineiros na família e na escola estará sem dúvida associada a comportamentos semelhantes por parte dos adultos significativos que lidam com as crianças.

De facto, não é possível incentivar a expressão das emoções infantis se os adultos não têm eles próprios um discurso revelador de sentimentos (e muito menos admitem que as crianças não possam experienciar sentimentos como tristeza ou raiva). Dificilmente podemos exigir das crianças fórmulas de comunicação adequadas quando os adultos usam padrões de comunicação com gritarias e outras coisas que tais. Se desejamos criar nas crianças hábitos de ponderação face a problemas ou aprender a mobilizar estratégias de autocontrolo de emoções, os adultos não devem ser, por seu lado, modelos de impulsividade. Não é possível que pais e professores continuem a usar aquela máxima "faz o que te digo e não olhes ao que eu faço" se queremos mudar de forma consistente padrões de comportamento e de relação.

Um dia destes, numa entrevista, um elemento da APAV, a propósito da violência doméstica, mencionava a importância da educação das crianças para alterar de vez os padrões de comportamento de agressividade, sendo evidente que a sensibilização para a problemática, só por si, estava a ser claramente insuficiente – basta pensar nos inquéritos sobre a violência no namoro. Para esse efeito temos todos de nos empenhar. Nem que seja para não darmos razão à Cecília Meireles quando a propósito das compras de Natal escreve: "São as cestinhas forradas de seda, as caixas transparentes, os estojos, os papéis de embrulho com desenhos inesperados, os barbantes, atilhos, fitas, o que na verdade oferecemos aos parentes e amigos. Pagamos por essa graça delicada da ilusão."

Bom Natal a todos os leitores e um excelente Ano Novo.

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