Só no 1.º trimestre, saíram para o Brasil 6 milhões de litros de vinho, mais 21% em valor e 28% em volume.
Só no 1.º trimestre, saíram para o Brasil 6 milhões de litros de vinho, mais 21% em valor e 28% em volume.Maria João Gala / Global Imagens

Brasil quer criar um “imposto do pecado” e tem o vinho - português inclusive - na mira

É o 4.º maior mercado externo dos vinhos nacionais e valeu, em 2023, quase 80 milhões de euros. Entre taxas e impostos, a carga fiscal sobre vinhos importados ultrapassa os 80%.
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O Brasil está a preparar uma reforma tributária que prevê a criação de um “imposto seletivo federal” sobre os produtos que são prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. O chamado “imposto do pecado” deverá incidir sobre tabaco, refrigerantes açucarados, alimentos ultraprocessados, combustíveis fósseis e bebidas alcoólicas, entre outros. E embora esteja previsto que só entre em vigor a partir de 2027, a questão está a gerar grande polémica no país. Este é o quarto maior mercado de destino das exportações de vinhos nacionais e valeu, em 2023, quase 80 milhões de euros ao setor.

“É, de facto, um mercado muito importante para os vinhos portugueses. Não só foi o quarto maior, no ano passado, como liderou o crescimento das exportações, que só não caíram mais pela influência positiva do Brasil, que se tornou no mercado externo dos vinhos tranquilos. Vem-se a cimentar como um país estruturalmente importante para as nossas exportações e, portanto, qualquer alteração a nível tributário é algo que nos obriga a ficarmos atentos”, reconhece o presidente da ViniPortugal, a associação interprofissional que tem a seu cargo a promoção dos vinhos nacionais além fronteiras.

A questão é que os impostos neste mercado são já “muito complicados” e até “difíceis” de calcular, estimando-se que o total das taxas e impostos - incluindo os estaduais, que são aplicados sobre os vinhos importados - esteja acima de 80%, o que onera muito o custo do vinho no Brasil que, segundo os próprios, é um produto “pouco democrático”.

Trata-se de uma reforma que o Governo brasileiro aprovou em dezembro de 2023, com o objetivo de “simplificar o sistema tributário” e conseguir uma “melhor redistribuição” dos encargos.

A dúvida é se a medida trará mais ou menos impostos. “No ano passado foi aprovada uma lei que insere o vinho na categorias dos alimentos e, neste momento, há uma grande discussão no Brasil sobre se o novo imposto vai ser aplicado às bebidas alcoólicas e se o vinho será tratado como tal ou se como um alimento. Há uma grande incerteza sobre o que vai acontecer e, falando com alguns importadores no Brasil, o que nos dizem é que tudo isto levará ainda muito tempo até que esteja tudo definido”, diz Frederico Falcão, que assume alguma apreensão com o tema: “Sabemos que os Governos gostam mais de aumentar do que de reduzir impostos e isso deixa-nos preocupados. Se for para baixar, ótimo, tornará o vinho mais acessível, o que poderá fazer aumentar o consumo per capita, que é muito baixo no Brasil (2,1 litros).”

Este é um mercado importante para os vinhos portugueses e para o qual a ViniPortugal reservou um milhão dos 8,4 milhões de euros do seu orçamento de promoção para 2024, e onde vai realizar cerca de uma dezena de ações ao longo do ano. “É um dos mercados que estão a liderar o nosso crescimento”, garante o presidente da ViniPortugal.

Só nos primeiros três meses do ano, Portugal exportou para o Brasil seis milhões de litros, no valor de 18,3 milhões de euros, o que representa um aumento homólogo face a 2023 de 21,4% em valor e de 28% em volume.

A Casa Santos Lima, empresa familiar que vai já na quinta geração ligada ao negócio do vinho, é um dos maiores exportadores nacionais para aquele mercado, para o qual vende desde que foi fundada, em finais do século XIX. O Bons-Ventos , vinho regional de Lisboa, é hoje das marcas portuguesas mais vendidas no Brasil, mercado onde as vendas do grupo estão, nos primeiros meses de 2024, a crescer 30%. Presente em 7 das 14 regiões vitivinícolas nacionais, a Casa Santos Lima produz cerca de 30 milhões de garrafas ao ano, 90% das quais são exportadas para mais de 50 países. 

“Já sabemos desta intenção [reforma tributária], mas nenhum cliente nos falou nisto ainda”, diz o diretor-geral da empresa. Luís Olazabal Almada socorre-se da experiência no mercado britânico, que em 2023 aumentou os impostos sobre vinhos e outras bebidas, taxando mais as de maior teor alcoólico, para dizer que, “se for esse o caso, irá provavelmente provocar uma migração para vinhos de menor teor alcoólico”.

Outra das marcas mais importantes no mercado é Periquita, da  José Maria da Fonseca (JMF), que destina ao Brasil cerca de 1,2 milhões de garrafas ao ano, correspondentes a 10% da sua produção. António Maria Soares Franco, o co-CEO e elemento da 7.ª geração da família na empresa, não se mostra, para já, preocupado com a questão. “Dizem-me que faz parte de uma reformulação fiscal mais alargada, que levará vários anos a ser implementada e que ainda está tudo muito no ar”, refere. E se é verdade que o negócio do vinho no mundo “está difícil” este ano, em virtude da conjuntura inflacionista, a JMF espera fechar o ano acima dos 35 milhões de faturação global, dois milhões mais do que em 2023.

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