FMI está mais otimista que Governo no crescimento, emprego e na dívida
É bastante raro acontecer, mas o Fundo Monetário Internacional (FMI) está mais otimista do que o Governo português quanto ao legado das políticas deixadas pelo anterior Executivo socialista (e ao impacto do Orçamento do Estado) em 2024.
De acordo com as novas projeções no estudo Perspetivas Económicas Mundiais (World Economic Outlook), ontem divulgadas a partir de Washington, num cenário de “políticas invariantes”, ou seja, assumindo apenas o que já foi legislado e aprovado até finais de março, a economia portuguesa deve crescer 1,7% em termos reais este ano, previsão que foi revista em alta e que supera os 1,5% avançados anteontem no Programa de Estabilidade (PE 2024-2028) pelo Ministério das Finanças, de Joaquim Miranda Sarmento.
De acordo com o FMI, a criação de emprego esperada para este ano também é significativamente mais forte: o Fundo aponta para um acréscimo líquido de 1% no emprego nacional, ao passo que o Governo PSD-CDS só vê uma subida de 0,4%. É mais do dobro, segundo o FMI.
No desemprego, a instituição liderada por Kristalina Georgieva prevê uma descida da taxa de desemprego de 6,7% da população ativa em 2023 para 6,5%. O PE 2024-2028 considera uma estabilização nos referidos 6,7%.
Segundo o antigo credor, a inflação também pesará menos este ano do que espera o Governo. Para o FMI, o aumento dos preços no consumidor rondará 2,2% em 2024; para o Executivo, a inflação média do ano deve chegar a 2,5%.
Nas contas públicas, de acordo com um levantamento feito pelo DN/Dinheiro Vivo da base de dados do novo Outlook, o FMI aprova o mesmo valor de excedente previsto no OE socialista (que está em vigor), cerca de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB), mas aqui as Finanças já antecipam uma margem ligeiramente superior, de 0,3%.
Já no peso da dívida pública, Portugal sai melhor na fotografia internacional. Ao passo que o Governo de Luís Montenegro antevê uma descida do rácio de 99,1% do PIB em 2023 para 95,7% no final deste ano, o FMI estima que o corte no fardo da dívida possa ser superior em um ponto percentual, caindo para 94,7% do PIB. É significativo: serão menos 650 milhões de euros no stock devido aos credores nacionais e internacionais, na sua maioria bancos e fundos de gestão de ativos.
Se assim for, o FMI é a primeira instituição internacional a confirmar que em 2023 e em 2024, Portugal consegue mesmo sair do pódio dos Governos mais endividados da Zona Euro (esteve em terceiro lugar durante anos a fio até 2022, atrás de Grécia e Itália). O país desce para sexto lugar. Em 2024, aparece muito menos endividado que o quinto do ranking, a Bélgica (rácio de 105,4% do PIB), do que Espanha (106,3%), França (111,6%), Itália (139,2%) e Grécia (158,8%).
Ainda no plano macroeconómico, o FMI estima um avanço mais modesto das exportações totais portuguesas este ano, com uma previsão de 2,8%, abaixo dos 3,1% previstos pela tutela do ministro Miranda Sarmento.
Em contrapartida, o Fundo está mais otimista quanto à evolução das importações (que comem valor ao PIB): prevê um aumento das compras portuguesas ao exterior na ordem dos 3,4%, bem menos do que dizem as Finanças (4%).
Portugal converge
A Zona Euro continua a sua árdua tentativa de sair da estagnação e de contrariar os efeitos da subida abrupta das taxas de juro do Banco Central Europeu.
Segundo o FMI, depois de um crescimento anémico de apenas 0,4% no ano passado, puxado para baixo pela recessão de 0,3% na Alemanha, o maior país da moeda única europeia, a Zona Euro acelera para 0,8%, cerca de metade do ritmo previsto para Portugal, daí a possibilidade de convergir mais com a Europa este ano.
Esta previsão para a área do euro contrasta com o crescimento de 2,7% previsto para os Estados Unidos em 2024, ou os 3,2% projetados para a economia mundial.
A Alemanha pode sair da recessão, mas não deve crescer mais do que 0,2% este ano (praticamente, uma estagnação). A economia de Espanha, maior parceiro económico de Portugal, avança 1,9%, o que se traduz numa forte travagem face a 2023 (2,5%).
FMI pede contenção ao BCE na descida de juros
O economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier Gourinchas, disse ontem, na conferência de imprensa de apresentação do Outlook económico, que “o crescimento na Zona Euro irá recuperar, mas a partir de níveis muito baixos, uma vez que os choques do passado e a política monetária restritiva pesam sobre a atividade”.
No entanto, “a continuação do elevado crescimento dos salários e a persistência da inflação dos serviços [como é o caso do portentoso turismo] poderão atrasar o regresso da inflação ao objetivo [2%]”.
“Ao contrário dos Estados Unidos, há poucos indícios de sobreaquecimento e o Banco Central Europeu terá de calibrar cuidadosamente a orientação para a flexibilização monetária, a fim de evitar uma subida da inflação”. Ou seja, deve ter cuidado com o timing e o ritmo das descidas de taxas de juros. A primeira é esperada em junho pela maioria dos observadores e dos mercados.
Ainda sobre a Europa, Gourinchas observa que “embora os mercados de trabalho pareçam fortes, essa força pode revelar-se ilusória se as empresas europeias tiverem estado a acumular mão-de-obra em antecipação de uma retoma da atividade que não se vai concretizar”. Dito de outra forma: o risco de haver mais desemprego é real e problemático, pois agrava o estado de estagnação que a Zona Euro está a tentar abandonar.