“Estado é capaz de corrigir trajetórias erradas da IA”
A Inteligência Artificial (IA) pode ser “corrigida” caso siga rumos errados e as democracias precisam de regras para o uso desta tecnologia e das redes sociais. Este é o resumo de um debate de alto nível realizado ontem em Madrid, com mais de 20 autoridades e especialistas.
“Temos instituições que podem corrigir trajetórias erradas da utilização da Inteligência Artificial”, disse Vitalino Canas, presidente do Fórum de Integração Brasil Europa (FIBE), entidade organizadora da discussão na capital espanhola.
O jurista português acredita que o Estado de Direito possui instituições para regular e “corrigir” possíveis trajetórias da Inteligência Artificial, como já tem sido feito. A Comissão Europeia, por exemplo, já aprovou um regulamento sobre a matéria, enquanto países como o Brasil começam a discutir o tema. Alguns dos palestrantes envolvidos neste debate do outro lado do Atlântico estiveram no fórum, como o senador Eduardo Gomes, relator da Comissão sobre IA no Brasil, e Ricardo Villas Bôas Cueva, ministro do Superior Tribunal de Justiça que preside à Comissão de Juristas constituída para propor subsídios à regulação da Inteligência Artificial.
A maior parte dos palestrantes concordou que, em algumas áreas, o uso desta tecnologia deve ser banida, como no caso das guerras. Por outro lado, é pacífico que, no setor da Saúde, traz benefícios. Em relação à democracia, a diversidade de opiniões é maior, não sobre a importância e necessidade, mas sobre como executar.
Aliás, democracia foi a palavra mais repetida durante o evento e o exemplo brasileiro veio à tona diversas vezes, não só pelos convidados brasileiros, mas também espanhóis, como Francisco Balaguer Callejón, professor catedrático da Universidade de Granada, que ressaltou a importância da atuação do judiciário na defesa do Estado Democrático de Direito.
Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), relembrou que a conversa hoje poderia ser sobre “a derrocada” da democracia no Brasil, em referência aos ataques de 8 de janeiro de 2023. “Mas, ao contrário, a gente apresenta o resultado de um sucesso”, que “serve de exemplo de que instituições fortes impediram a debacle da democracia no Brasil”, reforçou o decano do STF.
Paulo Gonet Branco, atual procurador-geral da República do Brasil e ex vice-procurador geral eleitoral, diz que também é importante analisar a motivação das pessoas em acreditarem na desinformação e tomarem decisões a partir disso. A mesma opinião é partilhada pelo professor Francisco Balaguer Callejón, que defende que é preciso “compreender os fenómenos” antes de propor regras e regulamentações, que considera necessárias.
Ao mesmo tempo, o procurador-geral brasileiro diz não ter dúvidas sobre a necessidade de estabelecer regras para preservar a democracia: “O ataque com fake news, o direcionamento de notícias falaciosas para um grupo que se auto-alimenta disso, é um dos riscos para a democracia e cabe às instituições atuarem nesse campo para prevenir esse tipo de risco.”
Uma destas medidas foi a recente aprovação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de uma resolução que vai reger as eleições municipais brasileiras neste ano. As plataformas serão responsabilizadas caso não removam conteúdos e contas consideradas de risco, como condutas, informações e atos antidemocráticos tipificados no Código Penal, bem como o discurso de ódio. Os exemplos citados no documento são racismo, homofobia, ideologia racista e outras formas de discriminação. Em relação ao uso de IA, os conteúdos criados com essa tecnologia terão de ter um rótulo de identificação, além de restrições quanto à utilização de chatbots e avatares.
amanda.lima@globalmediagroup.pt
A jornalista viajou a convite da FIBE