Protestos estudantis nos EUA. Pode Gaza transformar-se no Vietname de Biden?
Joe Biden estudava Direito em Syracuse (Nova Iorque), em 1968, numa altura em que as universidades norte-americanas estavam transformados num campo de batalha contra a guerra do Vietname. A pressão foi tal que, em 1968, com outros problemas à mistura, o então presidente Lyndon B. Johnson acabaria por desistir da reeleição. Mais de meio século depois, os protestos contra a guerra em Gaza e o apoio dos EUA a Israel voltam a invadir as universidades e Biden, que nunca participou na contestação enquanto estudante, tenta evitar que Gaza seja o seu Vietname e ter o mesmo destino de Johnson.
O presidente norte-americano quebrou ontem o silêncio em relação aos protestos, insistindo em defender o direito à liberdade de expressão (mesmos daqueles que estão contra o seu apoio a Israel), mas criticando o recurso à violência. “A dissidência é essencial para a democracia, mas a dissidência nunca deve levar à desordem ou à negação dos direitos dos outros”, disse, rejeitando contudo o pedido dos republicanos de chamar a Guarda Nacional para intervir. Nos protestos contra a guerra no Vietname, quatro estudantes foram mortos pela Guarda Nacional na Universidade de Kent, no Ohio.
Biden estaria ontem a acordar em Washington quando, ainda madrugada em Los Angeles, centenas de polícias passavam das palavras à ação e desmantelavam o acampamento pró-palestiniano montado há cerca de uma semana no campus da Universidade da Califórnia. Mais de 200 pessoas terão sido detidas, elevando para mais de duas mil as que foram presas nas últimas semanas neste tipo de ação em mais de 40 universidades em todo o país, de acordo com as contas do The Washington Post.
“Destruir a propriedade não é um protesto pacífico. É contra a lei. O vandalismo, invasão de propriedade, partir janelas, forçar o cancelamento de aulas e de cerimónias de graduação... nada disto é um protesto pacífico”, reiterou Biden, numa declaração não prevista na Casa Branca antes de partir de viagem para a Carolina do Norte. Até agora, o presidente tinha optado pelo silêncio, tendo apenas condenado os protestos “antissemitas”e “os que não percebem o que está a acontecer com os palestinianos”.
Mas a pressão para que Biden quebrasse o silêncio tinha vindo a aumentar, alimentada pelos republicanos que veem neste tema uma arma de campanha e por aqueles que já fazem comparações com a guerra no Vietname. Apesar de os EUA não terem soldados em Gaza, como tinham no Vietname, são muitas as vozes que se levantam contra o apoio que enviam a Israel. Um grupo de meia centena de congressistas democratas tem pedido a Biden para suspender a ajuda e pressionar Israel para não fazer uma operação terrestre em Gaza.
Apesar dos protestos, Biden diz que isso não o faz equacionar mudar de posição e critica os que tentam fazer política com isso. “Em momentos como este, há sempre aqueles que se apressam para tentar marcar pontos políticos”, disse o presidente. “Mas este não é um momento para política, é um momento para clareza”, acrescentou, insistindo que os protestos violentos não são protegidos nos EUA, ao contrário dos protestos pacíficos.
Impacto do voto
Os protestos podem, contudo, sair-lhe caro. Desde logo, no voto dos mais jovens, num momento em que Biden não se pode dar ao luxo de perder qualquer apoio. O problema, dizem os especialistas, não é os jovens irem votar Trump - que apelidou os manifestantes de “lunáticos e simpatizantes do Hamas”, defendeu as ações policiais para desmantelar os acampamentos e instou Biden a falar, acusando-o de ser “anti-Israel”. O problema é simplesmente os jovens não irem votar. E diante da base leal de seguidores do republicano, o democrata precisa de todos os votos.
Uma sondagem de Harvard, do mês passado, indicou que Biden está à frente de Trump por oito pontos percentuais nos eleitores entre os 18 e os 29 anos. O problema é que, há quatro anos, a mesma sondagem colocava o atual presidente 23 pontos à frente do adversário republicano. “Cada dia que os democratas não conseguem estar unidos por um cessar-fogo permanente, uma solução de dois Estados e o reconhecimento do Estado palestiniano, mais e mais jovens ficam desiludidos com o partido”, disse a organização de estudantes College Democrats of America.
Mas não são só os jovens que Biden arrisca perder. As primárias já permitiram ver como o eleitorado está a responder ao apoio a Israel. No Wisconsin, mais de 47 mil pessoas votaram na opção “sem instruções” (na prática votaram em nenhum dos candidatos), como parte de uma campanha orquestrada de protesto contra a guerra em Gaza. Em 2020, Biden venceu neste estado as presidenciais por apenas 21 mil votos. Antes, mais de cem mil eleitores no Michigan tinham votado “descomprometido”, sendo que Biden só venceu por 154 mil votos há quatro anos.
A tomada de posição de Biden dificilmente irá acalmar a situação, mesmo se o final do ano letivo está à porta - protestos já estão marcados para a convenção democrática, em agosto. Para o presidente, quando mais cedo houver um cessar-fogo em Gaza, melhor. Não que o problema desapareça, mas a seis meses das presidenciais, poderá deixar de ser um argumento central quando começar a campanha. Se a situação no terreno não se alterar e persistir a guerra, o tema arrisca marcar o período eleitoral.
susana.f.salvador@dn.pt