Pedro Rocha / Global Imagens
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Reportagem: "Sem subsídios à agricultura, os campos ficam ao abandono"

Os agricultores planeiam as campanhas conforme os apoios que recebem da época anterior. Em dezembro, já tinham lançado as sementes à terra, foram surpreendidos com um corte de 60 milhões de euros no valor que lhes estava prometido.
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José Azoia explora 150 hectares de terras no Ribatejo e é um dos cerca de 15 mil lavradores – número calculado por Nuno Mayer, um dos porta-vozes do Movimento Civil de Agricultores – que esta quinta-feira cortaram estradas e bloquearam acessos a autoestradas. Protestaram contra a decisão do Governo de cortar os apoios à produção nas vésperas de começarem a ser pagos.

O principal problema dos agricultores, diz ao DN José Azoia, nem são os preços e os prazos de pagamento impostos aos produtores pelas grandes superfícies: “Podiam valorizar um pouco mais o nosso trabalho, mas pagam, embora a 90 dias, mas pagam”. O que não lhe parece bem é a “pouca vergonha” de o Governo ter alterado os valores dos subsídios sem aviso prévio.

Os agricultores entregaram as candidaturas aos apoios em finais de agosto. Deviam tê-lo feito três meses antes, mas sucessivos erros informáticos na plataforma eletrónica oficial arrastaram a demora nas candidaturas. Seja como for, os agricultores ficaram a saber em agosto quanto é que iriam receber em ajudas financeiras.
“Nós planeamos a campanha agrícola seguinte em função do valor que vamos receber”, diz José Azoia.

Sem esses apoios não há agricultura – em Portugal e no resto dos países da Política Agrícola Comum. A Comissão Europeia espera gastar, entre 2021 e 2027, cerca de 380 mil milhões de euros em subvenções à agricultura. Os custos da produção superam os preços pagos pelos consumidores. Um quilo de batatas, segundo José Azoia, “custaria duas vezes mais no supermercado” caso fossem cortados os subsídios aos produtores: “Sem os apoios à agricultura os campos ficam ao abandono”

José Azoia faz algum trigo, colza, feijão e grão em regime de rotatividade. Foi surpreendido com o valor dos apoios que lhe chegaram no último mês de dezembro: “Pagaram-me menos 30 por cento do que devia ter ter recebido”. A segunda prestação, liquidada em finais de janeiro, veio com outro corte – agora de 25 por cento. Foi a gota de água.

Agricultores de norte a sul a país manifestaram-se indignados na redes sociais. Alguém teve a ideia de criar um grupo no WhatsApp – e assim nasceu o Movimento Civil de Agricultores, que se apresenta como “espontâneo e apartidário”. As notícias vindas da Alemanha e de França, com centenas de milhares de agricultores em protesto, foram uma inspiração. O facto de o Governo ter anunciado um pacote de mais de 400 milhões não os travou.

Esta quinta-feira, de norte a sul do país, milhares de tratores em marcha lenta bloquearam estradas. A manifestação teve maior repercussão em Coimbra. Mais de 400 tratores e máquinas começaram a entrar na cidade, pelas 14h00, no seguimento de uma marcha lenta pela estrada nacional desde Montemor-o-Velho. À tarde, os manifestantes cortaram totalmente a Avenida Fernão de Magalhães. À hora do fecho desta edição, ainda sem resposta a um caderno reivindicativo que apresentaram na Direção-Geral de Agricultura do Centro, não pretendiam desmobilizar. Têm a solidariedade do presidente da Câmara, José Manuel Silva: “A agricultura é essencial e estratégica para Portugal e, por isso, temos de apoiar e dar condições para que os nossos agricultores sobrevivam”, disse o autarca.

Os agricultores que bloquearam a fronteira do Caia, em Elvas, começaram a desmobilizar à noite depois de receberem a garantia, dada pelo Instituto de Financiamento da Agricultura (IFAP) e das Pescas, de que vão receber até final deste mês os apoios à produção que lhes tinham sido retirados – no valor de 60 milhões de euros.
“Vamos desmobilizar, penso que a nível de todo o país, a nossa manifestação”, disse à Lusa José Eduardo Gonçalves, um dos porta-vozes do movimento. “OIFAP não é uma entidade política, é a entidade que paga aos agricultores e a garantia dá-nos uma certa tranquilidade”, disse Eduardo Gonçalves. Mas deixa um aviso: no caso de a promessa de pagamento não ser cumprida “voltaremos à rua”.

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