No momento em que se comemoram os 50 anos do ensino do Design em Portugal, é importante revisitar as origens, a semente que gerou este fenómeno e o crescente interesse que esta área veio a tomar no panorama nacional..Existe sem dúvida um momento na história em que surgem autores de referência: Sebastião Rodrigues, Vítor Palla ou Lima de Freitas, o primeiro diretor do IADE, entre outros. Mas esse período já vem sendo recorrente quando se fala de design gráfico em Portugal. Este recorte temporal em particular é anterior, começa na viragem do século XIX e abarca o período que habilmente foi chamado de "Modernismo Feliz" na exposição de 2012 que teve lugar no Museu do Chiado..À semelhança de movimentos que se alastravam pela Europa, Portugal vivia um tempo conturbado no início do século XX. Os movimentos revolucionários e a comoção social alastravam e viriam a culminar na implantação da República. A estes factos não eram indiferentes os meios de comunicação da altura, nos quais despontava a crítica pela sátira..Uma das principais figuras neste domínio era Raphael Bordallo Pinheiro. O seu ecletismo tornou-se um paradigma para todos os designers pioneiros como ele. Pintor, ator, ilustrador, ceramista e jornalista, esta profusão de interesses e competências é uma das características indeléveis que a maioria dos autores deste período tem. A outra, e não menos importante fator de diferenciação, é a manualidade do desenho..Eu sou designer de formação - licenciei-me no IADE em 1997 -, mas sou acima de tudo um apaixonado pelo desenho. O desenho é a forma de comunicação mais elementar que possuímos. Antes de escrever, até antes de falarmos com correção, todas as crianças começam por desenhar. Um lápis e um pedaço de papel, ou a parede ou o sofá, tudo serve como base para experimentar. A certo momento do crescimento as crianças, nós pais, afastamo-las do desenho em benefício das línguas e da matemática, enfim coisas mais sérias. No entanto, paradoxalmente, os adultos, todos ou quase, apreciam a capacidade de desenhar. Causa espanto, causa admiração..Estes autores, monstros sagrados do grafismo, Raphael Bordallo Pinheiro primeiro, Almada Negreiros, Stuart Carvalhais e Jorge Barradas (entre outros) depois, todos desenhavam extraordinariamente bem e todos cultivaram a comunicação pelo desenho..Na altura, não havia treino formal em Design. Aliás, o vocábulo só muito mais tarde será introduzido em Portugal, na década de 1970 e muito por responsabilidade do IADE. O percurso normal seria, então, a aprendizagem em belas-artes e a posterior aventura no campo do grafismo e da comunicação. Os formatos eram variados, assim como as temáticas, desde o humor à sátira política e social, aos anúncios, ao lettering (desenho de fontes ou tipos), passando pela composição e pela ilustração. A produção manual deste tipo de elementos é bastante exigente, há considerações que não se compadecem com as vanguardas artísticas, o fito é comunicar e a comunicação deve ser clara. Para além disso, existe a necessidade de cumprir prazos..Nada disto teria acontecido, porém, se não houvesse uma efervescência enorme na imprensa da época. A quantidade de publicações que apareciam, efémeras, e que depressa desapareciam para dar lugar a outras constituiu uma oportunidade soberana para o despontar desta figura que mais tarde seria o designer..Destas cumpre-me destacar A Paródia e a ABC, que desempenham um papel essencial neste processo uma vez que as capas das revistas passam a assumir características, no seu tratamento, que as aproximam do cartaz (José Bártolo)..A Paródia é uma publicação de Raphael Bordallo Pinheiro, na qual está presente toda a sua sagacidade jornalística aliada às capacidades de ilustrador satírico, de compositor de página e de designer de tipos. No caso da ABC (1920), a temática das capas é ilustradora de uma modernidade urbana cuja imagética remete mais para o contexto internacional do que para a realidade nacional. Dá-se um grande destaque à mulher enquanto símbolo cosmopolita, mostrando a emancipação feminista que só seria conseguida em Portugal já pós-revolução, cinquenta anos mais tarde..O valor da capacidade manual sofreu muito com o advento da revolução informática. Nos dias que correm, a perceção do valor do designer está subjugada ao premir de teclas e ao apontar do rato, assim como grande parte da produção do trabalho do designer tornou-se maquinal, sob o jugo dos números e da economia de grande escala. Felizmente o mercado de luxo tem vindo a dar valor ao erro, ao único, e nesse capítulo a manualidade volta a surgir como uma opção viável e diferenciadora. E é este o novelo em que se encontra o design gráfico. Mais do que nunca, é importante revisitar o passado e aprender com estes nossos mestres.. Ricardo Loução é professor auxiliar e coordenador científico da área de Design no IADE, onde leciona desde 2011. Doutorado em Design, mantém também essa atividade profissional, tendo como principais pontos de interesse de investigação a ilustração, o design para jogos e a gamificação.