FCP, Boavista e Salgueiros: futebol bem à moda do Porto

O FC Porto é o principal representante de uma cidade que tem no britanizado Boavista e no bairrista Salgueiros dois clubes portadores de história rica e grande impacto social.
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Não só de azul e branco se pinta o futebol no Porto e a paixão clubística dos portuenses. É verdade que o FC Porto é o emblema mais antigo e representativo da cidade em termos sociais e desportivos, mas também o Boavista Futebol Clube e o Sport Comércio e Salgueiros têm uma história para contar.

Os dragões foram fundados em 1893, mas refundados em 1906, três anos depois do nascimento dos boavisteiros e cinco antes dos salgueiristas. Os três foram o porta-estandarte das respetivas zonas da cidade, mas os portistas deram um salto de popularidade. "Foi fundamental o facto de o FC Porto ter crescido muito para lá das suas origens locais (Constituição), enquanto o Boavista (Boavista) e o Salgueiros (Paranhos) ficaram socialmente mais ligados a essas zonas, embora com adeptos e sócios espalhados por toda a cidade", explica João Nuno Coelho, investigador, comentador e autor de diversos livros sobre futebol.

O crescimento do FC Porto, diz o historiador, "teve também muito que ver com o seu ecletismo, espalhando a sua atividade a muitas modalidades, ao mesmo tempo que ia criando filiais por todo o país". "Como quase todos os clubes nessa fase do desporto português, nasceu entre as classes mais abastadas - incluindo a colónia inglesa -, as únicas que podiam dar-se ao luxo de praticar desporto, neste caso o futebol. Mas o FC Porto rapidamente se estendeu a todas as classes, mormente a partir das décadas de 1920 e 1930, com as primeiras grandes conquistas no futebol", diz, lembrando que este foi o vencedor das primeiras competições nacionais: o Campeonato de Portugal em 1922, o Campeonato da Liga em 1934-35 e o Campeonato Nacional em 1938-39.

1. Do ascendente britânico ao xadrez

O Boavista teve origem na comunidade inglesa radicada no Porto, ligada ao vinho do Porto (Casa Graham"s), começando por se chamar Boavista Footballers. Porém, foi perdendo essa ligação às raízes dos fundadores. "O ascendente britânico no clube levantou problemas logo em 1905, porque os jogadores portugueses da equipa queriam jogar ao domingo, enquanto os britânicos preferiam, claro, o sábado. E assim, em 1909, os ingleses saíram da direção do clube e este mudou o nome para Boavista Futebol Clube. Entretanto, já o clube jogava em terrenos localizados na zona do Bessa, onde ainda hoje está localizado o seu estádio", conta João Nuno Coelho.

Embora o FC Porto tivesse vencido quase todos os campeonatos regionais do Porto, competição que se disputou entre 1913 e a década de 1940, o primeiro seria conquistado pelo Boavista, em 1913-14. Nessa altura, ainda o emblema boavisteiro equipava somente de preto, passando a utilizar a camisola xadrez apenas nos anos 1930, "uma excentricidade que tornaria o clube mais conhecido, mesmo à escala internacional, quando nos anos 1990 conseguiu boas campanhas nas competições europeias" e ganhou a alcunha de "clube das camisolas esquisitas".

2. Bairrismo e Benfica como inspiração

Dos três maiores da cidade, o Salgueiros "é o clube com a base social mais popular". "Nasceu em 1911, fundado por operários, com a denominação Sport Grupo Salgueiros, em referência à fábrica com o mesmo nome, onde trabalhavam quase todos os fundadores e atletas do clube. Foi desde sempre um clube muito popular, ao contrário de outros que tiveram uma origem mais elitista, e em 1916 o clube até mudou de nome porque era visto como um simples grupo de rua, passando a chamar-se Sport Porto e Salgueiros, também porque as suas cores eram o vermelho e o branco, como o Benfica. Daí a ligação dos dois clubes, com muitos adeptos do Salgueiros a terem também simpatia pelas águias", frisa João Nuno Coelho.

A base social de apoio dos salgueiristas foi reforçada em 1920, quando se fundiu com o Sport Comércio. "Seria após esta fusão que o Sport Comércio e Salgueiros entraria no caminho do crescimento, obtendo melhores resultados desportivos e muito maior popularidade nas décadas de 1920 e 1930", afirma o investigador, apesar de o popular clube de Paranhos ter conquistado o seu primeiro título importante em 1918, o Campeonato Regional do Porto.

3. Explosão no pós-25 de abril

Cedo o FC Porto "começou a ser visto como o representante por excelência da Cidade Invicta, na competição com os maiores representantes da capital, e muita da identidade portista está ligada exatamente à rivalidade com os clubes de Lisboa, sempre vista como centralista, que prejudicava os interesses da segunda cidade do país", diz João Nuno Coelho, que aponta essa ideia como justificação para o alargamento da base social dos dragões por toda a Zona Metropolitana e por todo o país.

Porém, a rivalidade futebolística entre Porto e Lisboa "atingiu um ponto mais aceso após o 25 de Abril, quando figuras como José Maria Pedroto (treinador) e Pinto da Costa (presidente), entraram em conflito claro com as instituições do futebol por considerarem que o FC Porto era prejudicado desportivamente, o que explicaria o menor sucesso do clube entre as décadas de 1940 e 1970". "A verdade é que tudo mudaria, com o clube a ganhar preponderância competitiva, conseguindo mesmo ganhar a luta pelo domínio do futebol português nas décadas finais do século XX e a inicial do século XXI", acrescenta o investigador, sobre um período dourado da história dos dragões, que também se impuseram internacionalmente com as conquistas dos títulos europeus em 1987 e 2004.

Foi também após o 25 de Abril que o Boavista e o Salgueiros viveram os seus períodos áureos em termos desportivos. "O Boavista viveria até à década de 1970 entre a primeira e a segunda divisão, mas a partir de então, graças ao trabalho do seu novo presidente, Valentim Loureiro, e do treinador José Maria Pedroto, conseguiria tornar-se um dos clubes que mais batiam o pé aos grandes do futebol português, ganhando inclusivamente cinco Taças de Portugal em seis finais.

E, mais importante do que isso, o Boavista conseguiu uma proeza quase inverosímil quando em 2000-01 alcançou o título nacional", lembrou o autor de livros como Nacionalismo, Futebol e os Media (2001), A Nossa Seleção em 50 Jogos, 1921-2004 (2004) e Futebol Globalizado (2006).

Um pouco mais tarde, na década de 1980, o Salgueiros tornou-se presença habitual na I Divisão, ganhando notoriedade com boas classificações no campeonato e o apuramento para as competições europeias em 1991.

"Infelizmente, depois de mais de duas décadas entre os grandes, fazendo-lhes a vida negra em muitos jogos emocionantes no velhinho Campo Vidal Pinheiro, o clube foi afetado por uma gravíssima crise financeira que levou mesmo à extinção e ao renascimento com outro nome, o Salgueiros 1911, que até o seu estádio perdeu", remata João Nuno Coelho. Entretanto, o nome anterior foi recuperado e o popular emblema de Paranhos procura reerguer-se nos campeonatos distritais do Porto e voltar a afirmar-se como um clube a ter em conta nos patamares nacionais.

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