Glória matinal e outras nuvens. Este é o clube de malucos por elas
Sabe-se que a poesia é um género literário que vende pouco. Se calhar é porque tem uma concorrência desleal: a das nuvens, de leitura gratuita, sobretudo para quem quer evitar despender o tempo todo a olhar para os sapatos. Ou se calhar não. Basta fazer um breve levantamento dos hábitos contemporâneos e um exame de consciência para conferir que existe um desperdício cada vez maior desses poemas à borla. Não é vulgar chegar ao balcão de um tasco e alguém exclamar: "Eh pá, ontem vi uma nuvem que nem imaginas!" Era giro mas não acontece.
Desvalorizamos a beleza das nuvens porque a temos em barda. Porque todos dela podemos desfrutar, graciosamente, na autoestrada ou pela janela do notário. Se apenas o nosso vizinho tivesse acesso às nuvens iríamos cobiçá-las como quem cobiça um Bentley. Fica a ideia para os deuses.
São raros aqueles que são gratos à beleza sempre incerta dos céus. O inglês Gavin Pretor-Pinney, presidente da Cloud Appreciation Society (qualquer coisa como Sociedade de Apreciação da Nuvem), é uma dessas pessoas que podíamos encontrar no passeio a trocar uma pesquisa desnecessária no iPhone pela observação atenta e interessada das nuvens. Sem medo de ser tomado por louco.
Pelo tom de voz e pelo modo sério como escolhe as palavras, parece ser - irresistível não deslizar para a expressão - um homem com os pés bem assentes na terra. É obrigado a sê-lo: gere uma sociedade que, tendo sido iniciada num festival literário, junta cerca de 50 mil membros, espalhados pelo globo. O autor de The Cloudspotter"s Guide, um guia concebido para ajudar (e educar) o apreciador de nuvens, chama a atenção para o carácter igualitário do gesto de valorizar esteticamente as formações nebulosas do céu que nos protege. "Não é preciso viajar para o outro lado do mundo, ir à procura de um lugar exótico qualquer. Basta parar, estacionar o carro, fazer uma pausa no trabalho, e olhar." Isso: um regresso à infância, altura em que se procura dar significados fantasiosos ao grafismo irregular das nuvens. O vício de associar o céu nublado à infelicidade e o sol à alegria é um maniqueísmo de adulto que Gavin rejeita. "E é prejudicial a mania de os apresentadores de programas de meteorologia darem a ideia de que quando faz sol é que é bom."
Olhar as nuvens tem, para Pretor-Pinney, benefícios vários, enumerados no manifesto da sociedade, que pode ser encontrado no site oficial. Talvez o principal seja o de desburocratizar os pensamentos e ajudar à criatividade. Ou por outra: o de incentivar a que se ande nas nuvens, a que os pensamentos andem à solta, entre o consciente e o subconsciente, explorando zonas que não conseguem ser encontradas quando se está a ver posts de Facebook. Ah, e ajuda a evitar a psicanálise. E ainda nos torna mais unidos, menos arrogantes e propensos a movimentos pouco recomendáveis. "Não acredito que quem gosta de apreciar nuvens tenha como atividade principal a de roubar bancos."
É um paradoxo interessante, este. O movimento coletivo de olhar os céus faz de um alegado inimigo, a internet, onde se perde tanto tempo a assistir a lixo visual, o maior dos aliados. Sim, a Sociedade de Apreciação da Nuvem só existe por causa da internet e usa-a para convidar a que se faça log off. Inteligente.
Apesar de ser uma atividade que pode e deve ser feita na rua em que se mora, também pode convidar a viagens. O igualmente fundador da revista inglesa The Idler, convite literário à contemplação e ao ócio, já viajou para países com fenómenos nebulosos raros e próprios, como a Austrália, onde pôde ver a Morning Glory Cloud (Nuvem Glória da Manhã), impressionante nuvem-rolo, que atravessa os céus no período de setembro a novembro.
Importante saber que quem se tornar membro desta Sociedade de Apreciação da Nuvem, além de fazer viagens, já programadas, a países como a Noruega e a Finlândia, entrará numa espécie de "tens uma nuvem para a troca?". Irá receber por e-mail fotografias de todo o tipo de nuvens, textos a acompanhar, calendários, citações, referências culturais e poderá instalar uma aplicação que permite identificar o tipo de nuvem que se está a ver. "O utilizador envia a foto para nós e damos-lhe a informação."
É de aproveitar o mestre, hoje dedicado em exclusivo à causa e a viver no campo, onde pode sentir com maior intensidade cada uma das estações do ano, para aprender alguma coisa. Se o cronista lhe disser que nasceu numa ilha no coração do Atlântico, tem um serviço gratuito ao telefone. Ouve falar da abundância de lenticularis, nuvens resistentes à ventania, que se formam em zonas montanhosas e em colinas e que podem assemelhar-se a discos voadores. É outro benefício de se fazer parte desta sociedade: poder impressionar quando se volta a casa.