O tempo está maluco? Estes meteorologistas fazem as suas próprias previsões
Uma tarde de agosto de 1977. Hélder Silvano, então adolescente, e um amigo estavam no meio da barragem de Castelo de Bode quando de repente o tempo mudou e o céu azul deu lugar à chuva e à trovoada. O primeiro impulso foi sair dali, ou não fossem os únicos para-raios em largos metros. Mas, azar dos azares, o barco avariou. Tudo acabou por correr bem - "fomos resgatados por outro barco", recorda -, mas foi nesse dia que Hélder, hoje com 57 anos, prometeu a si próprio nunca mais sair de casa sem saber como ia estar o tempo.
Decidiu tomar para si essa tarefa já lá vão 41 anos, mas agora já não o faz só por curiosidade pessoal. "Pedem-me previsões a torto e a direito, ou porque vão de férias, fazer uma viagem, ou porque têm culturas." O tom até pode parecer de queixa, mas se há coisa que Hélder Silvano, natural de Abrantes, não se cansa é de ver cartas meteorológicas e fazer previsões. Ultimamente, voltou a olhar com mais interesse para as tempestades, mas agora de inverno, mais precisamente "as de génese tropical".
Foi o caso do recente furacão Leslie. "Estão a acontecer grandes alterações no Atlântico. Normalmente estas tempestades tinham uma área de atuação que era sobretudo das Caraíbas, da costa leste dos EUA. Acontece que estão cada vez mais a aparecer nas nossas costas", constata o antigo professor. Este comportamento inesperado fascina o homem que vai dando conta do tempo na sua cidade e distrito através da página Meteo Abrantes.
O antigo professor de Português nunca seguiu profissionalmente a carreira de meteorologista, devido "às fracas perspetivas de emprego", mas manteve o hobby sempre perto. Passou por todas as fases: do aparelho para ligar à TV cabo e que dava acesso às previsões do canal italiano RAI, a uma primeira estação meteorológica logo que a sua venda foi liberalizada - "houve uma altura que só o instituto de meteorologia é que podia ter" - até à atual estação que tem em casa e à variedade de programas informáticos que permitem calcular com precisão o que acontece a pelo menos a três dias de distância.
A colaboração com a Proteção Civil é cada vez mais estreita: "Estou presente nas reuniões, entro em campo nas situações mais especiais, como o risco de incêndio ou de tempestade. Nos fogos do ano passado, fui algumas vezes entregar previsão mais fina, de períodos de 30 minutos, com velocidade e direção do vento, humidade, temperatura", descreve. Passou também a ter acesso a mais dados das estações meteorológicas da proteção civil distrital, o que lhe permitiu aumentar o nível de dados que disponibiliza na sua página online e também integrar a rede Ciclope (Sistema Integrado de Vigilância Florestal).
Menos fascinado por fenómenos específicos, André Frade gosta mesmo é de dar indicações precisas às pessoas que vivem perto de si. Começou com o projeto Meteo Montijo, até se juntar ao BestWeather - uma página no Facebook que conta com a colaboração de vários meteorologistas amadores e que já tem mais de 70 mil seguidores. Depois de algum tempo indeciso entre "as duas paixões", aos 22 anos acabou de decidir que vai seguir Comunicação Social no ensino superior. Mas a sua história com as previsões do tempo começou logo na infância quando, com apenas 11 anos, pediu aos pais uma estação meteorológica como presente de Natal. "São paixões que nascem connosco, continuo a gostar muito de meteorologia, gosto de acompanhar. No radar de meteorologia consigo saber se daqui a cinco minutos vai chover, se vem uma trovoada ou se vai estar muito frio."
É esse prazer da adivinhação que levou André a juntar-se aos colegas do BestWeather, alargar o âmbito das suas previsões e trabalhar para criar um serviço que seja pago. "Conseguimos fazer as nossas previsões e estamos muito mais próximos do público", assegura.
Tão próximos que previram ainda "há dias a primeira nevada na serra da Estrela. Começámos por dar a indicação uns dias antes de que poderia nevar, depois avisámos que poderia ser nas próximas horas e na própria hora lançámos o aviso. Estamos sempre em cima", exemplifica.
O mesmo aconteceu com o recente furacão Leslie. "A indicação que havia era que o centro fosse em Lisboa, mas umas horas antes, pelos nossos modelos e atualizações, conseguimos avisar as pessoas que o furacão ia passar a norte de Lisboa. Conseguimos essa aproximação à realidade que o IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera] não tem."
Hélder também não deixou de seguir o furacão ou de avisar para a mudança de local onde o Leslie ia passar. A constante atualização e proximidade fazem que o professor surpreenda quem o segue. "A maior parte das vezes ninguém sabe o que se está a passar, eu já aviso, antes do IPMA. Aviso imediatamente e surpreendo as pessoas que não estão à espera. Aconteceu por exemplo com o Leslie que andou às voltas no Atlântico, e só depois é que se dirigiu para aqui [zona centro]."
Este acompanhamento mais próximo e informal pode ser a grande arma dos meteorologistas amadores que estão à mão dos seus vizinhos curiosos, mas também das estruturas locais a que muitas vezes as entidades oficiais não chegam.