Triplo homicídio em Lisboa. “Caso sem precedentes de violência gratuita”
O silêncio que se ouvia na rua Henrique Barrilaro Ruas contrastava com as dezenas de curiosos nas imediações e nas varandas dos prédios. Ao meio, fitas da Polícia de Segurança Pública (PSP) delimitam o perímetro. A escassos metros vê-se o toldo da barbearia que, esta quarta-feira, foi palco de um triplo homicídio em Lisboa, entre as zonas de Santa Apolónia e Penha de França.
Uma mulher falava com um dos vizinhos que assiste ao aparato -- “Coitado do Pina, já viste o que lhe fizeram?”. Carlos Pina, pai de cinco filhos, era o dono da barbearia Granda Pente e foi uma das vítimas do crime. Praticamente todos os moradores do bairro o recordam com estima. Todos, dos mais velhos aos mais novos, gostavam dele. Recordam-no como “o cabeleireiro dos bairros” ali à volta. No meio de todo o aparato, as poucas crianças que por ali estão parecem indiferentes à situação, saltando aqui e ali e não se coibindo de brincar. Tirando isso, o silêncio imperava e ninguém esperou que isto pudesse acontecer.
Para lá dos polícias fortemente armados, dos membros do Laboratório de Polícia Criminal (LPC) e do INEM, mais ninguém passa para lá do perímetro de segurança. Por volta das 18.00 horas, chega a ambulância que, depois, retira os corpos, levando-os para o Instituto de Medicina Legal. No local, uma agente da polícia confessava que os operacionais esperaram 40 minutos pela chegada do Suporte Imediato de Vida. Ao DN, fonte da PSP não confirma, dizendo apenas que a chegada “demorou algum tempo”.
Como aconteceu ao certo, não se sabe. Mas, de acordo com os primeiros dados da investigação criminal, ao que tudo indica, o crime foi um ato fortuito. O assassino terá querido cortar o cabelo, algo que não foi possível. Como retaliação, disparou sobre Carlos Pina. À saída, dizem os moradores, ter-se-á cruzado com Bruno Neto, taxista, e a sua mulher, Fernanda Júlia, que alvejou também de forma mortal. O casal deixa uma filha órfã e Fernanda estava grávida de um segundo filho.
O assassino, conhecido na zona como “o Nando”, morava perto (“ali em baixo”) e era conhecido na zona. Depois do crime, pôs-se em fuga e terá contado com a ajuda de algumas pessoas. Uma caça ao homem foi prontamente montada.
Ainda que a calma e o espanto marcassem o ambiente na Henrique Barrilaro Ruas, por algumas vezes houve focos de tensão entre moradores. A PSP estava atenta e rapidamente dispersou as pessoas. “Crescer e viver num bairro social é isto”, confessa um homem aos jornalistas ali presentes. “Tenho 50 anos e isto tem sido sempre assim”, diz, enquanto o filho que leva pela mão observa o cenário de forma atenta, com a mochila escolar às costas.
O pai pede permissão aos agentes da Equipa de Intervenção Rápida (EIR) da PSP para tentar passar para dentro do perímetro. “Moramos ali, queremos ir para casa”, explica. Os polícias pedem que “espere mais um bocado” e depois passará - mas, cansados de esperar, vão “dar a volta” e tentam entrar por outro lado.
Vários são os moradores que não conseguem passar e contestam essa decisão. Há quem fala em alguma “discriminação” por viver num bairro social. “É sempre isto”, desabafa o pai do rapaz.
A churrasqueira ao lado da barbearia serve de consultório improvisado, com psicólogos a darem apoio a quem necessita. Indiferente a isto tudo está uma oficina de motos, que fecha no fim do horário de expediente (17.00 horas).
PJ fala em “futilidade” e “violência gratuita”
Ao DN, fonte da PJ, que está a acompanhar a investigação assinala que o triplo homicídio que ocorreu “não representa qualquer tendência de aumento deste tipo de violência”.
Nota-se, no entanto, algum recrudescimento deste género de homicídios? A fonte garante que não. “Não temos registado nada com futilidade semelhante. Tratou-se de um caso sem precedentes de violência gratuita. Não há nenhum indício de ligação a crime organizado, como tráfico de droga”.