O fim do mito do “grande estratega” Putin

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Uma boa parte das elites ocidentais comprou o mito de que Vladimir Putin é um masterminder estratégico - um génio geopolítico do calibre de Clausewitz, sagaz como Sun Tzu, tão audacioso como Napoleão. Para estas elites, o líder russo é um príncipe ideal de Maquiavel - despido de moralidade e temido, ainda que não amado - que, qual supremo grande mestre de xadrez de política regional, atinge sempre os seus objetivos estratégicos.

As consequências da invasão da Ucrânia pelo “invencível” exército russo vieram destruir esse mito. Senão vejamos:

a) O repetido desrespeito da soberania e das fronteiras de países vizinhos da Rússia levou à adesão da Suécia e da Finlândia à OTAN e a um progressivo distanciamento de vários países da Ásia Central;
b) A Federação Russa está a perder uma parte relevante da sua população, seja nas frentes de batalha, seja como resultado da emigração de muitos profissionais qualificados e jovens;
c) A Federação Russa tem >300 mil milhões de dólares (mM$) de ativos financeiros soberanos e 200 mM$ de capitais privados congelados em países ocidentais; 
d) Existe um enorme e contínuo fluxo de capitais russos para o exterior;
e) A Federação Russa está cada mês mais dependente da R. P. da China, de tal sorte que importantes aspetos da soberania russa estão em risco;
f) Deixou de haver eleições livres e democráticas na Rússia;
g) Deixou de haver média independentes na Rússia e dezenas de jornalistas independentes foram (e continuam a ser) presos e assassinados;
h) A Rússia vai perder o acesso ao mercado de petróleo e gás europeu, o mais rico mercado do mundo, o mesmo sucedendo em relação a produtos de base e metais críticos;
i) A Rússia está em vias de perder o acesso a lançamentos espaciais e parcerias com agências espaciais ocidentais, de par com a destruição da sua indústria da aviação civil;
j) A Federação Russa vem estreitando laços com entidades terroristas ou que apoiam o terrorismo, minando a sua imagem internacional e cavando ainda mais o fosso com o Ocidente+;
k) A Rússia vem progressivamente ficando com um estatuto internacional de estado-pária (nenhum outro país teve tantas sanções internacionais aplicadas), bem visível nas grandes competições desportivas internacionais.

Por muito que a máquina de propaganda russa venda a imagem de um grande líder, animado por um desígnio - recriar uma Grande Rússia similar à do czar Pedro, o Grande - os factos mostraram quão irrealista esta deriva imperial é, criando uma esquizofrenia na liderança russa em que o wishful thinking (não raro a roçar o pensamento mágico) se sobrepõe à realidade, e a verdade é substituída pela propaganda e pela mitomania.

Putin está longe de ser um génio estratégico. Deixou-se encurralar na Ucrânia e a situação económica e social na Federação Russa é preocupante. Ao contrário do que sucedeu com Pedro, o Grande, cujo papel na História foi lavrado por escribas pagos pelo Império Russo, o registo histórico de Putin será escrito de forma isenta por uma imensa plêiade de historiadores e analistas de todo o mundo. A imagem que ficará para os livros de História será mais próxima de um tolo estratégico que não mediu bem as consequências das suas ações e deixou o país dependente de inimigos históricos multisseculares.

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