Uma mulher para suceder a AMLO num México machista e violento
Nos primeiros três meses deste ano, segundo dados oficiais, o México registou 184 feminicídios - uma média de dois por dia. São crimes cuja causa são razões de género, mas a violência contra as mulheres não se fica por aqui, com pelo menos mais 621 casos de homicídios ligados à insegurança ou à delinquência. Os números são mais baixos do que nos últimos anos, apesar do aumento de chamadas para a linha de emergência ligadas a violência de género - foram mais de 80 mil no primeiro trimestre, um aumento de 5%.
Este é o cenário no México que vai este domingo às urnas para eleger a primeira mulher presidente da sua história. A grande favorita é Claudia Sheinbaum, de 61 anos, do partido Morena - do atual presidente, Andrés Manuel López Obrador (ou AMLO, como é conhecido). Algumas sondagens dão-lhe mais 20 pontos percentuais do que à principal adversária, Xóchitl Gálvez, senadora independente, também de 61 anos, que foi eleita pelo Partido de Ação Nacional e lidera a candidatura da coligação conservadora.
A participação será contudo a chave para decidir a vencedora - sendo quase certo que será do sexo feminino, com Jorge Álvarez Máynez, do Movimento Cidadão, muito afastado, no último lugar do pódio. Estas são as maiores eleições de sempre no México, com 98 milhões de eleitores a serem chamados a eleger também o Congresso Nacional (todos os 500 deputados e 128 senadores), vários Parlamentos regionais e centenas de câmaras, além de sete governadores - no total, são 20 mil cargos em disputa. A violência não afeta só as mulheres, com 22 candidatos assassinados só durante a campanha.
Apesar da cultura machista e da violência, não é de estranhar que o México esteja à beira de eleger uma mulher para o cargo mais importante no país. Há cerca de 20 anos que têm vindo a ser adotadas leis para encorajar uma maior representatividade feminina na política, passando de menos de 20% de mulheres na Câmara dos Deputados e n o Senado para a paridade de género - em 2019 o país tornou-a uma exigência constitucional nos três ramos do governo. As líderes de ambas as câmaras do Congresso são mulheres, o Banco Central tem uma governadora e uma juíza preside ao Supremo Tribunal.
A eleição de uma mulher presidente não significa que sejam esperadas mudanças na noite para o dia no que diz respeito à violência contra o sexo feminino, à diferença salarial entre os sexos ou ao machismo institucional. Mas será um momento simbólico no país, dependendo também da capacidade de a favorita sair da sombra do seu mentor político, o popular presidente, com alguns a considerarem que ela será uma mera marioneta. Nem a sua opositora está livre de ser considerada o mesmo, uma vez que os três partidos da coligação conservadora que representa são todos liderados por homens.
“As pessoas dizem: ‘a única razão por que está à frente nas sondagens é porque ela [Sheinbaum] é o mesmo que o presidente ou porque é a favorita do presidente’”, disse Sheinbaum, citada pelo The New York Times. “Há um traço de misoginia, de machismo aí”, acrescentou. “Sou eu que vou governar”, tem dito. Os seus apoiantes dizem que não pode, em plena campanha, afastar-se do discurso do popular presidente, mas que isso não implica que não o fará no futuro - muitos lembram como, durante a pandemia de covid-19, a cientista defendeu o uso de máscaras, enquanto o presidente recusava usar uma, mesmo quando foi contagiado. O México foi o quinto país em número de mortes.
Os analistas acreditam que Sheinbaum manterá a política de AMLO no que diz respeito à economia e aos programas sociais - a chamada “quarta transformação”, depois da Guerra da Independência, da Guerra da Reforma e da Revolução de 1910. Uma prova é que o ministro das Finanças, Rogelio Ramírez de la O, poderá continuar no cargo. Mas deverá ter uma posição diferente em áreas como o ambiente (a sua especialidade), a energia, a segurança ou a corrupção - uma das promessas passa por uma reforma no organismo das migrações. A dúvida será saber que maioria (se conseguir uma maioria) terá no Congresso para levar a cabo os seus planos.
O legado de AMLO é positivo no que diz respeito ao combate à pobreza, tendo duplicado o salário mínimo nos seus seis anos no poder, mas também marcado por algumas medidas que os críticos dizem pôr em causa as instituições democráticas, nomeadamente a presença dos militares nas empresas públicas ou a tentativa de eliminar a independência judicial. Apesar de tudo, a sua popularidade é de 60%.
Claudia Sheinbaum, a cientista na sombra de Obrador
Neta de emigrantes judeus da Bulgária e da Lituânia e filha de ativistas do movimento político de esquerda dos anos 60, Claudia Sheinbaum nasceu na Cidade do México há 61 anos. Fundadora do Morena, o partido do presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), é a aposta na continuação. Formada em Física e doutorada em Engenharia Ambiental, o seu primeiro cargo político foi como secretária do Meio Ambiente da capital, quando AMLO era o autarca, tendo sido presidente da câmara entre 2018 e 2023. É casada em segundas núpcias e tem dois filhos.
Xóchitl Gálvez, a empresária de raízes indígenas
A aposta da oposição de centro-direita é uma empresária de raízes indígenas (otomi), que em criança vendia gelatinas para ajudar a pagar os estudos. Xóchitl (significa flor) Gálvez nasceu há 61 anos em Tepatepec, uma comunidade rural no Estado de Hidalgo, e estudou Engenharia Informática na capital, tendo fundado uma empresa de sucesso nesta área. Independente, coordenou a atenção aos povos indígenas na presidência de Vicente Fox (2000-2006) e foi eleita para o Senado em 2008 pelo Partido de Ação Nacional. Tem dois filhos com o companheiro.
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