No início de 2019, o auto-denominado “marketer de crescimento” Sujan Patel publicou um artigo sobre as lições que aprendeu ao trabalhar mais de treze horas e meia por dia todos os dias, tirando Sábado. A primeira lição é que “trabalhar no duro compensa” e a segunda é que “a paixão é a sua energia.” O texto é longo e oferece conselhos sobre networking e como esticar o tempo, e mais uma enxurrada de palermices muito populares na cultura da exaustão. Não é difícil encontrar blogues e artigos que ajudam a maximizar dias de trabalho de 12 horas, ensinam a levantar às 4 da manhã e a usar estratégias para fazer 500 projectos ao mesmo tempo e ainda conseguir “ter uma vida.” Alerta noticioso: trabalhar até à exaustão, dormir pouco, saltar por cima de feriados e adiar férias não leva necessariamente até ao pote ao fundo do arco-íris. Não é, de todo, líquido que “compense”, como diz Sujan Patel..Há muitos problemas com estes mantras que permearam a cultura de trabalho. O primeiro é que implicam um sacrifício das horas de sono; abundam os exemplos de milionários que acordam antes dos galos e às 4h30 da madrugada já estão a caminho do ginásio. A privação de noites completas de sono tem consequências nefastas que se acumulam ao longo dos anos, e há simplesmente um ponto em que o corpo não aguenta mais..Depois, parece haver uma confusão entre horas passadas a trabalhar e horas necessárias para fazer o trabalho. Passar o dia inteiro no edifício da empresa não equivale a maior produtividade, como sair a horas decentes não equivale a preguiça. Ser o último a sair do escritório não é necessariamente um emblema de excelência. Passar 12 horas em frente ao computador no ‘home office’ é a melhor receita para chegar a um esgotamento..Não me venham com histórias, e principalmente se forem contadas por homens ricos com uma entourage de motoristas, chefs e empregados de limpeza, como o milionário chinês Jack Ma..O co-fundador do império Alibaba e segundo homem mais rico da China veio com esta conversa na semana passada, defendendo uma vida laboral “996”: das 9 da manhã às 9 da noite 6 dias por semana. Mesmo com a ressalva de que isto é bom para quem gosta do que faz, a ideia é asinina e extremamente enviesada..Ma padece do mesmo mal que assola os manda-chuva de Silicon Valley. Defendem uma dedicação incrível ao trabalho, porque têm quem lhes passe a roupa e uma app que lhes traz comida. Têm quem lhes cuide dos filhos depois da hora de fecho das creches. Acham que não tem mal chegar a casa depois das crianças já estarem a dormir. Ou a ideia é que para se ter sucesso não se pode ter família? Ou isto é só para homens solteiros? Ou melhor, é para homens que têm a mulher em casa a tratar da criançada e a fazer comer?.Devotar o dia todo ao trabalho e considerar isso uma “bênção”, falando de paixão pelo que se faz, é também uma forma de divisão social. Há os sortudos que adoram o seu trabalho e se perdem nele, os que fazem, os que empreendem; e depois há os outros, que têm empregos necessários mas pelos quais não nutrem paixões assolapadas, condenados a uma rotina sofrível, incapazes de se libertarem e a quem é sugerido que vistam a camisola 12 horas por dia, seis dias por semana..Tudo isto é de uma relevância tremenda numa altura em que se fala da eliminação de milhões de empregos pelo advento da inteligência artificial e na necessidade de repensar os dias de trabalho – menos horas, talvez apenas quatro dias por semana. Trabalhar melhor, não trabalhar mais horas, deve ser o foco da empresa do futuro. No fim da vida, ninguém se vai arrepender de não ter trabalhado “só mais uns serões.”