José Nunes da Fonseca: “A NATO tem um papel fundamental no contexto da segurança e da defesa euro-atlânticas” 
Gerardo Santos / Global Imagens

José Nunes da Fonseca: “A NATO tem um papel fundamental no contexto da segurança e da defesa euro-atlânticas” 

Portugal foi um dos 12 países fundadores da NATO, a 4 de abril de 1949, e o chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o general José Nunes da Fonseca, conversou com o DN sobre a evolução de uma organização que ganhou novo relevo após a invasão russa da Ucrânia, a ponto de incluir agora 32 membros.
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A NATO celebra 75 anos dentro de dias. Esta guerra na Ucrânia, iniciada com a  invasão russa de fevereiro de 2022, é um grande teste à Aliança Atlântica e à sua capacidade de reação?
É, sobretudo, uma prova de que a NATO tem um papel fundamental no contexto da segurança e da defesa euro-atlânticas. Porque a Rússia invadiu a Ucrânia e na Europa sente-se que há algo que pode transbordar para lá da Ucrânia. E não é só a vontade de a Ucrânia vir a integrar a União Europeia e a NATO, mas sobretudo uma forma de refrear a vontade da Rússia de se expandir e reafirmar como uma superpotência militar.

A Rússia argumentou que invadiu a Ucrânia exatamente por ser ameaçada pelos alargamentos sucessivos da NATO. Mas depois esta guerra traz um novo alargamento, que é o da Finlândia e o da Suécia, agora concretizado. Estes dois países neutrais entrarem na NATO foi uma surpresa para si?
Uma surpresa não diria, mas uma consequência, porque os estatutos de neutralidade da Finlândia e da Suécia têm décadas, e mesmo após a Segunda Guerra Mundial mantiveram-se neutrais. O que levou estes países a pedir a entrada na NATO foi exatamente a perceção de que algo mais sério poderia ocorrer, nomeadamente, nos seus territórios. E, portanto, a integração numa organização de segurança como a NATO dá-lhes mais garantias de que podem, com o mecanismo de solidariedade, corresponder às tentativas de intervenção da Rússia nos respetivos territórios.

A NATO fica também mais forte com estes dois membros?
Com certeza. Isso é reafirmado por todos nós, os 32 membros.

Mas não é só uma questão numérica, é a própria capacidade militar que estes países têm...
Exatamente. Todos nós temos essa noção. A NATO, contrariamente ao que se esperava nos últimos anos, foi neste milénio que se expandiu praticamente para o dobro. A partir de 1999 entraram 16 membros na organização. Somos 32. Até lá éramos 16, os 12 iniciais e depois mais alguns, Espanha em 1982, por exemplo. E só a partir de 1999 é que entraram todos os outros, os últimos dois, a Finlândia, em 2023, e a Suécia, em 2024.

Em relação à guerra na Ucrânia, Portugal, como vários outros países da NATO, tem dado apoio material e apoio logístico. Isso representa um grande esforço para as nossas Forças Armadas em termos de disponibilidade de material?
Diria que representa um esforço para o país, onde as Forças Armadas têm um papel fundamental. Não é apenas apoio militar, é também apoio de outra ordem, apoio sanitário, etc. Mas para as Forças Armadas nós não regateámos aquele apoio inicial, nomeadamente em equipamento militar de alguma valia. Cedemos carros de combate do Exército, viaturas de combate de infantaria, e isso é significativo. São parte das nossas frotas, das unidades operacionais que temos, que foram cedidas para que a Ucrânia conseguisse atingir os seus intentos de defesa perante a agressão russa.

Como é a articulação na Aliança Atlântica? Há uma relação tradicional entre as Forças Armadas portuguesas e a NATO ou é uma relação permanente? Ou seja, nós somos membros da NATO e isso no dia a dia das nossas Forças Armadas reflete-se de alguma forma?
O modo de interagirmos na NATO é permanente. Temos uma representação permanente ao nível de oficial-general na NATO, mas temos também vários elementos nos seus quartéis-generais, nomeadamente no quartel principal e no quartel operacional, que é o SHAPE, em Mons. Temos dezenas de quadros nossos, militares, que desempenham diariamente essas tarefas. Depois há os compromissos nacionais perante a NATO. E as unidades, sejam da Marinha, do Exército ou da Força Aérea, sabem perfeitamente que têm de atingir determinados parâmetros estabelecidos e harmonizados com a Aliança e que são revistos e confirmados pelas próprias estruturas desta em visitas periódicas aos países membros.

Ou seja, o nosso critério de exigência tem de estar ao nível dos parâmetros da NATO...
Temos de corresponder a esses parâmetros. Não queremos fazer mais do que aquilo que conseguimos, mas aquilo que conseguimos tem de demonstrar que efetivamente atingimos esse objetivo.

Quando falamos da nossa ação na NATO, são visíveis aqueles grandes exercícios militares, mas também há situações operacionais, como, por exemplo, a Força Aérea estar no mar Báltico a fazer operações de vigilância. Esse último caso é o tipo de ação em que é Portugal a servir na NATO efetivamente?
Há duas formas de interagir na NATO e numa força militar. Ou se está a preparar, e a preparação envolve até o recrutamento, envolve a retenção, envolve o exercício, envolve o treino, ou se está a operar. Os exercícios são grandes ajuntamentos de tropas de várias nações para coordenarem procedimentos, para se conhecerem, para interagirem e para coordenarem toda a manobra. As missões são efetivamente destinadas a atingir objetivos. E, por exemplo, a nossa Força Aérea está na Lituânia para dissuadir ações da Força Aérea do país limítrofe, que é a Federação Russa.

Portugal estar na fundação da NATO em 1949 afetou imediatamente as nossas Forças Armadas? Ou seja, houve uma mudança de paradigma pelo facto de estarmos no núcleo fundador da organização?
Houve. Foi uma boa opção na altura e não me compete qualificá-la mais. Fomos um em 12. Os outros foram surgindo. Mais 20. Neste momento somos 32. Mas implicou uma mudança estrutural nas nossas Forças Armadas ao nível dos três ramos. O Exército, na altura, criou uma estrutura, uma unidade sediada no centro do país, em Santa Margarida, chamada Divisão Nun’Álvares, que estava afeta à NATO. Recebemos equipamento do mais atual, na altura, pertencente, nomeadamente, ao Exército americano. Eram carros de combate M47. E, portanto, demos um salto qualitativo sem dúvida nenhuma. E até quantitativo, podemos dizer, porque esses equipamentos vieram por contributo adicional dos Estados Unidos e da NATO para o nosso país corresponder aos seus compromissos para com a Aliança.

O próprio cargo que tem neste momento é criado na sequência da entrada na NATO. Por uma questão de coordenação dos três ramos?
Estes cargos existem sobretudo para sermos entidades coordenadoras e harmonizadoras. Poderemos dizer que sim. Houve sempre comandantes dos exércitos. E, de facto, este cargo até tem uma designação que é comum em muitos países da NATO. É, justamente, um cargo de coordenação, porque havia que coordenar a atividade dos três ramos, Marinha, Exército e Força Aérea. Depois, com o início da guerra de África, houve uma paragem na nossa relação com a NATO. Empenhámo-nos em África, e durante 13 anos praticamente não tivemos intervenção no quadro da NATO. A não ser a Marinha, que manteve alguma intervenção com as suas unidades navais e continuou a participar em exercícios. Mas nós, relativamente à NATO, com forças do Exército e Força Aérea, praticamente parámos o nosso contributo coletivo nessa altura.

O senhor general nasceu no ano em que começa a guerra em África, em 1961. Portanto, é de uma geração que não é já a  da guerra em África, de quando estivemos sob críticas dos nossos aliados. Mas na sua experiência militar, do que estudou de História Militar, é mais fácil Portugal ser da NATO em democracia do que era antes?
A NATO comporta democracias e tenho a noção de que, naquela altura, o facto de Portugal pertencer à NATO era uma situação aceite pelas diversas entidades, inclusive pelos Estados Unidos, mas que, enfim, era uma situação que não deveria acontecer. Neste momento, os 32 países são democracias, poderemos dizer, consolidadas, ou pelo menos com provas dadas de que são democracias. Com o 25 de Abril fizemos uma reorganização das nossas Forças Armadas e passámos a atuar de forma muito mais ativa no quadro da NATO, com plena aceitação dos restantes países nossos parceiros.

Falando um pouco da sua experiência pessoal, em que circunstâncias é que acontece a sua participação na NATO? Esses momentos no Kosovo e na Bósnia são os momentos altos pessoais?
São, posso dizer que sim. Os militares preparam-se para situações operacionais visíveis, palpáveis, consolidadas, e, de facto, para qualquer militar, seja de carreira ou não, participar numa operação real, não com o intuito bélico em si, mas saber que contribui para o objetivo dessa operação, é um ponto alto da carreira. Tive a oportunidade de na Bósnia, em 1998, participar como oficial de Estado-Maior num centro de operações, onde aprendi muito, obviamente, e onde também sei que dei o meu contributo enquanto oficial das Forças Armadas Portuguesas. Isso também me alegra, me congratula, e quem esteve, como eu, apercebeu-se de que temos qualificações, temos vontade, temos o saber para participar em igualdade de circunstâncias.

Estamos a falar de 1998, que é três anos depois dos Acordos de  Dayton, mas mesmo assim a tensão acumulada entre as três comunidades da Bósnia era muito grande e a NATO era a garantia da manutenção da paz. Sentia isso?
Sentia. Estive lá em 1997 e em 1998. Em 1997, num período mais curto, mas em 1998 estive vários meses na minha missão. E posso dizer que assim que cheguei, no dia seguinte, houve um atentado com uma granada que matou uma pessoa. Era essa a situação que vivíamos. Vi minas, minas a um metro, que estavam balizadas, mas vi minas. E era uma situação ainda periclitante, muito periclitante. Havia campos minados, não podíamos circular livremente pelos terrenos e a situação poder-se-ia dizer que era um pouco tensa também entre o comandante da Força de Estabilização, a SFOR, e as autoridades da Bósnia. Porque, de facto, a SFOR estava ali para implementar a paz e para afastar os contendores.

Diria que as populações viam a NATO como garante da paz, ou havia algum tipo de hostilidade?
Se estivéssemos a favor de uma população acossada, oprimida, aceitavam, mas se fossem da outra etnia eram um pouco contra nós. Eu, por exemplo, estava em Mostar, na zona croata, onde havia assédio sobre muçulmanos. Os muçulmanos tinham saído forçosamente e os croatas não os aceitavam muito bem. E, portanto, naquele espírito de regresso de muçulmanos para a região, os croatas assediavam-nos.

No Kosovo foi mais fácil? Ou seja, a maioria albanesa via claramente a NATO como salvadora?
Sim, embora a NATO ali não estivesse do lado dos albaneses, estava a tentar separá-los dos sérvios. Mas isso foi em 2011, início de 2011, já se estava no Kosovo desde 1999 e a situação estava relativamente estabilizada. Ainda há poucos meses vimos que o Kosovo, de vez em quando, tem uns focos de violência, de instabilidade, inclusive a Sérvia muito rapidamente se predispõe a proteger os sérvios do Kosovo. Os núcleos sérvios no Kosovo já eram diminutos, mas tratávamos de igual para igual sérvios e kosovares.

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O objetivo era, sobretudo, manter a paz entre as duas comunidades?
Era. E preservar a integridade, preservar a integridade dos sérvios, que eram a minoria. Há bolsas, nomeadamente, até em mosteiros ortodoxos e outras regiões e eles vivem lá dentro e têm de ter garantia de segurança.

E era a NATO que fazia a proteção?
Era a NATO que fazia a proteção. Tinha de garantir a estabilidade.

Fala-se muito de os Estados Unidos, dependendo das opções que fizerem nas próximas eleições, poderem afastar-se mais do compromisso com a NATO. E, ao mesmo tempo, fala-se muito também da Europa ter uma autonomia clara na Defesa. Acha que essa autonomia na Defesa deve avançar, independentemente do que se passe nos Estados Unidos?
Os Estados Unidos foram sempre um parceiro de extrema importância para a Europa. Foram os Estados Unidos que, nas suas intervenções na Europa, nas sucessivas guerras mundiais, até podemos dizer na Bósnia e no Kosovo, contribuíram para a paz na Europa. E, portanto, os Estados Unidos saírem da Europa nunca será bom para nós, europeus. Por outro lado, a Europa querer afirmar-se per se não é uma atitude totalmente racional, porque o que interessa é termos todos a mesma postura e o mesmo espírito solidário para garantir a segurança no espaço euro-atlântico. Aliás, os Estados Unidos têm comandos NATO nos Estados Unidos, têm um comando em Norfolk e têm o comando da transformação nos Estados Unidos, poderia dizer que é muito remota a possibilidade de sair. Aliás, se os Estados Unidos saíssem da NATO, diria que a NATO também não teria um futuro muito risonho. 

Um dos compromissos com a NATO assumido pelos Estados-membros, e  já vem do tempo do presidente Barack Obama, é os 2% do PIB em gastos de Defesa. Uma pressão que tem sido aumentada para os Estados cumprirem, sobretudo depois da guerra na Ucrânia. Portugal tem esse compromisso, mas vai assumindo lentamente. É muito importante, do ponto de vista das Forças Armadas, se a economia e o país tiverem condições para que esses 2% cheguem rapidamente? Aliás, o ex-ministro Nuno Severiano Teixeira já disse que tem de ser quase já. Qual a sua opinião?
Não posso ser mais concordante com essa opinião. Para já, é um compromisso. É o compromisso de Vílnius, do ano passado, que já não é atingir 2%, é ter o mínimo de 2%. E, portanto, só posso concordar que esse caminho tem de ser feito, com maior ou menor velocidade, mas  tem de ser feito. Sob pena de perdermos o balanço perante os nossos parceiros, não pode haver países que já têm quase 4% e países que andam nos 1%, nos 1,5%, etc. Tem de haver uniformidade. E o compromisso de Vílnius aponta para 2%, mínimo. O compromisso de Gales era 2% em 10 anos, no ano passado, mínimo, 2%. O caminho tem de ser definido, obviamente, em termos políticos e financeiros.

No caso português, está perto de 1,5%. Este 0,5% extras, num quadro previsível de um PIB estável, era uma verba que poderia claramente modernizar as Forças Armadas?
Sem dúvida, porque 0,5% do PIB é um montante muito significativo. E ajudava bastante a equiparmos as nossas Forças Armadas com algum equipamento que, embora previsto na Lei de Programação Militar a 12 anos, não está totalmente contemplado. E é uma lei a 12 anos. E, portanto, quanto mais depressa viesse esse investimento, melhor.

Pode dar um exemplo de um desses equipamentos que podia ser importante?
Equipamentos da ordem das centenas de milhões de euros. Isto nem sequer está na Lei de Programação Militar, mas substituir a frota de F-16 é algo que importa vários milhares de milhões de euros.

E é uma necessidade mesmo para modernizar a Força Aérea?
É quase uma inevitabilidade. Aliás, a Ucrânia está a pedir F-16 e há países a ceder. E essa cedência é, diria, por substituição. Os países que estão a ceder F-16 é porque já têm programas para o avião subsequente, que é o F-35. Poderia argumentar, bom, mas porquê o F-35? Porque nas Forças Aéreas, como sabemos, há famílias de caças e nós pertencemos à família F-16, juntamente com a Dinamarca, com a Noruega e com a Bélgica. Eles estão a convergir para-a família F-35 e nós estamos na família F-16. Não poderemos ficar eternamente, sob pena de ficarmos sozinhos e com estes caças a perderem a atualidade. Por outro lado, em termos de eficácia operacional combinada, tudo isto funciona em rede. Um F-16  não funciona como um F-35. Portanto, se os países do nosso quadrante da NATO estão a enveredar pela aeronave F-35, diria que é quase inevitável que tenhamos igual opção. Poderia argumentar uma coisa parecida. Às vezes o parecido não é o mesmo, pode não ter a mesma capacidade, pode não ter a mesma interoperabilidade, e isso pode frustrar aquilo que se pretende, que é atuarmos todos em conjunto.

Falamos também muitas vezes sobre o espaço marítimo português, inclusive daquele esforço para aumentarmos a nossa Zona Económica Exclusiva. É também importante para Portugal reforçar a capacidade de controlo deste espaço marítimo?
Sim, obviamente. Mas que não o seja apenas à custa de navios de superfície, que seja através de outros meios, meios de vigilância, meios eletrónicos, satélite. O que interessa é, no caso de detetarmos alguma ação que seja eventualmente danosa para o país, termos capacidade de reação, mas com esta expansão da nossa extensão, e da responsabilidade, não queiramos estar em todo lado ao mesmo tempo, porque não podemos. Podemos é vigiar, ter a noção do que está a ocorrer e intervir o mais rapidamente possível.

Fala-se muito da questão das vocações para a carreira militar e que os jovens não se sentem atraídos para essa carreira. Não há soluções mágicas, mas qual é a possibilidade de tentar cativar mais pessoas para uma vida no Exército, na Força Aérea e na Marinha?
Ainda há pouco, no almoço com os nossos generais, tivemos uma conversa muito interessante com um dos meus colaboradores, que foi comandante do Pessoal do Exército, que agora é o comandante do Instituto Universitário Militar, e disse-me que já fizemos quase tudo, nós, Forças Armadas. Políticas de recrutamento, contactos com os jovens, ida às feiras, às escolas, etc. As Forças Armadas não regateiam esforços para tentar cativar jovens. Mas não é tudo. Não depende só de nós cativarmos os jovens e há outros fatores de intervenção. Um deles é a remuneração e outro é a quantidade de efetivos. Portanto, quanto mais efetivos tivermos, melhor para a prestação. Porque, de facto, até ao momento as nossas missões não são afetadas, mas não serão porque será sempre essa a nossa prioridade. Inclusive, dentro do nosso funcionamento, já fizemos opções no sentido de libertar de tarefas não operacionais militares que estavam nessas tarefas, para que sejam operacionais, e entrámos em externalização, contratualização, etc. Mas as medidas para cativar jovens são múltiplas. Não envolvem apenas as Forças Armadas, não dizem respeito apenas a remuneração. Devemos procurar fatores de motivação para que todos sejamos minimamente otimistas. O presidente Volodymyr Zelensky, citado por Jens Stoltenberg, disse que os pessimistas não ganham guerras. E é verdade. Devemos ser minimamente otimistas para irmos vencendo as batalhas que vamos tendo todos os dias.

Na Europa, há um debate sobre o possível regresso do serviço militar obrigatório. Em Portugal não é uma ideia popular e nenhum partido está empenhado claramente nisso. Ou seja, não há condições políticas para esse debate?
Diria que essa é uma abordagem talvez um pouco redutora. Procurar que, através do serviço militar obrigatório, tenhamos mais militares é redutor. Devemos, no fundo, criar um espírito de defesa nos nossos jovens. Será que o Dia da Defesa Nacional é suficiente? Porventura não, mas daí a dizer que o serviço militar obrigatório é necessário para termos mais militares nas fileiras não é uma solução consolidada. Devemos é captar jovens que queiram servir com espírito de missão e com alguma remuneração pessoal, e não apenas financeira, pelo facto de serem servidores da pátria nas Forças Armadas.

Sei que tem duas filhas, que não seguiram a carreira militar. Como vê o papel das mulheres nas Forças Armadas? Também ajudariam a resolver ou, pelo menos, a minorar a questão das vocações?
Como sabe, as Forças Armadas são voluntárias. E na nossa distribuição da sociedade as mulheres são um pouco mais de metade, são cerca de 52%. Poderíamos dizer, bom, proporcionalmente, poderia haver quase até mais mulheres do que homens, mas a história diz-nos que não é assim. Por variados fatores, não vamos aqui fazer nenhuma destrinça de género masculino, feminino. Gostaríamos de ter mais mulheres nas Forças Armadas, é um desígnio da NATO também, é um desígnio das Nações Unidas, é um desígnio nacional do Ministério da Defesa Nacional, mas depende da forma como sejamos capazes de atrair mulheres para as Forças Armadas.

Esta entrevista é sobre os 75 anos da NATO. Mas também estamos prestes a celebrar os 50 anos do 25 de Abril.  Recorda-se onde estava no dia da Revolução?
Recordo-me bem. Era aluno em Lisboa dos Pupilos do Exército e tinha 13 anos. Estava no terceiro ano, por assim dizer, do liceu. E foi um dia estranho. Ouvíamos qualquer coisa, mas, como era um internato, tivemos as nossas aulas e ouvíamos um burburinho.

Não teve um dia livre de aulas, como a maior parte das crianças e jovens naquele dia…
Não. Aquilo era um internato. Tivemos aulas. Havia qualquer coisa a passar-se lá fora, isso sabíamos. Nos tempos subsequentes é que houve interrupções, mas naquele dia continuou tudo normal nas aulas. Confesso que aquele modelo de internato até nos defendia um bocadinho. Não nos apercebíamos muito se havia repressão, etc., porque estávamos num ambiente em que tínhamos de estudar, de cumprir regras, tínhamos de chegar a horas, de nos levantar à alvorada, etc. Depois, no ano de 1975, houve um pouco de desvario, como em todo o país.

Portugal é um daqueles países onde os militares têm uma imagem mais positiva, muito por serem associados ao trazer a democracia. Isso ajuda ao prestígio das Forças Armadas em Portugal?
Sim. Estamos a comemorar os 50 anos do 25 de Abril e congratulamos todos os que participaram naquele movimento. Foi um movimento importante para o país. E saber que foram as Forças Armadas que contribuíram para a democracia em Portugal só nos prestigia e só nos orgulha. E sabemos que estamos disponíveis para o melhor para os portugueses. Isso é o mais importante. E ser o melhor para os portugueses, não entrando em esferas de altercações, etc., mas contribuindo para a defesa nacional. Naquela altura foi um movimento extremo. Havia 13 anos de guerra, havia determinadas medidas político-militares que afetavam sobretudo a camada militar. E, portanto, já havia um descontentamento muito grande e os militares intervieram. Nomeadamente os jovens capitães, depois com supervisão de elementos mais graduados, oficiais-generais, o general Spínola e o general Costa Gomes, que assumiram a liderança desse processo.

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