Doentes esperam meses para despistar cancro do colo do útero

Em julho, Santa Maria marcou para 2019 exames para despistar a doença em mulheres que tiveram rastreios positivos. ARS admite maior pressão sobre os hospitais, mas garante que o problema está a ser resolvido.
Publicado a
Atualizado a

O Hospital de Santa Maria está a ter dificuldades em responder ao aumento de rastreios ao cancro do colo do útero na região de Lisboa. Há doentes que, em julho, viram ser marcadas apenas para 2019 as colposcopias (biópsias essenciais para despistar a doença), depois de suspeitas levantadas nos testes iniciais. Os atrasos relatados ao DN são confirmados pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), que ainda assim garante que a situação já foi identificada e vai ser corrigida.

O rastreio do cancro do colo do útero (RCCU) de base populacional (ou seja, de forma sistemática e não oportunística) avançou em força na região de Lisboa neste ano e já abrange 13 dos 15 agrupamentos de centros de saúde da ARSLVT. Das cerca de 11 mil citologias para detetar o vírus do papiloma humano realizadas em mulheres entre os 25 e os 60 anos, 579 deram origem a pedidos de colposcopias dirigidos aos quatro hospitais que fazem parte da iniciativa.

E é na capacidade de resposta a estes pedidos que o problema se põe, muito em particular no maior hospital do país, que recebe grande parte dos exames. Os casos relatados ao DN dão conta de atrasos de meio ano, havendo mesmo médicos de família que questionam se vale a pena fazer parte do rastreio nestas condições.


Confrontada com este cenário, a ARS de Lisboa informa que, até junho, Santa Maria realizou as colposcopias no espaço de 30 dias. "Contudo, em julho, devido ao aumento dos pedidos decorrente do acréscimo de unidades a participar no rastreio, houve utentes que viram o seu exame ser marcado para 2019", reconhece a Administração Regional de Saúde, em respostas enviadas ao DN, onde avança que o problema "foi prontamente identificado".

"Das negociações entre a ARSLVT e o Centro Hospitalar Lisboa Norte ficou acordado que seria aplicado um plano de recuperação para esta lista de espera, que assenta na contratação de atividade adicional e na integração de um médico especialista em ginecologia/obstetrícia, decorrente do recente concurso. Assim, o CHLN está já a estabelecer contactos com as utentes para antecipar a marcação das colposcopias", conclui a ARS, que, por isso, "desmente o facto de as colposcopias estarem a demorar seis meses para serem realizadas nos hospitais que fazem parte do RCCU".


Mas Santa Maria nem é o único dos quatro hospitais que fazem parte da rede a ter de avançar com um plano para diminuir os tempos de espera nesta área. Há outra unidade - que a ARS não quis apontar - que está a demorar uma média de mais de dois meses (67 dias) para realizar colposcopias, situação que preocupa o presidente da Liga Portuguesa contra o Cancro. Para Vítor Veloso, a confirmarem-se os tempos de espera para estes exames acima do recomendado, "está a prestar-se um péssimo serviço, significa que as mulheres não estão a ter o seguimento adequado".

Atrasos podem trazer problemas

O diretor do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas admite que a Direção-Geral da Saúde tem conhecimento de problemas de resposta nesta área, especialmente com a falta de ginecologistas. Escassez que, como o DN noticiou recentemente, está longe de ser um exclusivo de Santa Maria. Mas Nuno Miranda sublinha que mesmo que os hospitais dissessem que só conseguem fazer exames em seis meses, os centros de saúde não podem desistir do programa.

"O rastreio criado neste ano aumenta a pressão sobre os hospitais, em especial em alturas complicadas, como de férias, com escassez de profissionais, mas não é razão para abandonar o rastreio, mas sim para exigir a resolução dos problemas." Solução que, segundo Nuno Miranda, passa por contratar e formar mais especialistas nesta área.

No caso de Santa Maria, é esperado que o médico que vai reforçar o serviço de ginecologia esteja no terreno até ao final de setembro e que ainda seja possível fazer os exames pedidos ao abrigo do rastreio antes do final de 2018. Até porque seis meses é demasiado tempo quando se trata de lesões pré-malignas, sublinham os especialistas ouvidos pelo DN. "É uma espera que pode levar a um problema grave, com uma evolução significativa. Mas há que frisar que nem sempre estamos a falar de cancro, é um diagnóstico pré-maligno, o que não invalida que tenhamos de lutar por melhores tempos de resposta", ressalva Nuno Miranda.

Luís Graça, presidente da Sociedade de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal, entende que "não faz sentido tempos de espera acima de um mês/mês e meio", mas também realça que existe uma grande falta de ginecologistas com prática nestes exames. Rui Nogueira, médico de família na região centro - onde, tal como no norte, os rastreios nesta área já estão implantados há anos - e que lidera a Associação de Medicina Geral e Familiar, acrescenta que tempos de espera demasiado prolongados podem ter impacto nas mulheres mesmo a nível emocional.

O rastreio ao cancro do colo do útero destina-se a mulheres entre os 25 e os 60 anos, que realizam, no centro de saúde, uma colheita para análise à presença do vírus do papiloma humano. O teste segue depois para o laboratório do hospital de referência para o programa. Posteriormente, a utente irá receber uma carta com o resultado que, se for positivo, implica a marcação de uma colposcopia (biópsia ao colo uterino).

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt