Doente morre à espera de consulta de cardiologia
Há doentes do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, de que faz parte São Francisco Xavier, que já tiveram de esperar mais de um ano por uma consulta de seguimento de cardiologia. Num desses casos, que deu origem a uma investigação da Entidade Reguladora da Saúde, uma mulher que viu a sua consulta ser desmarcada no início de 2017 acabou por morrer três meses depois por insuficiência cardíaca.
"As consultas eram marcadas de longe em longe, e depois desmarcadas, a minha mãe tinha consulta marcada para dia 16/1/2017 às 9.25, dia 12/1/17 foi desmarcada, por várias vezes para uma nova consulta [...] Foi estando cada vez pior do coração, de vez em quando tinha que ir à urgências com a minha mãe. No dia 21 de Abril teve que cá ficar de noite, e nessa mesma noite, teve uma paragem cardíaca, e acabou por falecer nessa mesma noite". Esta é a queixa que esteve na origem das averiguações do regulador da saúde, que publicou hoje a deliberação sobre este caso.
Em resposta, o CHLO argumentou que a utente teve consultas de Cardiologia com periodicidade anual, entre 2006 e 2016, tendo o último agendamento de 16/01/2017 sido desmarcado por motivo de realização de uma reunião integrada no processo de acreditação do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. "Esta consulta não foi de imediato remarcada por falta de vagas, por esta ser uma especialidade à qual recorre cada vez maior número de utentes, quer provenientes do exterior, quer provenientes de outros serviços hospitalares". Mais, argumenta o centro hospitalar, "face ao grupo etário, e às numerosas patologias e morbilidades que a utente possuía, consideramos que não existe relação entre a demora da Consulta de Cardiologia durante o ano de 2017 e a causa de morte no dia 22/04/2017".
No entanto, a ERS conclui que a conduta do CHLO "não se revelou consentânea com a garantia dos direitos e interesses legítimos da utente, em especial o direito à prestação integrada e continuada de cuidados de saúde de qualidade, adequados à sua situação clínica e prestados em tempo útil". Conforme refere o perito médico consultado pela ERS, "a situação descrita refere-se a uma doente seguida em consulta de Cardiologia, que teve a mesma adiada e sem remarcação em tempo útil." Sendo que, em resposta ao pedido de elementos da ERS, o centro hospitalar refere expressamente que a situação clínica da doente "estava enquadrada num protocolo de seguimento anual [...]. No período de 2006 a 2015 a utente teve sempre duas consultas anuais no Serviço de Cardiologia, de Cardiologia Clínica e de Pacing cardíaco, o que explicita bem o reconhecimento pelo CHLO da necessidade de efetivação de consultas de seguimento à utente".
O regulador dá conta de outras cinco reclamações de doentes que esperaram mais de um ano por consulta de seguimento de cardiologia. Das cinco reclamações, os utentes esperaram entre 596 dias e 791 dias por uma nova consulta. De acordo com a deliberação da Entidade Reguladora, o próprio hospital reconhece que a redução do seu quadro médico ao longo dos últimos anos "pode, em determinados períodos do ano, comprometer a assistência médica programada nas suas atividades de rotina da consulta externa de cardiologia e de realização" de exames. Contudo, para a ERS, o hospital tem de "garantir de forma cabal o acesso, em tempo útil" à prestação continuada de cuidados. Além de que "não se concebe a alegação por parte do prestador de que na base das sucessivas remarcações esteve a indisponibilidade do médico assistente, por motivo de '[...] realização de uma reunião integrada no processo de acreditação do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental'".
Mais uma vez, em resposta a estas conclusões, o CHLO - que inclui os hospitais de Egas Moniz e Santa Cruz - garante que "nunca estiveram em causa situações de risco clínico nos doentes considerados neste inquérito, cuja doença carece de cuidados de rotina avaliados habitualmente em consultas com periodicidade semestral ou anual. Para o centro hospitalar, os motivos subjacentes às reclamações "foram devidas apenas à não satisfação das expectativas dos utentes quanto ao intervalo de tempo entre consultas".
Dois doentes do Centro Hospitalar de Lisboa Central, que inclui São José, tiveram de esperar seis dias por uma operação na especialidade de Ortopedia depois de irem à urgência. Este foi outro dos problemas detetados pela Entidade Reguladora da Saúde nos hospitais portugueses.
"Dois utentes que necessitavam de uma intervenção cirúrgica pela especialidade de ortopedia em contexto de episódio de urgência tiveram que aguardar 6 dias pela realização das referidas cirurgias", situação irregular e que levou à emissão de uma instrução ao CHLC, pode ler-se numa deliberação datada de junho mas publicada esta segunda-feira no site da ERS. Isto porque os hospitais têm de garantir que todas as cirurgias cuja necessidade seja reconhecida em contexto de urgência sejam realizadas nas primeiras 48 horas após a admissão do utente.
Mas os avisos ao CHLC não se ficam por aqui. Numa outra deliberação, a ERS dá nota de constrangimentos no agendamento e realização de cirurgia bariátrica, bem como na emissão de vales de cirurgia, no Centro Hospitalar de Lisboa Central, onde um doente esperou "383 dias para a realização da referida intervenção cirúrgica, quando o tempo máximo de resposta garantido para o seu grau de prioridade era de 270 dias". "Ao que acresce uma espera de 580 dias, desde o início do seu percurso para tratamento cirúrgico da obesidade no CHLC, para o utente ver concretizada a sua inscrição em lista de espera para cirurgia bariátrica".
Ainda na área cirúrgica, em Coimbra a lista de espera de escoliose tem 63 doentes em lista, mas o serviço só consegue fazer cerca de 40 cirurgias/ano. "Semanalmente entram mais doentes para a lista de espera do que aqueles que são operados, portanto existem doentes que podem ter que esperar alguns anos pela cirurgia", tendo o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra reconhecido a sua incapacidade de resposta para fazer face à lista de espera.
A ERS alerta o Centro Hospitalar de Coimbra que deve garantir o envio dos doentes para outras unidades hospitalares sempre que não não conseguir assegura a resposta dentro dos prazos recomendados pela lei. O que não estará a contecer. "Mais se constatou ser de particular acuidade no caso concreto, o facto da especificidade da cirurgia em causa não possibilitar a regular emissão de vale cirurgia como mecanismo de garantia da tempestividade de acesso".
Nas deliberações publicadas hoje, a ERS relata ainda situações de recusa e sucessivas remarcações de consultas. Uma delas passou-se a norte, com pelo menos duas recusas de pedidos de agendamento de consulta solicitadas pelo Agrupamento de Centro de Saúde Grande Porto III - Maia/Valongo ao Centro Hospitalar de S. João (CHSJ). Neste caso, não terão sido "respeitados os procedimentos previstos na consulta e tempo e horas respeitantes à devolução do pedido de consulta por parte do CHSJ e à respetiva instrução do mesmo com elementos adicionais por parte do Agrupamento de Centros de Saúde".
A sul, uma doente da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (ULSNA) viu a sua consulta da especialidade de tiróide desmarcada por duas vezes. A utente teve consulta marcada para os dias 5 de setembro de 2016; 23 de janeiro de 2017 e 28 de agosto de 2017, tendo a mesma sido apenas realizada em 18 de setembro de 2017, um ano após a primeira marcação. Prazos que levam a ERS a considerar que "não é aceitável que por causa imputável à ULSNA, a utente tenha esperado mais de um ano pela consulta de seguimento de que precisava", situação que estará longe de ser única, "porquanto houve outros utentes que viram as suas consultas adiadas e tardiamente remarcadas".