Voltar para os braços onde já foram felizes
Um amor só é verdadeiro se os dois ficarem juntos para sempre? A realidade mostra que os casos como o de Rachel e Ross (série Friends) ou a história de Harry e Sally (Um Amor Inevitável) são mais comuns do que parece.
A ciência não é clara em relação ao sucesso que as relações com ex-namorados podem ter. Há estudos para todos os gostos - uns dizem que são relações condenadas ao fracasso, outros dizem que são mais fortes. Porém, há pelo menos uma coisa que a ciência não nega: a vontade que as pessoas têm de voltar a relacionamentos do passado. Uma em cada cinco pessoas tem essa intenção, segundo um estudo da Universidade de Lancaster, no Reino Unido.
Para a psicóloga e terapeuta de casais Cláudia Morais, o sucesso destes reencontros depende sempre da reflexão que cada um fez no tempo da separação. "Da mesma maneira que crescemos quando estamos numa relação, é provável que amadureçamos na sequência de uma rutura. A distância emocional em relação aos momentos de conflito pode ajudar-nos a olhar para os erros cometidos com sentido de responsabilidade", explica.
A adaptação a uma nova relação, quando existem filhos, pode ser difícil, admite a psicóloga Cláudia Morais. "Ainda que uma mudança desta natureza nem sempre seja fácil de aceitar, é fundamental que haja respeito pelas escolhas de cada um", diz a especialista, comparando com o caso em que os filhos se divorciam e os pais também não devem condicionar as decisões.
Nas vésperas da comemoração do Dia dos Namorados, o DN foi conhecer a história de casais que se deram uma segunda oportunidade, depois de anos separados. Desde o amor da adolescência que ficou guardado "num cantinho do coração" por 40 anos até ao casamento de 25 anos que nasceu depois de cinco de separação. São histórias de casais que cresceram quando estiveram longe e que garantem que esse tempo foi essencial para o reencontro perfeito.
Um amor com 40 anos de intervalo
Há cinco anos, Maria de Jesus pensava que a sua vida tinha acabado e não havia mais nada para viver. Ficara viúva, depois de um casamento feliz que durou quase 40 anos. Pouco tempo depois cruza-se com aquele que foi o seu primeiro amor e contou-lhe que estava viúva. Maria de Jesus já sabia que ele também tinha perdido a mulher uns anos antes. "Ele disse-me "estou livre" e deixou-me o número dele. Nesse momento pareceu-me que afinal a vida não tinha acabado."
Maria de Jesus não acreditava que perto dos 60 anos poderia estar à sua frente uma nova oportunidade de ser feliz. "Fui feliz com o meu marido. Ele ficou doente e estive sempre ao lado dele. Fiz tudo o que podia fazer." Além disso, quem estava do outro lado "não era um homem qualquer", garante. E não era.
Carlos foi o seu primeiro amor. Os seus caminhos cruzaram-se no comboio que os levava da sua terra, no interior do Algarve, até Silves onde ambos frequentavam a escola comercial. "Tínhamos 14, 15 anos. Eu achava-o o máximo. Ele chamava a minha irmã de cunhadita, a família dele conhecia-me e até fui convidada para um casamento do lado dele. Íamos aos bailes juntos, mas ele dançava com as raparigas de fora e eu ficava ciumenta. Havia qualquer coisa, mas não era assumido."
Foi com este sentimento que os dois começaram vidas separadas. Maria de Jesus acabou por se casar com um rapaz que "também andava na mesma escola" e com quem um dia foi dançar num baile. A partir daí começaram a namorar. Casaram-se no Algarve e mudaram-se para Setúbal, onde o marido tinha arranjado trabalho. Foi aí que viveu 40 anos e onde ainda hoje mantém casa, já que é aí que vivem o filho, a nora e os netos. "Às vezes pensava como teria sido a minha vida se me tivesse casado com o Carlos, mas tive um casamento feliz e sempre fui fiel. Era aquela curiosidade de miúda." Carlos também se casou e teve um filho. "O filho dele tem seis meses de diferença do meu e também tem dois netos como eu."
Quando ficou sozinha, Maria de Jesus hesitou em dar uma oportunidade a Carlos. Nunca pensou "ter coragem" para assumir uma nova relação. Foi o pai (falecido no ano passado, com 95 anos) que a apoiou. "Disse-me "trataste bem o teu marido, foste fiel, agora vive a tua vida"."
Há quatro anos que namoram. Maria de Jesus, agora com 62 anos, mudou-se para o Algarve, onde Carlos é sócio de um restaurante e têm-se dedicado aos amigos e às viagens. "Isto tudo aconteceu porque é o Carlos, não ia à procura de ninguém. Só namoro porque ele existia e ficou marcado."
Entre Maria de Jesus e Carlos, o que viveram no passado por lá ficou. Ela já não pensa como teria sido a vida com Carlos, até porque acredita que não teriam dado certo na juventude. "Ele era muito imaturo e eu tinha a sensação de que não era gira o suficiente para ele. Ele está diferente, mas ao mesmo tempo senti que era a pessoa que conhecia."
Primeiro amor. Pausa. E 25 anos de casamento
Foi a faculdade que separou Sofia e Carlos. Casados há 25 anos, os dois começaram por namorar quando Sofia tinha 17 anos. A relação durou um ano e terminou quando ela foi estudar para o Porto. Ele já estava no ensino superior quando começaram o namoro - frequentava Engenharia no Instituto Superior Técnico - e ela era "uma menina do Sagrado Coração de Maria". "Nós éramos três amigas e eles três amigos. O primeiro casal começou a namorar e apresentou-nos aos dois e o terceiro casal começou a namorar no casamento do primeiro", recorda Sofia.
A médica dentista, de 50 anos, não se perdeu logo de amores por Carlos, agora com 57 anos, embora ele tenha sido o seu primeiro namorado. "Ele era mais velho seis anos e tal", explica. "Ela mandava uma amiga vir à porta ver se eu estava lá à espera dela", recorda o engenheiro. "Não simpatizava muito com ele, mas tínhamos amigos em comum e começámos a ser amigos", diz ela.
Mas depressa a relação foi ganhando força. "Mais tarde ela até vinha almoçar comigo depois de já ter almoçado em casa." Sofia justifica-se dizendo que era a forma de estarem juntos. "Na altura não andávamos a telefonar, tínhamos de esperar que a pessoa aparecesse no fim das aulas, à hora do almoço", acrescenta Carlos.
A coisa parecia correr bem, no entanto o namorico de escola acabou por não resistir à mudança de cidade de Sofia. "Não valia a pena ter uma relação à distância e, como ia ficar seis anos no Porto a estudar, achámos melhor acabar." Cada um fez a sua vida nos cinco anos seguintes, com "namorados de parte a parte".
Os dois mantiveram o contacto, afinal eram amigos e tinham amigos em comum, mas também sabiam que "em cinco anos passa-se imensa coisa, ainda para mais quando se é jovem". Não condicionaram a sua vida a pensar que um dia iam estar juntos, ainda que Carlos, mais maduro, aponta Sofia, estivesse confiante em que iam voltar. E mesmo "enquanto ela esteve no Porto chegámos a estar juntos".
Entre 1984 e 1990, o tempo que durou o curso de Sofia, Carlos terminou a sua formação, foi à tropa e acabou dispensado para fazer investigação. No último ano da década de 1980, reataram o namoro. Sofia já tinha decidido que ia voltar para Lisboa. O casamento aconteceu um ano depois do fim da licenciatura. "Voltei para casa dos meus pais, de onde só saí depois de casada."
Nunca mais se separaram. E já lá vão 25 anos e dois filhos (um com 23 anos e outro com 19). Não quer dizer que tenham o casamento perfeito - "isso não existe, não queremos vender essa ideia, mas quando nos casámos tínhamos mais a certeza". O tempo que passaram separados ajudou a construir a relação que têm hoje. "Já tínhamos tido tempo para pensar." As famílias "ficaram muito contentes" quando os dois reataram.
"Apaixonei-me. Mas amor só há um"
A história de Ricardo e Filipa começa em 2001. Ele é jornalista no Independente e ela começa a estagiar no jornal. "A história ainda é mais engraçada", revela Ricardo. "A Filipa namorava com um amigo meu e nós saíamos muito todos juntos. Eles acabaram e depois nós começámos a namorar e até falámos com ele antes para ver se não se importava. Ficou todo contente por nós". O namoro durou cerca de três anos, chegaram a viver juntos.
Tudo corria bem, até que "o Ricardo se apaixonou por outra pessoa", explica Filipa. Agora Ricardo diz que "foi egoísmo". "Estava bem, mas queria ver se ficava melhor." Ele seguiu a vida com uma nova pessoa e Filipa decidiu sair de Lisboa e afastar-se. Estávamos em 2004 e seguem-se sete anos de ausência quase total na vida um do outro.
Ricardo, hoje com 41 anos, chegou a casar-se - "não durou muito, casei--me em 2007 e em 2008 separei-me" -, mas não teve filhos. Filipa, de 39 anos, trabalhou nos Açores, EUA e Inglaterra. "Foi muito importante, crescemos, cometemos erros." Também ela teve outros namorados: "Apaixonei-me por outras pessoas, mas amor há só um."
Ela responde convicta que sempre soube que um dia ia voltar a estar com Ricardo. "Os homens precisam de mais tempo para crescer", aponta, enquanto o marido admite que não tinha essa certeza na altura. A única certeza de Ricardo é a de que sempre gostou dela, mas "tínhamos outras pessoas". Entre os amigos todos apostavam numa reconciliação: "Dizem--nos agora que estava na cara que íamos ficar juntos."
O reencontro aconteceu depois de cinco anos sem falarem. "Íamos sabendo um do outro por amigos comuns, mas não falámos um com o outro." Cruzam-se num casamento de amigos, em que foram padrinhos. "Foi estranho, eu tinha outra pessoa na altura", recorda Filipa. "E eu fui sozinho", acrescenta Ricardo. Os dois têm na memória como esse encontro foi estranho, mas não ficaram com a ideia de que queriam estar juntos.
No ano seguinte trocam e-mails sobre o presente que iam dar aos noivos no seu primeiro aniversário. "Mas nada com a intenção de reatar qualquer ligação", sublinham. Nessa troca de e-mails, é a vez de Filipa contar que vem a Lisboa tratar da transferência para a RTP. "Fomos tomar café e acabámos em casa do Ricardo a comer piza. Foi até hoje". Já lá vão "cinco, seis anos".
Casaram-se há um ano e meio - "começámos a namorar a 4 de julho de 2001 e casámo-nos a 4 de julho de 2015" - e, a quem lhes pergunta há quanto tempo estão juntos, respondem já sem hesitação: "Há 15 anos." "Não estamos a explicar a interrupção e para nós é como se não tivéssemos estado afastados."
Reatar a relação entre os dois foi fácil. "Tínhamos resolvido as coisas. Já sabíamos o que a casa gastava. Sempre fomos grandes amigos. E quando nos encontrámos recuperámos naquele ponto. Falámos o que tínhamos a falar e deixámos o passado para trás. Depois disso senti que finalmente estava em casa", explica Ricardo. Que ainda assim não se safou de uma conversa com a família da Filipa. "Tive de reatar com a família dela. Levei nas orelhas, mas eles tinham razão. Mas está ultrapassado."
A psicóloga Cláudia Morais defende que esse é um passo essencial para que as coisas resultem. "Se tiver havido marcos que tenham abalado a confiança, é fundamental que se esclareça as expectativas e as necessidades de cada um", aconselha.
Os dois não tiveram filhos e acham que "isso ajudou na reconciliação". Também ainda não têm filhos em comum. "Estivemos a aproveitar o reatar do namoro."
Imaturidade separou-os, o divórcio juntou-os
Telma e Cristiano conheceram-se aos 17 anos. E desde então têm vivido uma vida com muitos pontos comuns. Ainda que nem sempre juntos. O namoro durou três anos, "mas eu queria avançar na relação e ele queria aproveitar a vida", recorda Telma Lopes, de 32 anos. Conheceram-se na internet e a relação ia e vinha conforme as discussões que os dois tinham. "Fartei-me das várias separações e vi que não íamos avançar, por isso decidi acabar tudo."
Telma teve depois mais um namorado - com quem esteve "dois anos e tal" -, até que conheceu o pai das filhas. "Namorámos quatro anos e depois estivemos casados três", resume. Desta relação nasceram Leana, de 7 anos, e Gabriela, de 3.
Telma vivia o sonho de avançar numa relação, e Cristiano acabou por seguir-lhe o exemplo. "Casou-se com uma semana de diferença de mim e até os filhos têm a mesma idade. As mais velhas têm quatro meses de diferença e os mais novos um mês. Até nos separámos mais ou menos na mesma altura", conta a jovem emigrante em França.
Quando voltaram a ficar juntos, Cristiano disse-lhe que "se casou e fez a vida dele com outra mulher porque eu não quis tentar mais". Telma reconhece que ele era o seu "grande amor". "Mas estava muito desiludida e havia muito sofrimento."
A vida dos dois parecia linhas paralelas, embora sem cruzamento. Até ao dia em que Telma foi a uma entrevista de emprego na empresa de construção onde Cristiano já trabalhava. "Sabia que ele estava separado e nesse momento que nos cruzámos disse-lhe que também estava separada." Isto aconteceu em janeiro e no final de abril os dois estavam a reatar a relação.
"Nunca tínhamos vivido juntos, por isso fomos com calma. Começámos do zero." Se por um lado Telma não tinha pensado que Cristiano fosse aparecer no seu futuro, por outro também sabia que ainda havia coisas por resolver entre ambos. "Nunca foi uma separação por falta de sentimentos, mas por dificuldades na altura de conciliar as vontades", por isso a aproximação também não foi totalmente uma surpresa para os dois.
Agora vivem juntos, sem pensar em casamento. "Alugámos casa onde vivemos com os nossos filhos e neste momento já somos uma família." As crianças ficam uma semana em casa deles e outra na casa dos ex-companheiros.
O mais complicado para o casal foi convencer as filhas mais velhas, já que "os mais pequenos praticamente cresceram juntos". Hoje, as famílias estão convencidas de que esta relação é diferente da que acabou há 13 anos. "A família dele ficou muito contente por saber que era eu. A minha foi mais difícil de convencer porque tinham a ideia de que ele não era muito sério no namoro." Nada que os tenha demovido e "hoje já é tudo mais fácil".