Vingança? Massacre de Barcelos ainda "procura" explicação
"Sabe, é que eu não ando bem da cabeça." A frase, ouvida na véspera da boca de António Adelino Briote, um cliente habitual, ficou a ecoar na cabeça do proprietário da padaria/restaurante Parque, junto à zona industrial de Tamel (São Veríssimo) - pequena freguesia rural do concelho de Barcelos -, assim que, ontem de manhã, a notícia de um crime horrendo abalou a localidade: Adelino Briote, de 62 anos, degolou à facada quatro vizinhos, na Travessa de São Sebastião.
António e Glória do Vale, um casal de octogenários, Maria do Sameiro, de 60 anos, e Marisa Cardoso, uma mulher de 37 anos que estava grávida de sete meses e cujo bebé também acabou por morrer, são as vítimas mortais que resultaram do "dia mais negro da vida desta freguesia", como lamentou ao DN, desolado, o presidente da junta local, João Abreu.
O motivo deste crime de violência tão inusitada é oficialmente "desconhecido", segundo o comandante Adelino Silva, que comandou as operações da GNR de Barcelos chamada ao local, onde o homem "confessou a autoria" dos homicídios e se entregou às autoridades mas não deu quaisquer explicações.
Para os habitantes do lugar de São Veríssimo, no entanto, não havia ontem dúvidas de que os crimes terão sido motivados por um sentimento de vingança em relação a um processo judicial anterior, no qual Adelino Briote foi condenado por ofensa à integridade física: em 2015, agrediu violentamente com uma barra de ferro a ex-sogra e a própria filha, então grávida, no culminar de um longo historial de conflitos familiares que tinham resultado no divórcio litigioso entre Adelino e a ex-mulher, em 2012.
Essa agressão à ex-sogra e à filha valeram a Adelino Briote uma condenação de três anos e dois meses com pena suspensa, em novembro passado, confirmou fonte policial ao DN. E na altura, contavam os habitantes de São Veríssimo, o homem terá prometido vingança dos vizinhos, uns que terão testemunhado contra ele, outros que terão recusado testemunhar a seu favor.
Versões que, no entanto, as fontes policiais recusaram confirmar até ao final do dia de ontem. "Não há motivo conhecido. Até agora, não há nada que ligue estes crimes a esse processo anterior", reiterou ao DN o comandante da GNR de Barcelos. Adelino Briote, que colaborou com os peritos da Polícia Judiciária (PJ) na reconstituição do crime antes de ser conduzido para as instalações da PJ de Braga, por volta das 15.00, terá recusado sempre explicar-se aos investigadores.
Já na noite de ontem foi formalmente detido e indiciado de quatro crimes de homicídio e um de aborto, segundo informação da PJ à Lusa. Será esta manhã ouvido por um juiz no tribunal de Braga.
"Pereira, chama aí a autoridade"
Foi a José Pereira, um vizinho que mora ao início da rua, que Adelino Briote pediu para chamar os agentes da GNR aos quais acabaria por entregar-se. Primo de duas vítimas (o casal de octogenários), José voltava de um passeio matinal quando se deparou com o cenário sangrento ao cimo da sua rua, já com o INEM e a GNR no local.
"Eu tinha saído por volta das dez horas e quando voltei, já perto das 11.00, vi o corpo da Maria do Sameiro no meio da rua, a sangrar, já morta. E depois o casal, meus primos, junto às casas, mais acima. Foi quando o Briote viu passar a GNR para baixo e me disse "Ó Pereira, chama aí a autoridade." Pouco depois passaram com ele já preso pelo braço. Foi então que percebi que tinha sido ele", contou José Pereira, de 75 anos, ao DN.
Fonte policial confirmou que Adelino Briote "estava tranquilo no meio dos bombeiros e das outras pessoas no local, na rua" quando resolveu confessar a autoria dos crimes à GNR. "Se quisesse ter matado mais tinha matado", referiu a mesma fonte, o que indica que a escolha das vítimas terá sido premeditada. E foi o próprio homicida a avisar as autoridades de que, além das três vítimas encontradas no exterior das casas (duas num pátio e outra na rua), tinha matado também Marisa, a mulher grávida, no interior da casa desta. Tudo num raio de cem metros na travessa onde Briote e as vítimas eram vizinhos. E todos os crimes cometidos da mesma forma: "Com uma faca, na zona do pescoço", informou o comandante Adelino Silva, da GNR.
Reservado e depressivo
"Nunca houve má relação de vizinhança, ele dava os bons-dias ou as boas-tardes e pouco mais, nunca foi agressivo com nenhum vizinho, tirando a situação com a sogra. Nada fazia prever uma coisa destas", lamentava Fernando Fernandes, de 50 anos, irmão de Maria do Sameiro, a vítima encontrada na rua, para onde terá fugido a pedir socorro. O perfil reservado de Adelino Briote é confirmado no restaurante Parque, onde o homicida "almoçava todos os dias". "Ele entrava, sentava-se, almoçava e ia embora. Não era de grandes conversas, mas notava-se que era um homem algo perturbado", refere o proprietário, que preferiu não divulgar o nome.
A verdade é que Adelino Briote, ex-trabalhador de uma empresa têxtil da região, tinha um passado recente de depressão, desde o divórcio com a ex-mulher, entretanto emigrada. Chegou mesmo a estar internado na ala psiquiátrica do Hospital de Braga no ano passado e esteve impedido de frequentar a freguesia durante o processo judicial que resultou da agressão à ex--sogra e à filha em 2015.
Depois da sentença de três anos e dois meses de pena suspensa, em novembro passado, Adelino voltou a São Veríssimo. Aparentemente calmo, até ontem, um dia depois de ter confessado ao proprietário do restaurante Parque que "não andava bem da cabeça", numa conversa em que se "queixou do atendimento das empregadas". "Hoje é que eu fiquei a pensar naquilo. Será que já veio cá ontem com más intenções?", interroga-se o empresário. É uma das questões ainda sem resposta neste massacre que chocou o país.