Satélites do tamanho de latas feitos por alunos do secundário voam nos Açores
No céu cheio de nuvens, a 200 metros de altitude, o pequeno ultraleve descreve uma volta no ar. Cá em baixo, no enorme recinto asfaltado do antigo cartódromo, junto ao aeroporto da ilha de Santa Maria (Açores), há muitos olhos ansiosos, fixados no movimento do pequeno avião. Outros atarefam-se diante dos computadores, para que nada falhe. "Estou a apanhar o sinal, está a transmitir, aponta bem a antena", diz um dos jovens, entusiasmado. O outro esforça-se o melhor que pode, a antena não é assim tão leve. Logo surge mais um par de mãos, a dar uma ajuda. Há quem suba para a mesa, para ficar mais perto.
Este é o momento para o qual estiveram a trabalhar nos últimos meses - as 15 equipas finalistas, de escolas secundárias de todo o país, que participam no CanSat Portugal, promovido pela Ciência Viva e pela agência espacial europeia (ESA), que este ano veio até aos Açores.
No início do ano letivo, apoiados pelos professores, os jovens formaram os seus grupos nas escolas, desenharam e criaram as respetivas missões espaciais e construíram os seus pequeníssimos satélites, que não podem exceder a dimensão de uma pequena lata de refrigerante - daí o nome Can (lata, em inglês) e Sat, abreviatura de satélite. Foi nesse espaço diminuto, que tiveram de compactar todos os sensores, a antena e os circuitos eletrónicos essenciais à missão e à transmissão dos dados em tempo real, durante a descida. Agora chegou o momento da verdade.
Nesta ronda, três dos microssatélites em competição vão ser lançados do avião - e será assim ao longo da manhã toda, apenas com algumas interrupções por causa da chuva, até que a totalidade dos 15 tenha descido lá das alturas. Um percurso que, à velocidade de 12 metros por segundo, com a ajuda de paraquedas, acontece em pouco menos de meio minuto, com muita adrenalina à mistura.
Minhocas astronautas
A ENTA Team Sat 3, da Escola de Novas Tecnologias dos Açores, de Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, é umas das equipas que tem o seu microssatélite a bordo do avião, prestes a ser largado. O João Farias, o Ricardo Sousa, a Marina Sousa, a Mariana Viveiros e o Diogo Medeiros prepararam tudo ao milímetro, com o apoio do professor de eletrónica e programação na ENTA, Duarte Cota. "Nervosos?" Garantem que não. Testaram o paraquedas, têm mais do que uma antena em terra para captar os sinais com os dados recolhidos, o satélite está a funcionar e no computador o sinal é perfeito. Apesar da pressão e de um contratempo de última hora - houve um momento, ainda em terra, em que o satélite ficou mudo e foi preciso desmontá-lo à pressa para voltar a ligar um cabo solto -, sentem-se tranquilos.
Ricardo Sousa, que há quatro anos rumou a São Miguel, para estudar na ENTA, está especialmente feliz. "Sou daqui, a família está cá. Sinto-me em casa e isso ajuda", confessa. E depois, alguns deles, como o próprio Ricardo ou o João Farias (os que acabaram o curso no ano passado, saíram, da escola e da equipa) já são veteranos desta competição, e até foram em 2016 os campeões nacionais e europeus.
Quem fica em primeiro lugar a nível nacional representa Portugal no campeonato europeu, promovido pela ESA, e a equipa da ENTA conquistou em 2016 esse passaporte e acabou por vencer também a final internacional.
Para este ano têm a fasquia ainda mais alta. Durante a descida, a equipa propôs-se, além da medição da temperatura do ar e da pressão atmosférica, a parte obrigatória que todos têm de cumprir, fazer uma experiência científica, que exigiu um pequeno espaço no interior do microssatélite para instalar três "astronautas": três minhocas.
"Vamos estudar através da análise de uma enzima, em amostras de tecidos das minhocas, se a aceleração na descida causou stress oxidadito", explica a Mariana, que tem a seu cargo, juntamente com Marina esta parte da missão.
Na enorme tenda branca montada num dos lados do antigo cartódromo para esta edição do CanSat Portugal, todas as equipas têm um espaço de trabalho, onde há computadores, cabos a granel, antenas e partes de satélites, circuitos integrados, fios e mais fios e papéis cheios de notas. No seu canto, a ENTA Team Sat 3 instalou também um pequeno laboratório de campanha, com uma pequena incubora, uma tina com água à temperatura constante de 37 graus, coleções de pipetas e até um pequeno espetrofotómetro para a leitura dos dados. Amanhã, último dia dos trabalhos, a equipa, tal como todas as outras, terá de apresentar ao júri, os seus resultados finais.
"Viva, funcionou"
Para o professor Duarte Cota, independentemente de tudo o resto, o mais importante acaba por ser o que a participação no CanSat dá aos alunos. "Competências de trabalho em equipa, de gestão e organização, e de liderança", diz, sublinhando que esta experiência "faz diferença no futuro destes jovens", porque lhes mostra caminhos e dá "motivação para continuar a estudar". Por isso, não tem dúvidas, "projetos desta natureza deviam fazer parte do currículo nas escolas".
Não está só. Ana Carneirinho, professora de Físico-Química da Escola D. João II, de Setúbal, considera que este tipo de projetos, que entusiasmam os alunos a participar e que acabam por envolver também a comunidade - "o Instituto Politécnico de Setúbal arranjou-nos a antena, o professor de informática ajudou-nos com o software e uma empresa local deu-nos o material para o paraquedas", conta a professora - é que "fazem a diferença".
Por isso, fez os possíveis e os impossíveis para criar, no âmbito do Clube de Robótica que também anima na escola, uma equipa para o CanSat. Conseguiu. E conseguiu também estar agora na final nacional. A DJoãoCan, com o Diogo e o David, do 11º, e a Carolina e a Catarina, do 12º, é este ano uma das equipas estreantes, mas a verdade é que o seu microssatélite não os deixou ficar mal. O paraquedas abriu, os sensores fizeram as medições, a antena transmitiu o sinal. Houve abraços, e sorrisos. "Viva. Funcionou". Para Ana Carneirinho, "as escolas deviam dar mais espaço" a este tipo de projetos. "Somos uma escola de uma zona desfavorecida, mas conseguimos fazer isto".
Dário Zabumba, também professor de Físico-Química, mas no Colégio Guadalupe, no Seixal, e que desde o início, há quatro anos, acompanha as equipas do colégio nesta competição, concorda que esta "é uma aprendizagem muito importante" a vários níveis. "Eles criam um projeto de raiz, adquirem competências em áreas que não estão no currículo e têm de fazer uma aprendizagem da gestão do tempo", sublinha.
Desta vez, o colégio do Seixal está representado com a equipa Stellar Sat, na qual participam a Catarina Magalhães, o José Costa e o Guilherme Ferreira, todos com 17 anos, e ainda a Beatriz e a Inês, ambas de 16 anos. O lançamento correu-lhes bem. O satélite, cuja missão era fazer também medições do oxigénio durante a descida, funcionou e os sinais chegaram sem problemas.
Guilherme, o especialista da eletrónica no grupo, estava apreensivo por causa da chuva, mas no fim, depois de meio minuto de ansiedade a olhar para o ecrã do ncomputador, era só sorrisos. Todos, eles, aliás. "Criámos uma história para o contexto desta missão, em que uma bactéria extraterrestre invadia o planeta e absorvia a maior parte do oxigénio ", conta a Inês, que está encarregue de fazer a apresentação final ao júri. "A medição do oxigénio pretende aqui ser a verificação da habitabilidade da Terra".
Bactérias no espaço
Os Icarus, que vêm da Escola Adolfo Portela, em Águeda, trazem uma meta ambiciosa e mostram-se muito bem organizados. Também uma parte deles é já veterana no CanSat, como o André Breda, do 12º ano, que é o craque da informática no grupo, ou o professor João Cera, que todos os anos os tem orientado.
Desta vez a equipa de Águeda pretende estudar a resistência das bactérias à aceleração sofrida num lançamento destes, e tentar perceber que processos biológicos estão envolvidos nisso. Por isso, a bordo do seu diminuto satélite viajaram três coleções de bactérias - "inofensivas", dizem em coro. O Alexandre Afonso, que participa este ano pela primeira vez, exulta. "Correu muito bem, recebemos os sinais todos". O professor também está satisfeito. Mas ainda há muito trabalho pela frente: falta trabalhar os dados, e fazer a parte das análises biológicas. E depois se verá.
Certa mesmo é a satisfação que se vê nos rostos, veteranos ou estreantes. As coisas do espaço, o trabalho intenso nestes dias - a maior parte deitou-se tarde tarde na noite anterior, para fazer os últimos testes, e vai fazer noitada para trabalhar os resultados - a adrenalina do lançamento e o que estão a aprender entusiasma-os. Vê-se. Pedro Cunha, aluno do 10º ano da Escola Profissional de Almada, que se estreou este ano na equipa Epasat IV desta escola veterana no CanSat, di-lo com simplicidade.
"Excedeu as minhas expectativas", garante. "Estava à espera de vir ver uma lata cair do avião e é muito mais do que isso", conta. "É a convivência dentro da equipa e com as outras equipas, é toda esta aprendizagem, e é podermos dizer com orgulho que participámos nisto". O Carlos Pólvura, o Pedro Santos, o André Fontes e o Rafael Silva, da Epasat IV, concordam. O professor que os orienta, Luís Bettencourt, sorri. Também ele está satisfeito.
A jornalista viajou a convite da Ciência Viva e do Governo Regional dos Açores