Relações bilingues. É mais fácil aprender uma língua por amor
Moni é alemã. Pedro é português. Conheceram-se há três anos, em Berlim, quando ele se preparava para deixar o emprego numa agência de publicidade e mudar de país. Apaixonaram-se. "Falávamos inglês um com o outro e ainda é essa a língua da nossa relação", conta o publicitário. Mas estão determinados a aprender o idioma um do outro. Ela começou com os "petiscos", o "cafuné" e o "desenrascar". Ele com arschkalt (frio do caraças), geil (fixe) e kater (ressaca).
Pedro e Moni podiam ser só mais um casal que ultrapassou os obstáculos linguísticos e culturais por amor, mas têm algo que os distingue. Juntos criaram o alemês, um dicionário visual online com palavras e expressões em português, inglês e alemão. "Queríamos algo que fosse mais fácil de memorizar. Desta forma, ela aprende português, eu aprendo alemão." E torna-se mais fácil ensinar ao filho os três idiomas. O amor, reconhece Pedro, deu-lhe outra motivação para aprender alemão. E os especialistas confirmam.
"Os estudos que existem mostram que de facto a motivação do aprendente é preditiva do sucesso de aprendizagem da língua (por exemplo a investigação de Robert C. Gardner e Wallace E. Lambert.). E o amor é uma grande motivação, portanto, visto deste ângulo poderíamos dizer que, sim, as hipóteses de se aprender com mais sucesso são maiores", explica ao DN Cristina Flores, diretora do Departamento de Estudos Germanísticos e Eslavos, do Instituto de Letras e Ciências Humanas da Universidade do Minho.
A docente destaca, no entanto, que "não existem muitos estudos empíricos de larga escala sobre a importância dos fatores afetivos na aprendizagem de uma segunda língua por parte de falantes adultos". Segundo Cristina Flores, Jean-Marc Dewaele investigou recentemente 429 casais "mistos" e mostrou que "muitos casais apontam dificuldades de comunicação relacionadas com a língua no início da relação, pois consideram haver falta de ressonância emocional no uso da língua estrangeira, ou mesmo uma falta de genuinidade no início do relacionamento, que tem que ver com a língua."
Pedro Lourenço confirma: "Há palavras que em inglês não têm a mesma força, pelo que, nesse caso, tentamos usar a nossa língua." É o que acontece com os palavrões. O estudo de Jean Marc Dewaele (Loving a Partner in a Foreign Language) refere, no entanto, que os "obstáculos acabam por ser superados na maioria dos participantes e a língua do parceiro torna-se "a língua do coração" nos relacionamentos mais duradouros". A docente da Universidade do Minho conta que "as mulheres sentem mais dificuldades em expressarem afetos na língua estrangeira no início do relacionamento, mas são elas que mais facilmente adotam a língua do parceiro".
Aprender em contexto imersivo
Isabel Falé, linguista e docente na Universidade Aberta, confirma que "a motivação desempenha um papel relevante na aprendizagem de uma língua não materna". Os estudos mostram também, "de forma inequívoca", "as vantagens de aprender uma língua não materna em contexto imersivo, o que significa que existem vantagens em aprender uma língua num contexto em que a mesma seja dominante nas interações linguísticas quotidianas". Quer isto dizer que "a interação linguística num relacionamento amoroso poderá proporcionar um contexto favorável à aprendizagem de uma língua não materna".
Por estar na Alemanha, será mais fácil para Pedro aprender a língua de Moni. "Ela não tem tanta pressão. Mas sinto que gosta imenso de falar português." Quando Pedro falou com o DN, Moni ia começar a ter aulas de Português na embaixada. "E já sabe imensa coisa de nível básico", garantiu.
O casal ouve música nas duas línguas e Pedro também vê os canais de televisão alemães. "Veem as séries juntos para aprender as expressões e me habituar à fonética." Quanto às "expressões do dia-a-dia", diz que namorar com uma nativa torna tudo mais fácil. Dá como exemplo "Ich glaube mein Schwein pfeift". Que em português quer dizer "deves estar a gozar comigo", mas que literalmente significa "acho que o meu porco está a assobiar". Por outro lado, "em cada região há um dialeto", pelo que "se torna mais fácil aprender as expressões" de cada zona.
Grau de contacto com a língua
Para Cristina Flores, "o mais importante na aprendizagem de uma língua estrangeira é o grau de contacto com a língua". Por isso, explica, "se tento usar a língua do parceiro, se ouço música, vejo filmes e viajo para o seu país natal, é certamente mais fácil adquirir essa língua". E o mesmo se passa com o bilinguismo infantil, ou seja, a transmissão aos filhos, o campo de investigação da docente da Universidade do Minho.
"Se pai e mãe, falantes nativos de línguas distintas, usarem as respetivas línguas maternas na comunicação com os seus filhos, as crianças tornam-se naturalmente - sem problemas cognitivos, de aprendizagem ou de outro tipo qualquer - falantes bilingues proficientes em duas línguas nativas", indica Cristina Flores.
De acordo com a investigadora, a facilidade com que uma pessoa aprende uma língua depende de vários fatores, entre os quais a idade. "Crianças parecem adquirir uma segunda língua mais rapidamente e com mais facilidade do que adultos", refere. No entanto, destaca a investigadora, "esta constatação tem apenas suporte empírico quando as línguas são adquiridas em contexto de exposição naturalística, por exemplo, quando uma família emigra".