Praia mais bonita do mundo duplicou de tamanho por pouco tempo

Investimento de 1,8 milhões para pôr areia na Dona Ana desapareceu com primeiras chuvas
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"Se as primeiras chuvas de outono deixaram a praia Dona Ana quase sem areia, imagino o que vai sobrar quando começarem as tempestades de inverno. E gastaram-se ali 1,8 milhões de euros." A preocupação é do diretor da Associação Almargem, João Santos, ao constatar o estado a que chegou aquela que já foi galardoada como a praia "mais bonita do mundo", pela revista Condé Nast Traveller, e a "melhor praia de Portugal", nos prémios TripAdvisor.

Depois de um verão marcado pelo polémico enchimento de areia - onde banhistas e máquinas dividiram esta zona balnear - que permitiu estender de forma artificial a famosa praia de Lagos para o dobro, esta semana somam-se as queixas que dão conta do desaparecimento do areal. A erosão tem avançado por estes dias sem dar tréguas.

[citacao:Como é que se explica um erro destes?]

"Não é surpresa nenhuma. Já prevíamos isto e avisámos a tempo", sublinha o presidente da Quercus, João Branco, assumindo estar na presença de um facto tão evidente que se recusa a pedir explicações aos dirigentes políticos, preferindo apontar responsabilidades aos técnicos. "Como é que os engenheiros explicam isto? Os políticos limitam-se a decidir em função daquilo que os técnicos dizem, mas como é que se explica um erro destes?", insiste o dirigente da associação ambientalista, para quem os 1,8 milhões de euros gastos neste processo foram "apenas dinheiro atirado ao mar".

O DN contactou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), responsável pela obra, pedindo esclarecimentos por escrito, como os serviços solicitaram telefonicamente, mas não recebeu resposta até à hora de fecho desta edição, enquanto a Câmara de Lagos remeteu qualquer explicação, precisamente, para a APA.

Isto depois de a autarquia ter vindo a público antes e durante a intervenção defender a reposição das areias, justificando que seriam indispensáveis para a "viabilidade e continuidade" da praia D. Ana, como sendo de "eleição e cartaz turístico de Lagos".

O alargamento da praia, que se resumia já a 40 metros de largura, ficando sem espaço para banhistas na maré cheia - segundo o argumento do município - obedeceu à retirada de 150 mil metros cúbicos de areia do fundo do mar, tendo sido construído um esporão com 40 metros que liga um leixão à arriba.

Mas, entretanto, surgiu um outro contratempo que não estava nas previsões da Quercus e da Almargem (Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve), que lamentam a destruição da "paisagem marítima ancestral e deslumbrante".

É que uma velha conduta, que em tempos transportava os esgotos, passou a conduzir águas pluviais que se juntavam ao oceano, após ser desativada a estação de tratamento. Problema? "Como o areal agora é maior, a água pluvial acumula-se na areia e já começa a ser uma ameaça para a saúde pública, porque está imunda. Cheira muito mal", denuncia João Santos, da Almargem.

O representante da associação revela ao DN que está a preparar uma queixa para apresentar em breve no Ministério Público contra o Ministério do Ambiente. Em causa a construção de um dique de retenção de areias, estando convicto de que se aquele esporão não existisse "a areia teria desaparecido mais depressa". A questão, garante, é que a construção do dique deveria ter sido alvo de estudo de impacte ambiental e não o foi, pelo que a associação que dirige já apresentou uma primeira queixa formal à Comissão Europeia por alegada infração ao direito comunitário. Na resposta ainda antes da intervenção no areal, o presidente da APA, Nuno Lacasta, garantiu que não haveria lugar à obrigação de se avançar com essa avaliação. Defendeu que apesar de ter sido homologada em 2013, a lei não se aplicava à praia Dona Ana, pois a sua entrada em vigor foi posterior à aprovação do projeto e à assinatura do contrato respetivo, que teriam ocorrido em 2012.

Enquanto a Almargem contesta esta versão, a Quercus apresenta o impacto negativo das barragens construídas no país como o maior entrave ao que adjetiva de "solução de fundo" no combate à erosão costeira. Não só para fazer face ao desaparecimento da areia desta praia, mas também de outros casos, onde se tem investido na reposição artificial de areais, como é o caso mais recorrente da Costa de Caparica (Almada). "Há vários estudos de professores universitários portugueses que mostram que a areia está retida nas barragens, quando deveria ser conduzida pelos rios até ao mar e seguir a dinâmica normal", explica o dirigente, admitindo que a subida do nível das águas do mar tenha agravado o desaparecimento dos areais.

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