Portugal já recebeu 700 refugiados em 66 municípios

Governo adiantou ao DN que em breve chegam mais 92 migrantes. Falta uma semana para encerrar o projeto com 20 refugiados em Penela, que levantam dúvidas quanto ao futuro
Publicado a
Atualizado a

Portugal já recebeu cerca de 700 refugiados no último ano, espalhados por 66 municípios do país. "O ritmo de chegadas tem sido mais regular e intenso nos últimos meses, comparativamente com o início do programa de recolocação. Brevemente, prevê-se a chegada de mais 92 pessoas, referenciadas pela Cáritas na Grécia", adiantou ao DN o ministro-adjunto, Eduardo Cabrita.

Um dos projetos mais mediáticos foi o de Penela, que levou para o interior do país quatro famílias (três sírias e uma sudanesa). Ontem, quando faltavam oito dias para o fim, o DN voltou a casa de alguns deles e encontrou um retrato diferente daquele que o país viu em novembro de 2015. Muitos preferem não dar a cara quando apontam o que não correu bem, embora ressaltem sempre a gratidão a Portugal, país que só conheciam de nome, e que julgavam "parecido com a Alemanha", por se tratar da mesma Europa. Vieram do Egito, onde estiveram dois ou três anos. É o caso de Sousan e Sameer, 33 e 38 anos, ele engenheiro alimentar, ela assessora da reitoria na Universidade de Homs, cidade destruída pela guerra na Síria. Chegaram com os três filhos, agora com 1, 3,5 e 6 anos, e dizem gostar da vila e do país.

Ele é um dos que já conseguiram a equivalência da licenciatura, está a fazer mestrado na Universidade de Coimbra. Na Síria trabalhava numa refinaria de açúcar, mas por ter experiência na área alimentar, tenta agora a sorte numa empresa do Rabaçal, conhecida pelo queijo. A casa cedida pela câmara tem apenas o essencial. "Mas disseram-nos agora que tínhamos de devolver tudo: mobília, eletrodomésticos e roupa de cama. O mesmo acontece com os telemóveis que recebemos. E também que a partir de agora teríamos de pagar renda", conta a família ao DN, apesar de o ministro adjunto garantir a habitação, bem como o RSI para quem precisar.

A Fundação Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional de Miranda do Corvo, que lidera o projeto, não comenta a denúncia. O presidente, Jaime Ramos, remete "para meados de setembro" uma conferência de imprensa, e encaminhou as perguntas para Nataliya Beck, diretora técnica do Centro de Refugiados de Penela, que disse apenas não ter de momento "informação suficiente e completa para responder. Ainda é bastante cedo para fazer o balanço do projeto. Estamos a trabalhar para encontrar as soluções e dar as respostas adequadas".

O projeto de Penela resultou de um protocolo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). "Antes de terminar este período, a entidade de acolhimento elabora um relatório no sentido de informar se os refugiados se encontram autonomizados do ponto de vista económico, caso contrário compete ao grupo de trabalho operativo - que integra responsáveis de Segurança Social, IEFP, Saúde, Educação - avaliar no sentido de continuarem a ser apoiados pela Segurança Social, nas mesmas condições dos cidadãos nacionais e dos cidadãos estrangeiros residentes legais em situação de carência económica", respondeu ao DN o núcleo de imprensa do SEF, garantindo, no entanto, que os refugiados "continuam a beneficiar de aulas de língua portuguesa e dos demais direitos previstos na Lei de Asilo, designadamente acesso ao sistema de ensino, ao emprego e a medidas de formação profissional". Tanto a presidente do Conselho Português para os Refugiados, Teresa Tito de Morais, como Rui Marques, da Plataforma de Apoio aos Refugiados, se escusaram a tecer grandes comentários sobre a situação, por não terem envolvimento no caso.

Elogio ao papel das autarquias

Ao longo dos dez meses de projeto - atualmente, o programa de recolocação da União Europeia já prevê a duração de 18 meses - os adultos frequentaram aulas de português num curso intensivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. A professora, Anabela Fernandes, acabou por estabelecer uma relação pessoal com as famílias e é uma das pessoas preocupadas com o que vai acontecer agora às 20 pessoas. "Percebi que são famílias estruturadas, pessoas bem formadas, e que só precisam de mediação para se integrarem no país." Nota como as mulheres foram destapando o rosto ao longo dos meses.

Aya prepara-se para ser mãe e recebe-nos com o mesmo sorriso de novembro, à espera de uma menina que será portuguesa. Nas traseiras das paredes de cimento e tijolo que foram aquele prédio há pequenas hortas que nascem, entre os campos de futebol improvisados pelas crianças. Tudo isso faz parte do processo de integração, como realça Elsa Lechner, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, com larga experiência e que também se interessou pelo caso de Penela e foi visitar as famílias.

Questionado sobre o balanço que faz em relação ao processo de integração dos refugiados, Eduardo Cabrita defendeu que "há um consenso nacional em relação a esta matéria e um esforço permanente na procura das respostas adequadas para fazer face a uma realidade que, pela sua dimensão e emergência, é complexa". O governo realça "o papel determinante que os municípios e as instituições têm tido ao longo destes meses, colaborando e agindo proativamente neste processo. E a forma como os portugueses, um pouco por todo o país, têm acolhido e ajudado estas famílias".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt