"Há quantos anos não arranja as mãos?" Há tantos que Maria do Carmo Favinha nem se lembra. "E ao cabeleireiro, não vai?" "Ó filha, tenho uma reforma pequena, 200 euros meus e outros 200 do meu marido que faleceu há três anos, o dinheiro não dá para essas coisas." Mas a partir de hoje poderá fazê-lo sem gastar um euro no Cabeleireiro Social da freguesia de Santa Maria Maior (centro de Lisboa). No dia em que a reportagem do DN esteve na freguesia foi um teste. Maria adorou ver o cabelo cortadinho e as unhas pintadas de vermelho. "Tenho uma doença, um cancro no peitinho, o cabelo caiu todo e agora está pequeno, fica muito melhor assim cortadinho. Isto é uma maravilha. Estou reformada das limpezas, mas mesmo quando trabalhava o dinheiro quase não dava para comer, tinha o marido desempregado, uma vida de sacrifício", conta Maria do Carmo, 67 anos, sempre com um sorriso e uma brincadeira nos lábios. Nascida e criada em Alfama, tal como a madrinha do projeto, Ana Marta, Maria do Carmo é uma das potenciais utilizadoras do espaço que é inaugurado hoje. "É uma data que gostamos de comemorar e assinalamos esse dia com um novo equipamento de forte cariz social. É uma forma de promover a inclusão social da população mais vulnerável, tendo em conta que este é um território socialmente deprimido. E procurámos pessoas do bairro que estavam desempregadas para aqui trabalharem", explica ao DN o deputado socialista Miguel Coelho e presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior. O Cabeleireiro Social fica na Rua do Vigário, no bairro de Alfama, e estará aberto todos os dias, atendendo os clientes por marcação feita através da junta. "Temos um regulamento social que define quem pode ter apoio e são essas pessoas que beneficiam gratuitamente deste espaço", diz Mónica Nabais, chefe da divisão de Intervenção na Comunidade. Paula Nunes é quem vai coordenar este cabeleireiro que tem serviços ao domicílio e uma barbearia social itinerante, nas últimas quintas (Alfama) e sextas-feiras (Mouraria) do mês, em parceria com a Barbearia Oliveira. Beneficia do apoio social da junta quem fica com menos de 251 euros mensais depois de pagas todas as despesas. Essas pessoas podem frequentar o cabeleireiro de graça. Quem ultrapassa esse valor têm direito ao serviço só uma vez por mês e por uma quantia simbólica, por exemplo, cinco euros o corte de cabelo e dois a manicura. "Este não é um negócio, é um projeto solidário, e não existe para fazer concorrência aos outros cabeleireiros, que têm a sua clientela e que os podem frequentar quando e como quiserem", frisa Mónica Nabais. A junta atribui um cartão aos utentes do Cabeleireiro Social, no qual serão carimbadas as vezes que cada pessoa utiliza o espaço e que tem limites. É exclusivo para os habitantes dos bairros de Santa Maria Maior e para os sem-abrigo. O equipamento para montar o espaço foi doado por uma cabeleireira da Baixa, que terminou a atividade, e fica num edifício da autarquia. Todo o material usado é comprado, o que representou um investimento inicial de cerca de três mil euros. Este é mais um serviço grátis ou de baixo custo destinado aos locais, tal como os já existentes dentista, psicólogo, clínico geral, enfermeiro, advogado e massagista. Fornecem, ainda, apoio alimentar, a equipa SOS de limpeza e um ateliê de costura, tentando ao mesmo tempo promover o empreendedorismo social. Ana Palma, 32 anos, esteticista, e Ruth Cardoso, 33, cabeleireira, são as profissionais do salão. Eram proprietárias de um cabeleireiro que fechou por ter acabado o contrato de arrendamento do edifício onde estavam e que foi destinado ao turismo. E estão entusiasmadas com o projeto. "A população não é complicada, já trabalhávamos em Alfama, conhecemos as pessoas. Pode haver uma situação ou outra mais complicada de alguém que esteja acamado, mas também fazíamos domicílios."