Do lixo também se faz arte. É a economia circular a funcionar

Um rato ou uma cabra esculpidos no desperdício. São obras do artista Bordalo II que fascinaram o ministro do Ambiente no périplo que fez por novos modelos económicos
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Uma de duas grandes instalações do artista urbano aka Bordalo II (Artur Bordalo), de 29 anos, ainda podem vir a ter lugar de destaque no salão nobre do Ministério do Ambiente, em Lisboa. O ministro João Matos Fernandes escolheu o atelier do artista em Xabregas (Lisboa), como primeiro ponto de um périplo, ontem, por empresas e projetos de economia circular, que apresentam modelos económicos de rentabilização de recursos.

Durante a visita, acabou apaixonado por duas peças feitas a partir do lixo por Artur Bordalo. "Aquela ficava mesmo bem no salão nobre do ministério", disse o ministro para o artista, referindo-se à instalação da cabra feita numa porta velha. Sem se conseguir decidir entre a cabra e o rato de orelhas grandes - "animais que são vítimas da sociedade do desperdício", explicaria Bordalo II - Matos Fernandes mostrou genuíno interesse em adquirir um deles "lá para o final do ano". São das peças mais caras do jovem artista, custam 8 mil euros cada.

Bordalo II centra-se muito nos animais - corujas, zebras, ratos -, as "vítimas" , que esculpe e pinta em grande escala nos espaços públicos de Lisboa e de cidades nacionais e mundiais por onde vai passando.

Noutra sala do atelier mostrou ao ministro do Ambiente bocados de ecopontos, de caixotes do lixo, tubos e entulho vindo de fábricas abandonadas. Um amontoado que está a ganhar a forma de uma guitarra portuguesa. "É uma encomenda", explicou. "Na periferia de Lisboa há muitas fábricas que fecharam e foram pilhadas e há oficinas que vão lá diariamente despejar lixo, entulho, plásticos".

Artur Bordalo, que está empenhado em passar a sua mensagem anti-desperdício, acredita numa nova consciência global: "Uma nova geração bem educada vai ajudar a resolver os problemas ecológicos." O artista, que se dedica a esta temática desde 2012, demora dois a cinco dias a montar as suas peças.

Da cortiça ao poliéster

João Matos Fernandes, que apreciou o catálogo das grandes obras de Bordalo II, qualificou o que viu como um "excelente exemplo, de um projeto artístico que tem também uma componente educativa , de provar que os resíduos são recursos".

O ministro do Ambiente tem a certeza de que em matéria de economia circular "ainda é preciso sensibilizar as pessoas". Quando falamos das grandes questões ambientais, de uma sociedade hipo carbónica, de alterações climáticas, já há uma consciência alargada. Mas quando falamos em passar de um modelo linear de economia para um modelo circular, já há menos consciência. Mesmo durante os tempos recentes da crise, em que se produziram menos resíduos e se consumiram menos recursos, isso aconteceu porque houve menos dinheiro das famílias e das empresas para gastar e consumir", afirmou.

O ministério tem a decorrer um Plano de Ação para a Economia Circular que está em discussão pública até ao final do mês, anunciou. "Estamos a tentar apoiar o máximo de modelos circulares de negócio. O Fundo Ambiental tem um aviso para que as empresas possam concorrer com uma ideia. Vai financiar com um montante de 50 mil euros cada candidatura aprovada", frisou João Matos Fernandes.

Em Portugal, são cada vez mais os projetos que estão a surgir num modelo económico anti-desperdício de recursos. " Já é o segundo road-show que faço pela economia circular. No primeiro, passámos por uma associação que faz recolha de materiais, de aros, portas, janelas, claraboias e que os guarda para recuperação. Por exemplo, se quiserem encontrar uns puxadores é ir ao site deles. Vimos ainda uma empresa de cortiça do grupo Amorim com zero desperdício de matéria prima: as raspas vão para uma central de biomassa onde são queimada e produzem energia. Estivemos numa empresa têxtil que faz tecidos de poliéster a partir de plásticos recolhidos no oceano e num hotel rural que expõe os materiais da sua construção".

O segundo road-show começou com a arte feita a partir do lixo mas prosseguiu por um futuro feito de casas à medida, por exemplo. A Jular, uma empresa de casas modulares, na Azambuja, "que nos dá a capacidade de fazer uma casa e de a irmos alterando ao longo do tempo", como explicou o ministro; ou a Book in Loop, em Coimbra, "um projeto que visa a reutilização completa do material escolar e que prolonga no tempo o valor económico do material escolar".

Ou ainda os laboratórios da Coolfarm, em Torres Novas, dedicados ao indoor farming, um projeto de agricultura vertical, no interior, em que se cultivam legumes sem recorrer à terra ou à luz do sol.

São os projetos de um admirável mundo novo, onde tudo é aproveitado.

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