Nunca ninguém teve mais votos em Portugal

Quase três milhões e meio de votos. Mais precisamente, 3 459 521, o equivalente a 70,35% dos votos. Mário Soares é, ainda hoje, o político que melhor resultado eleitoral obteve em Portugal.
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O recorde ainda hoje por bater foi obtido em 13 de janeiro de 1991, na sua reeleição para um segundo mandato como Presidente da República.

O homem que em 1983 tinha feito o "Bloco Central" (uma coligação PS+PSD), coligação que romperia dois anos depois por iniciativa de um PSD liderado por Cavaco Silva, conseguiria do mesmo Cavaco Silva, em 1991, o apoio do PSD para a sua recandidatura presidencial - e daí o resultado, esmagador. Nunca depois desta ocasião, o PS e o PSD voltaram a estar unidos em torno de um candidato presidencial. O recorde de Soares bateu por cerca de 200 mil votos o 'score' de Ramalho Eanes na sua reeleição como Presidente, em 1980.

Se Cavaco pensava que, com o seu apoio a Soares em 1991, conseguiria comprar tréguas, enganou-se redondamente. Ao longo do seu segundo mandato presidencial, o fundador do PS não fez mais nada senão conspirar contra Cavaco, que governava baseado na segunda maioria absoluta. Tanto fez que em 1995, o PS, liderado por Guterres, venceu as legislativas, regressando ao poder depois de dez anos de travessia do deserto. Em 1996, a cereja no topo do bolo: outro socialista, Jorge Sampaio, é eleito Presidente da República, derrotando Cavaco Silva.

Não há homem político em Portugal que tenha ido mais vezes a votos do que Mário Soares:1975 (eleição para a Constituinte), 1976, 1979, 1980 e 1983 (eleições legislativas), 1986 e 1991 (presidenciais, a de 1986 com duas voltas), 1999 (Parlamento Europeu) e 2006 (presidenciais). Oito eleições ao todo, após o 25 de abril - com cinco vitórias (1975, 1976, 1986, 1991 e 1999) e três derrotas (1979, 1980 e 2006).

Quarenta e um anos em que foi do céu ao inferno e voltou ao céu e acabou de novo no inferno, com a humilhante derrota nas presidenciais de 2006 (14,31%), onde não só não evitou a vitória de Cavaco Silva à primeira volta como foi batido pelo seu amigo Manuel Alegre (20,74%), com quem estaria de relações cortadas desde essa altura até 2013.

Alguns anos depois, Soares reconheceria que nessas presidenciais se tinha enganado redondamente na avaliação da sua própria popularidade junto dos portugueses (que confundiu com notoriedade). Não houve uma única voz da sua família mais próxima que não lhe tenha desaconselhado a candidatura. Na estrutura da campanha, sucederam-se os casos - o diretor da campanha, Alfredo Barroso, demitiu-se a meio.

Mas na verdade, os primeiros sinais de decadência na popularidade tinham surgido em 1999, quando Soares, já farto de estar fora da política ativa (o segundo mandato presidencial havia terminado três anos antes), decide avançar para uma candidatura ao Parlamento Europeu encabeçando a lista do PS. Apesar de ter vencido, obteve uma percentagem, 43,07%, inferior à que o PS tivera nas legislativas anteriores, 43,76%, o que fez respirar de alívio o líder da altura, António Guterres, sempre receoso do controlo que Soares queria ter sobre o PS. Além do mais, Soares assentara tudo no sonho de ser presidente do Parlamento Europeu - só que, no cômputo geral da UE, o Partido Popular Europeu venceu. A candidata do PPE ao cargo foi a francesa Nicole Fontaine - e foi notório o mau perder de Soares, que lhe chamou "dona de casa". Contrariado ou não, fez o mandato do princípio ao fim.

Soares cruzou nas suas campanhas todas as diferentes configurações que os "media" foram tendo. Em 1975 a informação estava largamente dominada pelo PCP e televisão só havia uma, a RTP. Em 2006, já a net existia como instância de influência (com os blogues), à RTP tinham-se juntado a SIC e a TVI, o panorama dos jornais era completamente diferente do de 1975, e o peso da RDP ou da Rádio Renascença na informação fora destronado pelo da TSF.

O fundador do PS sempre valorizou os contactos com os jornalistas mas nunca descurando o contacto direto com as populações. Sempre que precisava de mostrar 'banhos de multidão' encaminhava-se para bastiões do PS onde sabia que o receberiam de forma generosamente afetuosa (por exemplo, para junto das peixeiras da Nazaré). Em 1999, por exemplo, na campanha para o Parlamento Europeu, a intenção inicial era fazer uma campanha de auditórios, com debates e conferências. O próprio e a direção do PS rapidamente perceberam que uma campanha assim de mobilizador não tinha nada - e encaminharam-no para a rua, para satisfação do próprio e de dirigentes do partido como Jorge Coelho.

Nos primórdios, os alemães do partido 'irmão' SPD vieram a Lisboa dar-lhe uma ajuda (e financiamento, através da Fundação Friederich Ebert). Esses foram os épicos tempos em que a filha, Isabel Soares, percorria o país como motorista do pai num Renault 7. Já rodados em campanhas, os alemães espantaram-se quando viram a primeira campanha do PS ser organizada não em torno do líder do partido mas em torno do partido propriamente dito. Convenceram-no então que nenhuma campanha podia deixar de ser personalizada. E assim foi e Soares venceu. No PCP, por exemplo, a personalização em torno de um candidato só foi adotada em 1991, na candidatura presidencial de Carlos Carvalhas.

Percurso eleitoral de Mário Soares

1975 - Constituinte - 37,87% (PS vence)

1976 - Legislativas - 34,89% (PS vence)

1979 - Legislativas - 27,33% (AD vence)

1980 - Legislativas - 26,65% (AD vence)

1983 - Legislativas - 36,11% (PS vence)

1986 - Presidenciais - 51,18% (Soares eleito PR na 2ª volta)

1991 - Presidenciais - 70,35% (Soares reeleito PR)

1999 - Europeias - 43,07% (PS vence)

2006 - Presidenciais - 14,31% (Soares fica em 3º. Cavaco eleito PR na 1ª volta).

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