Maria Luís derrotada. Portugal condenado a pagar 1,8 mil milhões ao Santander
O Metropolitano de Lisboa, a Carris, o Metro do Porto e a STCP foram condenados pelo Commercial Court de Londres a pagar 1,8 mil milhões de euros ao Santander Totta no âmbito do processo avançado pelo banco espanhol contra as quatro empresas públicas por quebra unilateral dos nove contratos swap celebrados entre 2005 e 2007. A sentença ainda não é final, admite recurso, mas apenas para apurar questões relativas ao direito aplicável ao caso - o que limita a hipótese de reviravolta.
A decisão, conhecida apenas hoje, é o culminar do julgamento que decorreu entre 12 de outubro e 10 de dezembro do ano passado, em Londres, e teve como juiz William Blair, irmão mais velho (65 anos) do antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair. A sentença dá razão integral ao Santander.
Antes do início do julgamento, ainda com Passos Coelho como líder do governo e já com Maria Luís Albuquerque como ministra das Finanças, a instituição financeira espanhola que recentemente comprou o Banif tentou chegar a um acordo, "uma solução negociada", que permitisse ao Estado português retomar os pagamentos em atraso, interrompidos em setembro de 2013, evitando assim a resolução do conflito através do Commercial Court.
De acordo com o estabelecido pelas partes nos contratos assinados pelas quatro empresas do universo público - tuteladas, no caso, pelo governo e pelo IGCP, o instituto de crédito do Estado - seria este o tribunal a resolver eventuais conflitos.
Depois de várias tentativas infrutíferas para chegar a acordo, o Santander deu finalmente entrada com o processo em 12 de maio de 2015 e escolheu o escritório Uría Menéndez, Proença de Carvalho, Slaughter and May para o representar [Proença de Carvalho é chairman da empresa proprietária do DN]. O Estado português fez-se representar pelo escritório Cardigos e Limpan Karas.
Segundo informação recolhida pelo DN, o juiz William Blair teve acesso a um acervo de mais de 120 mil documentos, tendo ainda sido ouvido um grupo vasto de testemunhas de ambas as partes, além de peritos jurídicos portugueses - cinco professores universitários -, e especialistas financeiros e de macroeconomia.
Além de ter dado razão ao Santander, o tribunal sublinhou ter ficado claro que o banco espanhol aconselhou, como era sua obrigação, as quatro empresas públicas, tendo dado a informação necessária para que as decisões fossem ponderadas e tomadas em bom juízo, não existindo por isso fundamento para alegar "misselling", isto é, uma venda inapropriada, violando os deveres legais de informação do operador financeiro.
O juiz William Blair realçou ainda que, no momento da celebração dos contratos swap, entre 2005 e 2007, ou seja durante os governos de José Sócrates, todos os envolvidos tinham razão para acreditar que os acordos em causa serviam os interesses das empresas, ou seja, protegiam-nas das oscilações e da volatilidade dos mercados financeiros.
Não foi esse o entendimento do governo de Passos Coelho. Logo em setembro de 2013 deixaram de ser feitos os pagamentos acordados - a liquidação dos juros associados -, embora o primeiro-ministro da altura tenha conseguido chegar a acordo com outros bancos para evitar novos conflitos judiciais.
O Santander, apesar da disponibilidade para negociar, nunca aceitou ter mantido qualquer comportamento doloso. No relatório e contas de 2014, o banco espanhol já se mostrava convencido de que estes derivados financeiros, apesar de toda a polémica e da assertividade de Maria Luís Albuquerque sobre o assunto, seriam validados pelo tribunal, não tendo por isso constituído qualquer provisão para salvaguardar no balanço uma eventual perda.
O DN não teve acesso completo ao processo, apenas a partes da decisão proferida por este tribunal especializado em resolver litígios comerciais e financeiros desta monta. Na fundamentação, com mais de 200 páginas, segundo fonte próxima do caso, o Commercal Court alerta também para o facto de ter tido em conta decisões recentes da justiça portuguesa sobre casos semelhantes envolvendo swaps para melhor compreender os factos em questão e o seu enquadramento.
As quatro empresas públicas estão a ser notificadas, aguardando-se agora a reação do primeiro-ministro António Costa, já que o valor em causa - 1,8 mil milhões de euros - exigirá um esforço suplementar do Orçamento do Estado e implicará ulteriores negociações com o Santander Totta, presidido por António Vieira Monteiro, para que sejam definidas as formas e prazos de pagamento, isto é, procurar uma nova saída negociada para o conflito, embora reconhecendo a dívida. A alternativa é recorrer da sentença, procurando reverter o direito aplicável ao caso. O Santander é um dos mais fortes candidatos à compra do Novo Banco.
Contratos swap
Um swap é um contrato de cobertura de risco no financiamento que implica quase sempre perdas para uma das partes, uma vez que consiste em fixar uma taxa de juro (que, de outro modo, seria variável) de um empréstimo com a obrigação de uma das partes pagar a diferença entre a taxa fixa e taxa que oscila. Para fazer face à incerteza sobre o futuro das taxas de juros a pagar, uma empresa pode contratar um swap com um banco, que lhe permite saber qual o juro que terá de pagar.
No caso que opôs o banco Santander e o Estado português estão em causa quatro contratos feitos pelas empresas públicas de transportes - Metro de Lisboa, Metro do Porto, STCP e Carris - no valor de 1,3 mil milhões de euros. O governo alegou que os gestores dessas empresas não tinham capacidade para assinar os contratos, pedindo por isso a sua nulidade. Uma versão contrariada pelo banco recorrendo até às declarações de alguns gestores públicos na comissão parlamentar de inquérito ao caso, na qual afirmavam que a informação devida tinha sido dada e nem a Inspeção-Geral de Finanças nem o Ministério das Finanças tinham alguma vez tido qualquer reserva "sobre a capacidade de as empresas públicas contratarem swaps ou sobre a sua validade ou aplicabilidade".
Os juros acumulados pelo não cumprimento dos contratos já ultrapassam os 233 milhões de euros.