Médico dos comandos suspenso de exercer funções em unidade de saúde

Arguidos nas mortes no curso de Comandos saíram com termo de identidade e residência, juíza aplicou medida mais gravosa a médico. Ministério Público disse que detidos sabiam estar a dar ordens "contrárias ao dever militar"
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Passava das 23:00 quando eram divulgadas as medidas de coação decretadas aos sete arguidos no caso das duas mortes no 127º curso dos comandos. Todos saíam em liberdade com termo de identidade e residência, a medida mais gravosa foi aplicada ao capitão médico Miguel Domingues, suspenso de exercer funções em unidade de saúde. Depois das medidas aplicadas pela juíza, os arguidos vão aguardar julgamento fora do presídio de Tomar, para onde foram levados após os mandados de detenção da procuradora do Ministério Público Cândida Vilar.

Nestes, a procuradora acusa os instrutores dos Comandos, detidos na quinta-feira, de privarem os instruendos de beber água numa situação de calor extremo que sabiam ser "absolutamente desaconselhável, conforme resulta de todas as publicações científicas sobre ondas de calor". Com o Presidente da República a declarar que a investigação do MP "deve merecer escrupulosa colaboração, por parte das Forças Armadas" - pois "são a história, o prestígio como elemento estruturante da identidade nacional e o respeito como salvaguarda do Estado de direito democrático que o impõem" -, os sete militares detidos foram ouvidos ontem por um juiz de instrução.

Quanto ao mandado do MP, a que o DN teve acesso, ele parece indicar que a privação de água (ou beber apenas quantidades mínimas) durante horas, aparentemente sem ter em conta o nível de calor existente, seria uma prova a superar pelos instruendos - quando o seu racionamento "não está sequer previsto no guião da prova".

Esta privação de água e outros maus-tratos resultaram em ordens "contrárias aos deveres do militar e disciplina militar" por parte dos cinco instrutores detidos, que o fizeram na presença do médico - que chegou várias horas depois de iniciados os exercícios no Campo de Tiro de Alcochete - e do diretor do 127.º curso dos Comandos (ambos também detidos para interrogatório pela Polícia Judiciária Militar).

O MP indica expressamente que um dos sargentos instrutores "privou os instruendos (...) de beber água, apesar de saber que devia ser garantido alimentação e água, conforme consta do guião" da chamada Prova Zero e que é a primeira do curso de Comandos.

Segundo o documento, os instrutores "bem sabiam que a exposição ao sol a temperaturas tão elevadas e sem que os instruendos se encontrassem hidratados era absolutamente desaconselhável, conforme resulta de todas as publicações científicas sobre ondas de calor". Note-se que no primeiro dia de exercícios do curso, a 4 de setembro, as temperaturas variaram entre os 24 e os 32,4 graus centígrados logo entre as 08.30 e as 10.20 - superando mais tarde os 40º, sem que o curso fosse interrompido e quando, num caso de desmaio em que o médico ainda estava ausente, "a enfermeira nem sequer foi capaz de se aperceber do estado de desidratação em que se encontrava o soldado", indica o MP.

No caso do capitão médico (com o curso da especialidade de comando), chegou ao Campo de Tiro de Alcochete cerca das 11.00 quando o exercício se tinha iniciado por volta das duas da madrugada - assim "violando gravemente os seus deveres funcionais" como clínico.

"Desde as 21.30 do dia 3 de setembro de 2016 [início da Prova Zero, no quartel do Regimento de Comandos na Serra da Carregueira] até às 12.20 do dia 4 de setembro, o grupo de graduados [oficiais e sargentos] bebeu no máximo cerca de dez tampas de água (320 ml - o equivalente a uma garrafa de água de 33 cl), sem terem tido praticamente descanso", indica o MP.

Quanto ao grupo dos instruendos formado apenas por soldados, identificado como P3, "bebeu no máximo um cantil de água (um litro)" no mesmo intervalo de tempo e quando todos já tinham realizado uma marcha de uma hora, exercícios físicos, ginástica educativa, instrução de técnica de combate "com elevado desgaste físico", instrução de tiro de combate com "intensidade física desgastante", ginástica de aplicação militar "com elevado desgaste físico" e a instrução do carrossel "de alta intensidade e de enorme desgaste físico".

As ordens dadas "visavam desgastar fisicamente os instruendos, provocando-lhes elevado estado de exaustão pelo calor, stress emocional e sentimentos de humilhação" - que os instrutores sabiam, repete o MP, que "eram contrárias aos deveres do militar e da disciplina militar".

Para o MP, "há indícios abundantes de terem sido cometidas ofensas à integridade física - simples e graves - dolosas, bem como "prova indiciária, resultante das autópsias médico-legais, que aponta para a imputação da morte dos militares Hugo Abreu e Dylan Silva a essas ofensas à integridade física, no plano objetivo, e aos militares que supervisionaram ao nível subjetivo, em que se exige negligência". Pelo que os instrutores dos Comandos no ativo "estão indiciados" pela prática dos "crimes de abuso de autoridade por ofensa à integridade física grave, agravado pela morte das vítimas", e de "omissão de auxílio".

Para o MP "não restam igualmente dúvidas" de que "recaía sobre [os instrutores] o dever pessoal de evitar o resultado - quer a ofensa à integridade física quer a morte dos ofendidos. Tal dever é imposto pelas leis militares e resulta da relação hierárquica existente" entre eles, sustenta o MP.

Notícia corrigida às 11:30, quanto ao posto e nome do médico

Com A.M.I. e M.J. C.

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