Compra de manuais em lotes ameaça pequenos livreiros

Muitas escolas negoceiam a compra de livros em lotes, o que ameaça a sobrevivência de quem não pode competir com descontos
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"Um peso de fazer fechar a porta." É desta forma que José Augusto, gerente da Livraria Saturno em Oliveira do Bairro, prevê as consequências para os pequenos negócios da perda das receitas dos manuais escolares do 1.º ciclo se não forem tomadas medidas que garantam que os pais podem comprar estes livros - agora oferecidos pelo Ministério da Educação a todos os alunos da rede pública, do 1.º ao 4.º anos - nos locais que escolherem.

Segundo números da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), existem no país 1200 pequenos livreiros. E o risco, dizem estes, é que cada vez mais escolas passem a replicar o que já fazem em relação a todas as restantes aquisições de equipamento. Ou seja: negociar a compra em grandes lotes, por vezes por concurso, obtendo descontos mas favorecendo quem os pode dar, sejam grandes livrarias ou plataformas de venda através da internet.

De acordo com a verba inscrita no Orçamento do Estado deste ano, a aquisição de manuais para todo o 1.º ciclo vai custar ao Estado cerca de 14 milhões de euros. Destes, dependendo da percentagem paga pelas diferentes editoras, entre 15% e 20% - ou 2,1 a 2,8 milhões de euros - caberiam às pequenas e grandes livrarias. Um valor que, lembra José Augusto, tem ainda de ser deduzido dos custos com os portes.

No entanto, explica, já há livrarias a oferecer às escolas descontos agressivos na aquisição de grandes quantidades. "São colegas que alegam que vendem tudo mas não ganham nada e acabam por dar cabo da vida a todos os outros", critica.

A importância dos manuais para as pequenas livrarias cresceu ao mesmo ritmo a que se tem acentuado as quebras das vendas dos restantes livros, nomeadamente da ficção. O gerente da Livraria Saturno diz mesmo que, atualmente, é o volume de negócios dos meses de regresso às aulas que ainda vai garantindo a sustentabilidade do negócio. "Trabalhamos três a quatro meses, entre julho e setembro ou outubro, para manter a porta aberta todo o ano. A pagar impostos, a pagar tudo isso", diz, admitindo que se continuar a acentuar-se a tendência da compra por atacado, já a ser seguida "por uma parte das escolas", o desemprego será a realidade de muitos trabalhadores.

Não é apenas o impacto da perda desta receita, acrescenta António Melo - da Livraria Fontenova, de Vila do Conde -, que estima em "milhares" os pequenos negócios ameaçados. Deixando de ir à livraria levantar os manuais, diz, as famílias deixam também de comprar lá muito do material escolar de que os alunos precisam para o ano letivo. "As pessoas, sem virem aqui buscar o livro escolar, acabam por ir às grandes superfícies com a lista do material que os professores dão", assume. "Nas cidades temos o problema do estacionamento: e as grandes superfícies oferecem estacionamento gratuito e segurança. Vir comprar material para gastar 30 ou 40 euros e pagar uma multa de 30, ou pagar estacionamento, torna tudo mais caro", frisa.

Ministério atento

Estas duas livrarias integram um grupo de sete pequenos negócios que desde o final do ano passado, quando foi adotada a gratuitidade para todo o 1.º ciclo, se têm desdobrado em apelos para tentarem garantir que a modalidade de financiamento destes livros é a entrega aos encarregados de educação de um voucher, para que estes decidam por si onde é feita a aquisição. "Não estamos nesta lista por estas sete livrarias mas por todo o setor", diz José Augusto. "E se nada conseguirmos não será por falta de esforço. Já enviámos cartas registadas para todo o lado, ao Presidente da República, aos grupos parlamentares e ao Ministério da Educação."

Até agora, as respostas vieram sobretudo dos grupos parlamentares do PS e do CDS, este último partido escreveu há dias ao gabinete do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, a pedir esclarecimentos sobre as medidas que está a tomar a este respeito.

O Ministério da Educação tinha-se comprometido a fazer diligências no sentido de resguardar o comércio local, mas, em termos práticos, essa intenção ainda não foi passada à prática. Recentemente, a Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) emitiu um ofício sobre os procedimentos a seguir na aquisição dos manuais. E deste não consta qualquer indicação no sentido de ser dada prioridade aos pequenos negócios. Questionado pelo DN, o Ministério da Educação reafirma a preocupação com o tema. Mas também acaba por assumir que pouco pode fazer para interferir com as opções das escolas. "O processo de aquisição de manuais está na esfera de autonomia das escolas, que escolhem a melhor forma de atuar, sendo certo que nas orientações dadas pelo ministério está expressa a promoção da economia local em qualquer que seja o procedimento adotado pelas escolas", diz. "As garantias do ministério foram as que estão plasmadas nas orientações remetidas às escolas, as quais têm necessariamente de salvaguardar os princípios gerais de contratação pública e, como já dissemos, os objetivos de proteção do comércio local e promoção da eficiência e a valorização da economia local."

A APEL, que agrega desde as grandes editoras a pequenos negócios, tem enviado e-mails às escolas apelando à opção pelos vouchers.

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