Juízes chumbam acesso das secretas a dados dos telemóveis
Sem necessidade de muita discussão e análise ao conteúdo do projeto de lei , em meia dúzia de páginas o Conselho Superior da Magistratura "chumbou", uma vez mais, a possibilidade dos serviços de informações terem acesso a dados de tráfego dos telemóveis, tal como está previsto num projeto de lei do CDS, em algumas partes, coincidente com uma proposta de lei do Governo relativa ao mesmo assunto. Num parecer entregue ao Parlamento, o documento do órgão de gestão e disciplina dos juízes refere que a nova iniciativa legislativa está ferida de inconstitucionalidade material.
No documento, o CSM começa por recordar que, em 2015, o governo de Pedro Passos Coelho avançou com uma iniciativa legislativa, a qual, depois de um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade feito por Cavaco Silva, foi chumbada pelo Tribunal Constitucional. É que a Constituição da República proíbe a "ingerência" das autoridades públicas nas comunicações "salvo nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal". Há dois anos, o governo de Passos Coelho tentou contornar a norma constitucional com a criação de uma comissão administrativa composta por juízes do Supremo Tribunal de Justiça, que deveria autorizar ou negar o acessos dos serviços de informações (SIS e SIED) aos chamados "metadados".
No projeto de lei do CDS e na proposta de lei do governo, o caminho encontrado foi o da criação no próprio Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de uma secção de juízes que autorizaria os pedidos das secretas de acesso a faturações detalhadas e localização celular dos telemóveis. Para o CSM a intervenção dos juízes conselheiros - seja na tal comissão, seja no próprio STJ - "não tem a virtualidade de atribuir natureza procedimental penal à atuação" dos serviços de informações. Isto é, essa eventual atividade não decorre, como refere a Constituição, "em processo criminal", uma vez que só as polícias e ao Ministério Público têm o poder legal de fazer investigação criminal. "A atividade de recolha de informações para efeitos de prevenção criminal não se confunde com a atividade própria da investigação criminal a cargo das autoridades judiciárias", acrescenta o parecer do Conselho Superior da Magistratura.
Mudanças no Constitucional
Mas, se em 2015, o Tribunal Constitucional chumbou a iniciativa, tal não quer dizer que repita a decisão. Isto mesmo é recordado pela Comissão de Fiscalização de Dados do Sistema de Informações da República Portuguesa, composta por três procuradores do Ministério Público, entre os quais o vice-procurador-geral da República, Adriano Cunha. Num parecer enviado ao Parlamento, os procuradores recordam que o chumbo do Constitucional, em 2015, foi votado por apenas sete juízes conselheiros (num total de 13), dos quais quatro já não integram o atual elenco de magistrados do Constitucional.
A Comissão de Fiscalização de Dados começa por recordar que as "secretas" portuguesas são as únicas ao nível europeu sem acesso a dados dos telemóveis, o que as coloca, perante as congéneres, em situação de "vulnerabilidade", isto é, em algumas situações não têm boa informação para partilhar (ver texto nesta página).
Num esforço para distinguir entre "dados de conteúdo" (escutas) e "dados de tráfego" (indicação do número contactado, duração da chamada e localização celular do aparelho), os procuradores consideram, a reboque de um voto de vencido do juiz conselheiro Teles Pereira (antigo diretor do SIS), que em 2015 concordou com o acesso das secretas aos metadados, existir diferentes graus de proteção constitucional sobre aqueles dois tipos de dados. No fundo, o que a Constituição, de facto protege, são os dados de conteúdo, sendo que a Comissão de Fiscalização de Dados considera, em resumo, que o acesso dos serviços de informações a metadados é constitucionalmente possível se "se atentar que não se trata de recolha de informação em larga escala, mas de recolha individualizada e que, como tal, com menor incidência e de menor intensidade na proteção da reserva da vida privada".
A Comissão de Proteção de Dados Pessoais também já enviou à Assembleia da República um parecer sobre esta matéria. E, tal como o CSM, pronunciou-se pela inconstitucionalidade da medida.