Eu é que sou o presidente da junta: autarca desafia justiça e recusa abandonar cargo

O presidente do PS da União de Freguesias de Sacavém e Prior Velho, às portas de Lisboa, recusa-se a deixar o cargo, apesar de os tribunais terem decretado a perda do seu mandato. Está em causa o crime de usurpação de funções
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Filipe Santos foi eleito pelo PS presidente da Junta de Sacavém e Prior Velho nas últimas eleições autárquicas. Nessa altura era chefe da divisão financeira dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento da Câmara Municipal de Loures, funções que ainda desempenha e que, de acordo com a lei, o tornava "inelegível" para a autarquia. A denúncia chegou aos tribunais, passou por todas as instâncias até ao Constitucional. Todos decidiram pela perda de mandato. Mas Filipe Vítor Santos recusa-se a sair, fazendo lembrar a conhecida personagem de Herman José que repetia "Eu é que sou o presidente da junta!". Neste caso, porém, acrescentaria um "para sempre!"
Contactado pelo DN, o autarca alega que aguarda "a decisão" em relação a um recurso que apresentou sobre a decisão do Tribunal Constitucional. "Considero que não há motivo para a perda de mandato. Vivemos num Estado de direito e respeitarei as decisões judiciais. Até lá vou continuar a trabalhar em prol da população". Quando questionado sobre o facto de o acórdão do Constitucional já ter transitado em julgado, argumenta que "ninguém está acima da lei" e que quando "o tribunal decidir" acata a sentença.
A atitude deixou incrédulos juristas em Direito Administrativo ouvidos pelo DN, embora com a ressalva de não conhecerem a fundo o processo. "Tenho acompanhado alguns casos relacionados com autarquias e há situações que fazem lembrar um pouco o Terceiro Mundo, mas como esta nunca vi", sublinha um deles. No entender dos advogados, Filipe Santos "está a cometer, em flagrante delito, um crime de usurpação de funções". Apesar de alegar ter recorrido da decisão, explicam, a partir do momento em que a sentença transita em julgado (o que aconteceu em outubro), o autarca tem de deixar a junta de freguesia.
Por outro lado, sublinha um dos peritos em direito administrativo, "está a incorrer em responsabilidade civil podendo ter de indemnizar quer a junta de freguesia quer terceiros que com ela se relacionem, pois todos os atos que realizar são nulos. É completamente ilegal a sua situação". Por isso, acrescenta, "a qualquer momento pode ser solicitado ao MP que determine à PSP que recolha as provas necessárias do flagrante delito que está a ser cometido na junta".
Os membros da assembleia de freguesia, de todos os partidos políticos, incluindo do próprio PS, tentam "legalizar" a situação desde que foram notificados pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, no início de dezembro passado, de que a sentença tinha transitado em julgado a 27 de outubro. O processo passou por todas as instâncias, do Tribunal Administrativo, ao Central, ao Supremo e, por fim ao Constitucional. Filipe Santos perdeu sempre. "Todo este caso, que já dura desde 2014, quando a questão de inelegibilidade foi levantada junto ao Ministério Público, é para nós inédita e inadmissível", sublinha Anabela Feliciano, da assembleia municipal, eleita pela CDU. Acusa o PS de "deixar arrastar" a situação, "quando sabe perfeitamente que se está perante uma ilegalidade", mas lembra que "nem está em causa a escolha política que a população fez nas eleições", pois Filipe Santos "será substituído por outro elemento do PS, que estava em segundo lugar na lista".
O último episódio do folhetim teve lugar na passada quarta-feira, quando o presidente da assembleia de freguesia convocou uma reunião para que a substituição de Filipe Santos fosse concretizada. Mas o resistente presidente de junta tinha contra-atacado de novo e interposto uma providência cautelar contra a decisão da assembleia de o substituir. Confrontado pelo DN com este autêntico culebrón, o presidente da distrital do PS, Marcos Perestrello é perentório: "Quando a sentença transitar em julgado Filipe Santos terá de sair", alegando desconhecer que isso tenha acontecido.

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